13 de Janeiro de 1964. E Arganil mergulhou no misterioso mundo dos selos…

13 de Janeiro de 1964. E Arganil mergulhou no misterioso mundo dos selos…


Para quem julga que a filatelia é apenas uma actividade entediante, fique sabendo que é, até, muito competitiva. A 1.ª Exposição Filatélica da Comarca de Arganil, levada a cabo nos Paços do Conselho, foi um belo exemplo de esfusiante entusiasmo.


Sempre foi misterioso o mundo dos selos. Confesso que não para mim, que desde os cinco ou seis anos comecei a juntá-los, assim um bocado à balda, mais por países, como se fosse um campeonato, mas que não tardando a dedicar-me a apenas aos selos de Portugal – virgens, ou seja, sem carimbo – e hoje sou um feliz proprietário de uma colecção (desarrumadíssima) de todos os selos editados pelos CTT desde 1940 até à data corrente (com vários de décadas anteriores, igualmente). O tempo falta-me para organizá-los e mais ainda para ir preenchendo as folhas do álbum oficial por meio de tiras Hawid.

Embarquemos na nossa habitual e semanal viagem no tempo. No dia 13 de Setembro de 1964, a filatelia enchia páginas de jornais. Diga-se de passagem que era habitual, nesse tempo, ter uma página dedicada ao tema pelo menos uma vez por semana. Tal como uma página dedicada à tauromaquia, algo que faria agora pôr metade do país aos berros contra o sofrimento dos nobres representantes taurinos. Enfim, são os tempos. As eras sobre eras que se somem no tempo que em era vem, como escreveu Pessoa, n’A Mensagem. Em Arganil, no salão nobre dos Paços do Conselho, a 1.ª Exposição Filatélica da Comarca de Arganil foi um êxito. Estendeu-se por quatro dias e, ao mesmo tempo, numa viagem plena de significado, o capitão Lemos da Silveira, deslocava-se a Londres para tomar parte nos 4.ºs Congresso e Assembleia Geral da Federação Internacional das Sociedades Aerofilateléticas. Uma semana em cheio para os amantes dos quadradinhos ou rectangulozinhos que, para conservarem o seu valor absolutamente original, não podem estar manchados a carimbo e devem manter o serrilhado perfeito e a cola na parte de trás. Claro que também há quem coleccione selos usados (carimbados) ou até postais ou envelopes com os respectivos selos, mas são versões mais comuns do que a autêntica.

O engenheiro Manuel Gigliardini Graça, director dos serviços industriais dos Correios Telégrafos e Telefones, foi figura maior nesses dias agitados de Arganil. Surgiu em representação do Correio-Mor, outro engenheiro, de nome Luís Couto dos Santos. Nestas coisas de filatelia, os nomes contam. Contam até bastante. Porque os selos não se coleccionam sozinhos nem aparecem catalogados do pé para a mão. Os grandes coleccionadores são verdadeiros coca-bichinhos que completam as edições emitidas com rigor, obedecendo ao valor facial de cada selo. Felizmente, de há vários anos para cá que a secção de filatelia dos CTT, que funciona de forma competente e oleada, permite que encomendemos e nos sejam entregues todas as edições filatélicas que vão surgindo ao longo de um ano, esquivando-nos à trabalheira de viajarmos pelos poucos filatelistas ainda de portas abertas ao público com o catálogo na mão, foçando aqui e ali um elemento ou vários em falta.

 

De encher o olho

A imprensa, na sua generalidade, não se cansou de elogiar a presença em Arganil da Classe de Honra onde foram exibidos quatro quadros com cartas pré-filatélicas portuguesas, três delas com ensaios e provas de selos nacionais, entre as quais a famosa de Salazar, e três com selos portugueses com erros – “três especialidades das mais requintadas da Filatelia que nunca olhos arganilenses tinham jamais visto!” (sic). Ah! Porque há mais essa. Erros e defeitos podem valorizar, e muito, um exemplar. Repare-se, por exemplo, no murmúrio de satisfação admirada que se repercutiu nesse fim de semana, em Arganil, quando um sobrescrito com erro e grande omissão total da cor azul, editado pela Casa do Conselho de Arganil, foi apresentado. Verdadeira peça de colecção!

O eminente José González Garcia fez furor. O seu extraordinário Moçambique – dez quadros com cento e vinte folhas, somente até aos selos com a sobrecarga de Santo António, deixaram muitos de boca escancarada, sem saberem ao certo o que mais admirarem: se as peças quase todas em folhas inteiras, se o seu estudo, se a sua apresentação e legendagem de uma perfeição totalmente modelar. Sim, sim, que isto não é só tirar os selos da carteira e enfiá-los debaixo de uma vitrina para que a malta os vá vendo com a atenção possível. Há que apresentá-los, explicar as suas origens, designar o momento em que foram impressos e por aí fora…

Como em todas as competições que se prezam e, pasmem!; a filatelia também é competitiva, havia um júri. O grande prémio da 1.ª Exposição da Comarca de Arganil foi entregue ao_Clube Filatélico de Portugal, juntamente com uma felicitação complementar. A seguir à distribuição das medalhas, comeu-se e bebeu-se à farta-bruta. O dr._Fernando Vale, que já se oferecera para presentear os melhores com os respectivos troféus, abriu um banquete de fazer escorrer água pelos cantos da boca do menos esfomeado. Os vinhos foram preciosos mas, como é comum, os discursos derradeiros provocaram bocejos gerais e até um ou outro palavrão murmurado em desabafo. Fazia parte. Não podia ser tudo_à borla. E, por isso, de copo de Porto na mão, o presidente da edilidade de Arganil, com a voz embargada pela emoção e pelos excessos etílicos, tratou de serrazinar a pachorra a todos aqueles que se arriscaram a ficar até ao fim.