Palavras mundiais


“Se estiveres no estrangeiro e te der um ataque, atiras-te pró chão e gritas… hospital, hospital. Toda a gente sabe o que quer dizer. É outra daquelas palavras mundiais”


Anos 80. A cena passa-se no Café Luso, na Praça Carlos Alberto, no Porto. Local icónico

nessa época, e noutras que se lhe seguiram. Talvez pelo contraste entre o seu ambiente
diurno e noturno. Durante o dia era ponto de encontro de estudantes que se reuniam para tomar umas cervejas, estudar e conviver. À noite era ponto de encontro de estudantes que se reuniam para tomar umas cervejas, mas já não para estudar. E conviver. Talvez o foco do estudo fosse
desviado para certas personagens mais duvidosas que, lá mais para o fim da noite iam aparecendo,
tornando este local numa peculiar fonte de diversão.

Entrei, de dia, para beber algo ao balcão. Para ser mais rápido, pois estava com pressa. A poucos metros de mim estavam dois amigos, um tanto ou quanto ébrios, à conversa. O efeito do álcool tinha-lhes aumentado os decibéis e era inevitável escutá-los. De início parecia só uma conversa de circunstância, desinteressante.

Até que um deles saca do seu maço de tabaco e retira um cigarro. O outro, admirado com a
qualidade gráfica e exuberante do pacote, comentou:

– Sim senhor. Bibe-se bem. Cigarrinhos de alto níbel (o que daqui para a frente parecer erro
ortográfico é apenas pronúncia do Porto).

– São Rodemans (leia-se Rothmans).

A admiração do amigo era legitima, pois vivia-se então sob o domínio do SG Gigante, SG Ventil
ou Português Suave, sendo raro, por ser mais caro, ver consumir marcas estrangeiras, com
exceção talvez do “Marleboro”.

– São uma maravilha – diz o fumador.

– Dantes andaba sempre cum tosse, mas desde que mudei para esta marca parece que fiquei com os pulmões mais limpos.

– Mas essa marca é estrangeira – diz o outro.

– Pois é. São Rodemans Kingue Size

– O que é isso de Kingue Size

– Oube lá ó burro… num sabes inglês? Kingue é Rei em inglês.

– E Size o que é?

– És mesmo buro. Size é… Size. Num tem tradução. Isto são cigarros Rei Size. Do melhor que há.

– Size é uma daquelas palavras mundiais que num teiem tradução.

– Haaa! – diz o outro com, atrevo-me a dizer, alguma admiração pela explicação do amigo.

– Oube lá. Se estiveres no estrangeiro e te der um ataque, atiras-te pró chão e gritas… hospital, hospital. Toda a gente sabe o que quer dizer. É outra daquelas palavras mundiais. É como Size.

– Ora deixa lá provar um cigarrinho desses – diz o outro, mortinho por experimentar coisa fina.

Acende o cigarro, inspira uma valente passa, expele o fumo.

– Tens razão. Marabilha. Até parece que limpa os pulmões. Isto do Size é mesmo bom.

E lá continuaram eles à conversa. Um, convencido que sabia inglês. O outro, com admiração pelo culto discurso do seu amigo e convencido que este novo cigarro lhe estava a fazer bem aos pulmões.

Entretanto já tinha acabado a minha água e esquecido a minha pressa, tal foi o espanto e deleite com esta surreal conversa. Paguei e saí, não sem antes ainda ouvir…

– Ó Quim traz aí mais duas “bejecas”.

Que não sendo uma palavra mundial, aqui no Porto, não deixa dúvidas nenhumas.

 

Designer

 

Palavras mundiais


“Se estiveres no estrangeiro e te der um ataque, atiras-te pró chão e gritas... hospital, hospital. Toda a gente sabe o que quer dizer. É outra daquelas palavras mundiais"


Anos 80. A cena passa-se no Café Luso, na Praça Carlos Alberto, no Porto. Local icónico

nessa época, e noutras que se lhe seguiram. Talvez pelo contraste entre o seu ambiente
diurno e noturno. Durante o dia era ponto de encontro de estudantes que se reuniam para tomar umas cervejas, estudar e conviver. À noite era ponto de encontro de estudantes que se reuniam para tomar umas cervejas, mas já não para estudar. E conviver. Talvez o foco do estudo fosse
desviado para certas personagens mais duvidosas que, lá mais para o fim da noite iam aparecendo,
tornando este local numa peculiar fonte de diversão.

Entrei, de dia, para beber algo ao balcão. Para ser mais rápido, pois estava com pressa. A poucos metros de mim estavam dois amigos, um tanto ou quanto ébrios, à conversa. O efeito do álcool tinha-lhes aumentado os decibéis e era inevitável escutá-los. De início parecia só uma conversa de circunstância, desinteressante.

Até que um deles saca do seu maço de tabaco e retira um cigarro. O outro, admirado com a
qualidade gráfica e exuberante do pacote, comentou:

– Sim senhor. Bibe-se bem. Cigarrinhos de alto níbel (o que daqui para a frente parecer erro
ortográfico é apenas pronúncia do Porto).

– São Rodemans (leia-se Rothmans).

A admiração do amigo era legitima, pois vivia-se então sob o domínio do SG Gigante, SG Ventil
ou Português Suave, sendo raro, por ser mais caro, ver consumir marcas estrangeiras, com
exceção talvez do “Marleboro”.

– São uma maravilha – diz o fumador.

– Dantes andaba sempre cum tosse, mas desde que mudei para esta marca parece que fiquei com os pulmões mais limpos.

– Mas essa marca é estrangeira – diz o outro.

– Pois é. São Rodemans Kingue Size

– O que é isso de Kingue Size

– Oube lá ó burro… num sabes inglês? Kingue é Rei em inglês.

– E Size o que é?

– És mesmo buro. Size é… Size. Num tem tradução. Isto são cigarros Rei Size. Do melhor que há.

– Size é uma daquelas palavras mundiais que num teiem tradução.

– Haaa! – diz o outro com, atrevo-me a dizer, alguma admiração pela explicação do amigo.

– Oube lá. Se estiveres no estrangeiro e te der um ataque, atiras-te pró chão e gritas… hospital, hospital. Toda a gente sabe o que quer dizer. É outra daquelas palavras mundiais. É como Size.

– Ora deixa lá provar um cigarrinho desses – diz o outro, mortinho por experimentar coisa fina.

Acende o cigarro, inspira uma valente passa, expele o fumo.

– Tens razão. Marabilha. Até parece que limpa os pulmões. Isto do Size é mesmo bom.

E lá continuaram eles à conversa. Um, convencido que sabia inglês. O outro, com admiração pelo culto discurso do seu amigo e convencido que este novo cigarro lhe estava a fazer bem aos pulmões.

Entretanto já tinha acabado a minha água e esquecido a minha pressa, tal foi o espanto e deleite com esta surreal conversa. Paguei e saí, não sem antes ainda ouvir…

– Ó Quim traz aí mais duas “bejecas”.

Que não sendo uma palavra mundial, aqui no Porto, não deixa dúvidas nenhumas.

 

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