1) Esta expressão popular adapta-se como uma luva ao malabarismo que António Costa apresentou ao país, afirmando tratar-se de apoio às famílias para combater a crise gerada sobretudo pela invasão russa da Ucrânia. Uma análise sumária permite constatar que pagar meia pensão aos reformados (mas só aos que auferem menos de 5 318 euros, o que é injusto face aos descontos) é um truque. Isto faz com que a base da pensão se mantenha e que, para o ano, os aumentos variem entre 3,53% e 4,43%. Só nesta medida corta-se cerca de metade do aumento que a lei prevê e que rondaria os 9% no ano que vem. Ao adiantar agora, Costa mantém a base da pensão em 2023, o que faz com aplique um corte radical em 2024, uma vez que deitou fora a legislação de correção que existia até agora e que, com o maior desplante, tinha garantido que iria cumprir. Uma mentira, um escândalo e um esbulho! Em todas as outras medidas o espírito é sensivelmente igual. O governo deixa de fora quem ganha mais de 2700 euros, quem mais riqueza gera, quem mais capacidade tem e quem, simultaneamente, menos gastos dá ao Estado, visto que se trata, às vezes, de quadros que pagam seguros de saúde pesados, têm filhos no ensino privado, têm mais poder de compra e portanto têm algum poder de compra, pagando muito imposto direto e indireto. Discriminações destas são mais um incentivo à geração mais bem preparada de sempre pegar na trouxa e zarpar. Claro que para muita gente António Costa fica bem visto, uma vez que o truque de ilusionismo dá a sensação de que as pessoas têm dinheiro no bolso de repente. Já o apoio de 50 euros/mês para cada filho é quase nada. Não chega sequer para material escolar. Sendo um mestre da propaganda, António Costa deu a sensação de que tudo isto vai fluir num instante quando há muita gente pobre que vai ter de fazer muitas diligências para obter qualquer apoio. É o que sucede a quem não tem sequer rendimentos para ter de declarar IRS. Neste pacote a medida mais sensata terá sido a de limitar o aumento das rendas, desde que se cumpra mesmo a promessa de uma diminuição compensatória no IRS dos senhorios e que haja a garantia de que a questão do chamado englobamento das rendas no escalão de imposto do senhorio não volte a ser equacionado, como é desejo da influente socialista Helena Roseta, o que destruiria o rendimento de poupança de muita gente. Apesar de ser cínico (como se vê pela falsidade na descida do IVA na eletricidade só na parte do consumo até 13%), o pacote Costa foi bem vendido e melhor encenado politicamente. Costa sai por cima e os portugueses vão para baixo, enquanto os recheados cofres do Estado não são significativamente afetados. Desde logo porque por boa parte do que sai reentrará em subidas de impostos. No computo geral Costa teve uma boa semana. Mascarou bem a saída da incompetentíssima Marta Temido com o anúncio de mais uma campanha de vacinação anti-covid. Falta agora a parte dos apoios às empresas que estão para a economia como o sistema circulatório sanguíneo para o ser humano, alimentando todos os órgãos vitais e que neste caso vão da indústria à agricultura, passando por dezenas de setores como o turismo.
2) Horas antes do governo anunciar o pacote de medidas, Joaquim Miranda Sarmento deu uma entrevista à rádio Observador, explicando as propostas do PSD. Feitas as contas, as diferenças não eram propriamente substanciais. O líder parlamentar de Montenegro e ex-homem forte de Rio para as finanças concordou genericamente com o rumo socialista de excluir parte da classe média e média alta, ou seja, afasta uma parcela do núcleo eleitoral do partido. Essa postura favorece o PS como acentuou o Presidente República, que se apressou a promulgar e comentar o pacote a pretexto de ir jantar nas imediações do palácio de Belém (mais do mesmo). Convém recordar que foi por ter transformado o PSD numa espécie de versão “B” do PS que Rio teve resultados desastrosos. Um precedente que Luís Montenegro não pode esquecer.
3) Na sua visita a Moçambique, António Costa entrou numa espécie de delírio a respeito do transporte de gás natural daquele país para Portugal que o redistribuiria a partir Sines. A solução parecia simples, mas a realidade é bem diferente. Para o gás chegar a Sines e seguir para a Europa uma das opções é construir um gasoduto que ligue a península ibérica a França atravessando os Pireneus, obra que os franceses dizem aceitar, mas que continuam a não querer. Outra alternativa é chegarem de Moçambique navios de grande porte que fariam a trasfega em Sines para outros mais pequenos que rumariam depois à Europa. É mais viável, mas o problema é que há dois portos espanhóis que têm, no mínimo, as mesmas condições do que Sines: Bilbao e Barcelona, jogando aí a lei da concorrência potencialmente em nosso desfavor. Como se não bastassem estas dificuldades para cada opção, há sobretudo a circunstância do equipamento em Moçambique necessitar de mais 4 ou 5 anos até estar pronto. É caso para dizer que Costa canta bem, mas não embala os mais esclarecidos.
4) Foi repugnante a forma como o PCP comentou a morte de Gorbatchov, lamentando apenas a queda da URSS e do seu regime que constituíram a mais longa máquina de morte do século XX. O último líder soviético falhou no desígnio utópico de compatibilizar comunismo e democracia, mas esse fracasso permitiu que cerca de duas dezenas de países se tornassem independentes, coisa que enraivece os comunistas saudosos e os neoczaristas para quem Putin também é uma referência. Além das novas nações houve estados que recuperaram a sua autonomia como a Polónia, a Hungria, a Roménia, os Bálticos e os da ex-Jugoslávia que Gorbatchov deixou emancipar-se em vez de os invadir como fizeram os seus antecessores na Checoslováquia e na Hungria e como faz agora (noutras circunstâncias mas com o mesmo objetivo) Vladimir Putin que o PCP venera. O que vale é que os portugueses não são tolos e o PCP está a tornar-se residual, como se viu pelos resultados eleitorais e pela menor adesão à Festa do Avante, apesar da cosmética na distribuição do público e da cumplicidade dada a essa camuflagem pelas televisões. Elucidativo foi o facto de uma vereadora comunista de Braga ter anunciado que iria brindar à morte do último líder soviético. Ao pé disto, a extrema-direita portuguesa é praticamente uma ONG pacifista.
5) Há vidas que valem a pena ser contadas. A de Vítor Ramalho é manifestamente o caso. É já amanhã que este homem multifacetado nascido em Angola, socialista militante moderado lança o seu livro “As Minhas Causas”. Vítor Ramalho foi deputado, membro do governo do Bloco Central que salvou Portugal, companheiro político e amigo quotidiano de Mário Soares, integrante do governo Guterres, ex-presidente do Inatel que revolucionou até ser saneado por Mota Soares no governo Passos/Portas e é um conhecedor profundo dos assuntos africanos e dos seus principais dirigentes passados e atuais. O livro é o relato de episódios, de lutas e de convicções defendidas num percurso único contado por uma figura que viveu de perto e participou em momentos fundamentais de Portugal e da África lusófona, antes e depois da descolonização. Dois outros notáveis, Leonor Beleza e Nicolau Santos, fazem a apresentação do livro, na sede da UCCLA (organização que reúne as capitais de língua portuguesa) em Lisboa, da qual Vítor Ramalho é o emblemático secretário-geral.