Depois das festas da vila, finalmente, arrancou a presente edição do festival Vodafone Paredes de Coura, esta terça-feira, um dia exclusivamente dedicado à música portuguesa.
Com concertos que, na sua maioria, salva a exceção das bandas destacadas enquanto cabeças de cartaz, duravam cerca de 30 minutos (tendo decorrido com uma precisão milimétrica), todos os artistas que subiram aos dois palcos do evento quiseram provar que a música portuguesa não existe numa “ilha” e que consegue é capaz de olhar nos olhos de qualquer artista internacional e realizar um concerto fantástico e de fazer centenas ou milhares de corpos dançarem.
Começando por o artista que recebeu, de longe, a maior enchente de fãs, o rapper português, Sam the Kid, acompanhado pelos “seus” Orelha Negra, uma orquestra dirigida pelo maestro Pedro Moreira e diversos convidados, que incluíram o seu pai, Napoleão Mira, e artistas como Mundo Segundo, entregou um prato bem cheio de hip-hop e rap, repleto de narrativas baseadas em histórias da sua vida, acompanhadas por instrumentais que ganharam toda uma nova vida e força quando interpretada pelos talentosos músicos que o acompanhavam.
Ainda no campo do hip-hop, apesar dos seus horários coincidirem, o duo de Gaia, Conjunto Corona, foram recebidos por uma enchente de fãs que, ainda antes destes terem entrado em palco desempenhavam os típicos rituais dos seus concertos: a gritar palavras-chave como “Gondomar” ou “Campeões”.
Os “campeões” entraram em palco acompanhados pelo seu hype-man, o Homem do Robe, e trataram de fazer valer este título, com um dos mais efusivos concertos do festival. A energia parecia infindável tanto em cima do palco como pelos fãs, que tratavam de acompanhar as letras de todas as músicas e de fazer moche sem piedade.
Antes do hip-hop, esteve no palco Vodafone.FM um “mestre” do estilo precursor deste género musical: Bruno Pernadas, que apresentou o seu jazz tingido por laivos de psicadelismo e rock alternativo.
Enquanto um dos músicos mais talentosos e preocupados com o detalhe o concerto de Pernadas pode ter desiludido por alguns problemas técnicos, contudo, o músico conseguiu “improvisar” e usar o pouco tempo que tinha para a atuação, com músicas mais rápidas e efusivas, e adaptando as suas músicas, como Ya Ya Breathe, para versões mais cruas e a piscar o olho às suas referências mais “rockeiras”. Pernadas prova que, apesar das circunstâncias, todos os músicos excecionais serão sempre excecionais.
Para além de Pernadas, que utilizou durante o concerto um pedal de guitarra que emula a voz da personagem de anime Hatsune Miku, com um efeito totalmente psicadélico capaz de transcender a “voz” da guitarra, foi acompanhado pela sua talentosa banda, com Diogo Duque a realizar, até ao momento, o melhor solo de trompete do festival, durante a Spaceway 70, ou a voz explosiva de Margarida Campelo.
A representar uma geração mais velha de músicas, os Mão Morta de Adolfo Luxúria Canibal, apesar de por vezes parecerem ter uma receção da plateia, com pessoas a tentar abrir mosh pits durante uma secção de “spoken word” do vocalista, estes foram fieis a si próprios e interpretaram o seu mais recente disco No Fim Era o Frio como se estivessem numa sala fechada a realizar um concerto em nome próprio para os seus fãs mais acérrimos.
A navegar entre estilos musicais como o post rock ou synthwave, a banda que, apesar de não ter nada a provar a ninguém, mostrou porque é uma lenda da música portuguesa e, provavelmente, ganhou diversos novos fãs.
Ainda na música de guitarra na mão, Samuel Úria está em grande forma, não só musical, mas também com grandes movimentos de dança, e ofereceu, enquanto o sol ainda tentava brilhar entre as nuvens carregadas de chuva, um dos mais interessantes e divertidos concertos do dia.
Com fãs, novos e velhos, a acompanhar as suas canções, o músico de Tondela tratou de apresentar músicas do seu mais recente disco, mas também de fazer momentos mais íntimos para os fãs mais antigos, como uma versão intimista de Lenço Enxuto (mesmo que tenha provocado alguma desilusão por não ter contado com a presença em palco de Manel Cruz, que completa este dueto com Úria e que esteve mais cedo no certame a atuar com os Pluto).
Os Linda Martini, uma das bandas mais acarinhadas deste festival e cuja evolução tem sido marcada por presenças no Paredes de Coura, apesar de lhes faltar uma guitarra (o guitarrista de longa data do grupo, Pedro Geraldes, abandonou o grupo em fevereiro deste ano, tendo sido substituído por Filho da Mãe) apresentaram uma energia e atitude como se nada tivesse mudado, entregando-se por completo aos seus fãs em performances emotivas das suas (novas e velhas) músicas.
O grupo apresentou a mesma pujança que tem habituado o festival que acontece nas margens do Rio Coura, e mesmo com uma nova geração de fãs à frente, a banda continuo a receber o tratamento habitual, com diversos moshes e com gritos a acompanhar o refrão da sua icónica música, Cem Metros Sereia.
Entre rock, hip-hop, rap, eletrónica, também houve tempo para o fado, e ninguém o cantou melhor que Rita Vian, um dos mais especiais talentos do movimento “Novo Fado” e a única mulher a atuar neste primeiro dia do festival.
A artista mostrou a Paredes de Coura como este estilo, aparentemente, ultrapassado pode ser reinterpretado com linguagens e batidas do presente e futuro, mas também que ainda existe espaço para regressar ao passado, apresentando uma canção que os seus avós cantavam na sua casa.
Para além destes artistas, ainda atuaram os Pluto, 10000 Russos, Noiserv, You Can’t Win Charlie Brown, Club Makumba, The Twist Connection, Rapaz Ego, Benjamim, Paraguaii, Ocenpsiea e The Lemon Lovers, enquanto o encerramento da noite ficou a cargo de Moullinex e, por fim, do Conjunto Cuca Monga.
O festival continua amanhã, quarta-feira, com artistas como Idles, Beach House e os Badbadnotgood, que, apesar de estar programados atuar apenas na sexta-feira, foram mudados para quarta devido ao cancelamento do concerto de King Gizzard and the Lizard Wizard.