Odessa. O campeão do Império Russo que ofendeu Sampetersburgo

Odessa. O campeão do Império Russo que ofendeu Sampetersburgo


A selecção da cidade ganhou o segundo (e último) campeonato imperial, mesmo contra a vontade do czar. Pouco depois tiraram-lhe o título.


Vale a pena ir a Odessa, cidade com laivos de monumentalidade nas margens do Mar Negro em frente da península da Crimeira. Fundada em 1794 por Catarina A Grande, local de nascimento de enormes escritores como Anna Akhmatova e Isaac Babel, palco das imagens impressionantes do massacre na escadaria no Couraçado Potenkin, filme de  Serguei Eisenstein, vive hoje em dia paredes meias com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, como já viveu por muitas outras vezes durante a sua existência.

Em 1878, Odessa era habitada por milhares de ingleses que se tinham instalado na região não apenas para dinamizar a construção do caminho de ferro e para implementar o telégrafo, mas igualmente para se aproveitarem da rota do comércio com Constantinopla. E, como geralmente acontece com ingleses, trataram de fundar um clube, o Odessa British Athletic Club, que se dedicava a uma panóplia de desportos, desde o râguebi ao cricket, passando pelo golfe, pelo boxe e pelo futebol, de todos o mais popular.  Os jogos que disputava eram geralmente contra tripulações de navios ingleses que demandavam o porto de Odessa, mas chegaram mesmo a fazer uma digressão à Roménia para defrontarem o Galati.

No início da segunda década de 1900, já muito outros clubes tinham sido fundados na cidade.

Chegamos, agora, a 1913. No ano anterior, a experiência de organizar o primeiro campeonato de futebol do Império Russo tinha descambado numa confusão total. A segunda (e derradeira) versão já seria melhor regulamentada. Dividiram-se 12 equipas seleções de província (Kharkov, Kherson, Yuzovka, Nikolaev, Odessa, Rostov-no-Don, Sevastopol – Kiev foi excluída por uma questão burocrática) em duas séries, a da Rússia do Norte e a de Novorossia, cabendo aos dois vencedores disputarem entre si a final da competição.

O representante de Odessa era formado maioritariamente por jogadores do Odessa Football Club, clube entretanto fundado por um tal de Ernest Jacobs, proprietário de uma companhia naval sedeada na cidade, e do Odessa British Athletic Club. Cada equipa teve de ultrapassar três eliminatórias para atingir o jogo decisivo. O adversário do Odessa seria o Sampetersburgo, selecção da então capital do império. Os confrontos eram de tal forma renhidos que, na eliminatória contra o Nikolaev, os jogadores de Odessa foram apedrejados durante hora e meia. Vida difícil.

 

A trampolinice.

A final foi marcada precisamente para Odessa, no dia 20 de Outubro de 1913, num campo situado no Boulevard Francês. O Sampetersburgo defendia o título conquistado na época anterior e os seus jogadores estavam absolutamente decididos a conservá-lo.

Valeu aos de Odessa a maior experiência no domínio do jogo dos seus jogadores ingleses, Ernest Jacobs “himself”, ou Hubert Towsend, marcadores de três dos quatro golos da vitória – 4-2 (o outro seria da autoria de  Grigory Bohemsky, atleta do Richelieu Gymnasium).

Mais de quatro mil pessoas tinham acorrido ao terreno no qual não havia bancadas. Limitaram-se a rodear o campo, acotovelando-se para ficarem o mais possível sobre as linhas e festejaram a vitória dos seus heróis de uma forma que teria, certamente, fornecido uma boa película a Einsenstein.

A festa não tardaria a ser estragada, no entanto. O Sampetersburgo, do alto do seu poder como representante da capital, lavrou um protesto: o Odessa tinha utilizado quatro jogadores estrangeiros, mais um do que permitia o regulamento. Bem puderam os de Odessa reclamar, apoiando-se no facto de, durante as eliminatórias, as seleções de Kharkov e  Yuzovka terem usado e abusado da utilização de jogadores estrangeiros, chegando a entrar em campo com seis. Foi outro inglês, John Gerd, presidente da Liga de Futebol de Odessa que ergueu a voz contra a injustiça. A Federação Imperial Russa resolveu o assunto de forma absolutamente insatisfatória: decidiu pura e simplesmente que o título desse ano não seria atribuído. A equipa de Sampetersburgo ficaria, desse modo, como a única vencedora do Campeonato do Império. Odessa não teve a oportunidade de voltar a lutar por essa honra. Um ano mais tarde, a I Grande Guerra eclodia e não tardaria a guerra civil provocada pela revolução de 1917. O futebol foi trocado pelas trincheiras. Os anos sucederam-se. Só em 1922 é que voltou a disputar-se um jogo na cidade de Catarina.