Depois de a Direção-Geral de Reinserção e Sistema Prisional (DGRSP) ter revelado, esta segunda-feira, que o sistema prisional regista 241 reclusos e 68 guardas infetados com o novo coronavírus, a Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), em declarações ao i, mostrou o profundo desagrado que sente em relação às medidas que têm sido tomadas para prevenir o surgimento de surtos nos estabelecimentos prisionais.
“Obviamente, estamos preocupados com o aumento do número de infetados, mas, apesar de tudo, consideramos que não deve haver diferença de tratamento em relação a situações idênticas, do exterior, nas prisões. Ou seja, o facto de haver este surto, atendendo a que todos sabemos que a gravidade da doença diminuiu bastante com as vacinas e a mortalidade também, não pode servir, como têm servido todos os outros até agora, para retirar aos reclusos os poucos direitos que têm”, defende o secretário-geral, Vítor Ilharco.
“Não há nada que justifique que o Ministério da Justiça viole a lei do sistema prisional. Não há nada mais perverso do que um recluso estar preso por não cumprir a lei e ver que o Estado não cumpre a lei em relação a ele. Como é que o Estado justifica que o recluso, que tem direito, por lei, a duas visitas de uma hora, todas as semanas, tenha 30, 45 minutos, 1 hora noutras?”, questiona. “Cada diretor viola a lei como bem entende. As cadeias estão em roda livre e cada um faz o que bem lhe apetece. Os acrílicos, as visitas íntimas, etc. tudo é feito como decidem. Com base na culpa da covid-19, privilegia-se a inércia, menos trabalho para os guardas e funcionários e os reclusos e familiares sofrem sempre com isto”.
“Aquilo que tem acontecido é inconcebível num país democrático. Tem de haver cuidado com a pandemia, mas não pode servir para desculpar tudo”, diz, sendo importante mencionar que, em resposta à agência Lusa, a DGRSP explicou que, para além dos 241 casos ativos de covid-19 no conjunto de 11.477 reclusos, também foram contabilizados 4.757 casos clinicamente recuperados desde o surgimento da pandemia, em março de 2020.
“No domingo houve um grande jogo de futebol: os reclusos veem o jogo, o estádio completamente cheio, todos sem máscara… Estão ali funcionários e dirigentes das cadeias! Entram por ali no dia seguinte como se nada fosse. Se entra a covid na cadeia, é por eles. Não levam de propósito, não é isso, mas há contágio”, sublinha, confessando que não se admira que exista novamente o recurso a acrílicos para separar os reclusos de quem os vai visitar.
“É o quero, posso e mando” “Quanto menos visitas houver, melhor. Qual é a primeira coisa que os médicos dizem àqueles que estão infetados? Que devem apanhar sol, ar, não devem ficar fechados. Nas cadeias, ficam todos fechados nas celas ou camaratas – 12, 14, 16, 20 presos todos juntos, a usar duas ou três sanitas que não são desinfetadas -, não os deixam ir aos pátios, as janelas todas fechadas… A preocupação não é com a covid-19”, observa, reconhecendo que a realidade dos jovens internados em Centros Educativos não é tão negativa, pois a DGRSP deu a conhecer que existem atualmente 12 casos ativos, ascendendo a 64 o número de casos clinicamente recuperados.
“As pessoas têm o direito de ir a todo o lado, mas qual é a diferença entre eles e os familiares dos reclusos? Por exemplo, acabaram com as visitas aos fins de semana. A covid só ataca aos fins de semana? Estão a impedir os familiares que só podem ir nesses dias”, lamenta, exemplificando, por outro lado, que todos os visitantes têm de utilizar máscara, mas quando ocorrem visitas íntimas, o equipamento de proteção individual é esquecido.
“Há diretivas, mas deixaram à consideração dos diretores aquilo que querem fazer. Na cadeia de Custóias, há uma visita de meia hora por semana e outra de 15 em 15 dias, de 30 minutos. Devia haver uma durante a semana e outra aos fins de semana. Na Carregueira, são 45 minutos, em Vale de Judeus são 2 horas. Tudo isto não tem sentido e depois dizem que criticamos. O vírus ataca ao minuto 31?”, pergunta, compreendendo, porém, que os casos entre guardas e outros trabalhadores podem ser problemáticos naquilo que concerne a logística de recursos humanos.
“Mais de 60 guardas já fazem alguma diferença e é difícil arranjarem substituição”, lastima. Entre os trabalhadores da DGRSP, o número de casos ativos é de 106, repartidos por 68 guardas prisionais, sete profissionais de saúde e 31 outros trabalhadores da instituição, correspondendo a 1.857 o número total de casos clinicamente recuperados até ao momento.
“A DGRSP põe tudo perante factos consumados. É o quero, posso e mando. Têm de reforçar a alimentação dos reclusos, desinfetantes, máscaras, produtos para limpar as celas… Não dão nada disso e o vírus vai-se propagando! Por exemplo, todos os meses, só recebem um rolo de papel higiénico”, denuncia, contando, todavia, que se antes era proibido entrar com medicamentos nestes estabelecimentos prisionais, agora as famílias têm de o fazer se querem que os reclusos se tratem.
“No outro dia, um disse que tinha luxação no ombro e disseram-lhe que tinha de pagar pelo raio-x. O preso está ali para se fechar, esquecer-se que existe, ninguém se preocupar com ele. As prisões têm muros para as pessoas não verem aquilo que se passa lá dentro, não é para impedir que os reclusos fujam”, conclui Vítor Ilharco.
De acordo com os dados veiculados pela DGRSP, os trabalhadores apresentam uma taxa vacinal de 87,96%, os reclusos de 92,42% e os jovens internados em Centros Educativos de 88,42%.