O exército de Putin e o país de Tolstoi


Fazer a guerra no século XXI como se fazia – com as devidas distâncias – no século XIX, ocupando o território em vez de se ocuparem posições-chave na economia, parece uma tremenda falta de visão e de perspicácia. Mas talvez isto tenha a sua explicação.


Quando, a 24 de fevereiro último, as tropas russas invadiram a Ucrânia, o deflagrar da guerra gerou um sentimento de incredulidade. Três meses depois, muitos continuam a perguntar-se como é possível, em pleno século XXI, estarmos a assistir a esta barbárie. O sentimento não há de ser muito diferente do que experimentaram os homens e as mulheres de 1914 ou 1939, ou pelo menos aqueles que acreditavam que o progresso técnico vinha acompanhado por um progresso da bondade humana. Que houvesse lutas entre os povos “atrasados” era compreensível, agora no seio da civilização?! Parecia impossível.

Sabemos hoje como esta visão é ingénua. Talvez não sejamos tão evoluídos como acreditamos e o progresso, se pode dar-nos uma camada de verniz, não torna as pessoas melhores ou piores. Ainda assim, é um facto que a guerra da Ucrânia tem um indisfarçável sabor a anacronismo.

As últimas décadas mostraram que a melhor maneira de conquistar um país não é avançando com tanques, é através da influência económica, da captura de empresas-chave, de assumir posições nos setores da energia e da banca. Veja-se o que fizeram os espanhóis em Portugal. Após séculos a tentarem ocupar-nos, sem sucesso, obtiveram o que queriam sem disparar um tiro, instalando aqui as suas empresas e os seus bancos. Ou veja-se, mais recentemente, o que fizeram os chineses aqui ou em África. Ou, noutro registo, como a Google controla o mundo.

Moscovo, com o poder dos seus oligarcas, poderia ter tentado algo parecido na Ucrânia. Mas preferiu avançar com homens fardados, blindados e aviões de combate, numa tentativa de ocupação não muito diferente da que foi tentada por Napoleão há 200 e poucos anos quando uma espécie de invencível armada caminhou sobre Moscovo. O resultado, até aqui, tem sido parecido: um exército destroçado, atrocidades em barda, cidades devastadas.

Fazer a guerra no século XXI como se fazia – com as devidas distâncias – no século XIX, ocupando o território (ainda para mais o país mais extenso do mundo!) em vez de se ocuparem posições-chave na economia, parece uma tremenda falta de visão e de perspicácia. Mas talvez tenha a sua razão de ser. “Havia casas de madeira, com pilhas de lenha para se aquecerem no inverno”, descrevia-me uma pessoa que esteve há não muito tempo na Rússia rural. “Parecia que estava num livro do Tolstoi”, continuava.

É verdade que as guerras sempre aconteceram e, infelizmente, continuaraão a acontecer. O progresso não vai acabar com elas. Mas talvez o atraso da Rússia explique por que a da Ucrânia tem um sabor tão anacrónico.

O exército de Putin e o país de Tolstoi


Fazer a guerra no século XXI como se fazia – com as devidas distâncias – no século XIX, ocupando o território em vez de se ocuparem posições-chave na economia, parece uma tremenda falta de visão e de perspicácia. Mas talvez isto tenha a sua explicação.


Quando, a 24 de fevereiro último, as tropas russas invadiram a Ucrânia, o deflagrar da guerra gerou um sentimento de incredulidade. Três meses depois, muitos continuam a perguntar-se como é possível, em pleno século XXI, estarmos a assistir a esta barbárie. O sentimento não há de ser muito diferente do que experimentaram os homens e as mulheres de 1914 ou 1939, ou pelo menos aqueles que acreditavam que o progresso técnico vinha acompanhado por um progresso da bondade humana. Que houvesse lutas entre os povos “atrasados” era compreensível, agora no seio da civilização?! Parecia impossível.

Sabemos hoje como esta visão é ingénua. Talvez não sejamos tão evoluídos como acreditamos e o progresso, se pode dar-nos uma camada de verniz, não torna as pessoas melhores ou piores. Ainda assim, é um facto que a guerra da Ucrânia tem um indisfarçável sabor a anacronismo.

As últimas décadas mostraram que a melhor maneira de conquistar um país não é avançando com tanques, é através da influência económica, da captura de empresas-chave, de assumir posições nos setores da energia e da banca. Veja-se o que fizeram os espanhóis em Portugal. Após séculos a tentarem ocupar-nos, sem sucesso, obtiveram o que queriam sem disparar um tiro, instalando aqui as suas empresas e os seus bancos. Ou veja-se, mais recentemente, o que fizeram os chineses aqui ou em África. Ou, noutro registo, como a Google controla o mundo.

Moscovo, com o poder dos seus oligarcas, poderia ter tentado algo parecido na Ucrânia. Mas preferiu avançar com homens fardados, blindados e aviões de combate, numa tentativa de ocupação não muito diferente da que foi tentada por Napoleão há 200 e poucos anos quando uma espécie de invencível armada caminhou sobre Moscovo. O resultado, até aqui, tem sido parecido: um exército destroçado, atrocidades em barda, cidades devastadas.

Fazer a guerra no século XXI como se fazia – com as devidas distâncias – no século XIX, ocupando o território (ainda para mais o país mais extenso do mundo!) em vez de se ocuparem posições-chave na economia, parece uma tremenda falta de visão e de perspicácia. Mas talvez tenha a sua razão de ser. “Havia casas de madeira, com pilhas de lenha para se aquecerem no inverno”, descrevia-me uma pessoa que esteve há não muito tempo na Rússia rural. “Parecia que estava num livro do Tolstoi”, continuava.

É verdade que as guerras sempre aconteceram e, infelizmente, continuaraão a acontecer. O progresso não vai acabar com elas. Mas talvez o atraso da Rússia explique por que a da Ucrânia tem um sabor tão anacrónico.