Quando o combate ao branqueamento de capitais coloca em causa a privacidade dos cidadãos, obrigando os comerciantes a identificar os clientes sempre que estes efetuam compras em numerário de valor reduzido, não se está a combater o branqueamento de capitais, mas sim a realizar um combate cinzento.
O branqueamento de capitais é um processo mediante o qual se pretende ocultar fundos com o objetivo de lhes dar uma aparência de legitimidade. Desta forma, procurando dissimular a origem criminosa dos mesmos.
Em regra, o branqueamento de capitais engloba três fases: a colocação, a circulação e a integração.
A fase de colocação caracteriza-se por introduzir os capitais a branquear dentro do sistema económico-financeiro, com o objetivo de os converter em bens de outra natureza de forma a dificultar a ligação entre a sua origem (atividade criminosa precedente) e os proprietários.
Na fase de circulação, os capitais são objeto de múltiplas transferências, passando, em regra, por jurisdições caraterizadas pela sua opacidade (conhecidas por offshore), de forma a eliminar qualquer vestígio relativamente à sua proveniência.
Finalmente, na fase de integração, os bens resultantes da atividade criminosa são incorporados na esfera patrimonial do infrator. Nesta fase, os bens e rendimentos já foram reciclados e são reintroduzidos nos circuitos económicos legítimos, mediante a sua utilização, sem levantar dúvidas sobre a sua origem. Para o efeito, podem ser, por exemplo, adquiridas empresas ou imóveis.
Com a finalidade de combater o branqueamento de capitais, a União Europeia tem aprovado diversa legislação.
Os Estados-Membros, individualmente, também têm aprovado legislação no mesmo sentido. Todavia, as referidas medidas não têm sido suficientes para impedir situações flagrantes.
Na sequência da maior onda de privatizações da história (verificada na Rússia no Governo de Boris Yeltsin, sob a orientação de Anatoli Chumbais), um jovem político e empresário (que atualmente tem nacionalidade portuguesa) formou uma sociedade com o decano dos oligarcas, Boris Berezovski.
A referida dupla, em 1995, comprou a Sibneft, uma das maiores petrolíferas russas, por 230 milhões de euros.
Em 2001, na sequência da segunda guerra da Chechénia, Berezovski inviabilizou-se com o seu sócio (que na altura ainda não tinha nacionalidade portuguesa) e com Vladimir Putin, tendo vendido ao seu sócio a participação que tinha na Sibneft.
Em 2013, Boris Berezovski foi encontrado morto na sua casa em Londres.
Em 2005, o atual cidadão português, antigo jovem político (que teve assento na Duma e mais tarde foi governador da Região Autónoma de Chukotka) na altura empresário em Londres, vendeu a mesma empresa (Sibneft) à estatal OAO Gazprom (que então se passou a chamar Gazprom Neft) por 10.900 milhões de euros.
Ou seja, o Estado russo em 2005 pagou 47 vezes mais que o valor que obteve pela venda da mesma empresa 10 anos antes.
Nada disto incomodou os reguladores europeus, que têm a obrigação de lutar contra o branqueamento de capitais e, em particular o regulador britânico (país que na altura fazia parte da União Europeia), onde o antigo político e atual empresário viveu e se exibia com a compra de propriedades luxuosas, vários iates com mais de 140 metros, dois aviões de marca Boeing e até um dos principais clubes da premier league.
Em sentido oposto, está atualmente a ser preparada legislação de combate ao branqueamento de capitais, segundo a qual os comerciantes de alguns bens passam a ter novas obrigações de identificação dos clientes e de reporte de informações suspeitas.
As referidas obrigações aplicam-se a bens como vestuário, cosmética, mobiliário, equipamento eletrónico ou bebidas alcoólicas, desde que pagas em numerário e de valor superior a três mil euros.
Quando o combate ao branqueamento de capitais coloca em causa a privacidade dos cidadãos, obrigando os comerciantes a identificar os clientes sempre que estes efetuam compras de valor reduzido em numerário, não se está a combater o branqueamento de capitais, mas sim a realizar um combate cinzento.