No quinto álbum, continuamos a acompanhar esta figura de papel, carvão e tinta criada pelo argumentista Yves H. e desenhada pelo pai deste, Hermann Huppen, um dos grandes mestres da BD franco-belga: Duke, ou melhor Morgan Finch, personagem reservada, pistoleiro a seu pesar. Atirador exímio, evita gostar demasiado de armas. Conhecemo-lo em A Lama e o Sangue (2017), numa pequena cidade do Colorado, construída em torno de uma mina. Era adjunto do xerife, fraco homem, bem necessitado de manter a ordem nas dissensões violentas entre mineiros e agricultores, sem contar com os aventureiros com faro para o ouro.
O dono da mina, Mullins, é um déspota e ganancioso que não distingue os homens que para si trabalham dos animais ou das coisas. Quando os assaltos a diligências começam a suceder-se, e Mullins necessita de alguém que leve até à Califórnia um montante de 100 mil dólares a um consórcio de que é devedor, já Morgan se prepara para um reencontro com o passado pouco cor-de-rosa e um director de um orfanato, onde ele e Clem, irmão mais novo, foram recolhidos.
Acompanhamos agora a progressão de Duke pelas zonas áridas do Colorado, na companhia de Swift, um representante do grupo de capitalistas californianos, indivíduo sobremaneira loquaz, mas também com grande dificuldades em conseguir que Duke emita um som; ainda mais quando estão na situação de perseguidos por um regimento de soldados negros renegados, no encalço daquela avultada quantia; e ao mesmo tempo, seguimos o rasto de Peg, uma prostituta de saloon que se tornou uma paixão de Duke, raptada por King, um homem que conhece o nosso pistoleiro tão bem quanto o próprio.
Em sucessivas analepses, ficamos a saber que o agora King velho é o antigo director do orfanato, alguém que quando olhou nos olhos o jovem Morgan, percebeu que tinha ali um futuro matador, um igual… E a frase do álbum anterior, A Última Vez que Rezei (2020), começa assim a tomar forma e a fazer sentido: “Abandonados por Deus, era inevitável que o Diabo se interessasse por nós…” Este plural diz respeito ao irmão mais novo, Clem, chegado ao mesmo tempo ao orfanato, e que não virá a faltar ao apelo do crime.
Com os desertores do regimento dos Buffalo Soldiers no encalço, aliando à cupidez a necessidade de desforra pelos agravos sofridos enquanto afro-americanos – Duke e Swift esperarão por eles numa casa no meio do nada, habitada por uma família peculiar, cujo homem tem para com Duke uma dívida a que não pode eximir-se.
Narrativa lenta, a digressão exterior acompanha a itinerância interior, com grandes planos frontais equilibrados por vinhetas abertas para o espaço amplo em que as personagens demoradamente se movem.
BDTeca
Abecedário. D, de Dylan Dog (Tiziano Sclavi e Angelo Stano, 1986). Uma das mais populares séries dos fumetti italianos, Dylan Dog é um antigo e ex-alcoólico inspector da Scotland Yard, tornado detective do sobrenatural. Assistido por Groucho, sósia do Marx, e como este também piadista, o herói, agora abstémio, cultiva o clarinete (tocou com Woody Allen), e em cada história tem uma mulher, diz-se que à procura de um amor passado…
Édika – Anthologie (1997-2002). Quarto volume antológico deste francês de origem egípcia, Édouard Carali, conhecido como Édika. Autor de um humor desabusado, em que o próprio intervém com o alter ego Bronsky Proko, família e o gato “Clarke Gaybeul” – uma das caras da revista que o publica e de qual se tornou um dos expoentes: a Fluide Glacial.
Diario de un Refugio, de José Fonollosa. Depois de Refugio (ou “canil”), em 2020, o espanhol José Fonollosa volta a evidenciar o seu interesse por cães e gatos abandonados, pegando na própria experiência como voluntário para mostrar como é o trabalho diário num canil. Acolhe em casa um cão e cinco gatos, que lhe dão matéria para as tiras cómicas “Os Felipes” (Grafito Editorial, Valência, 2021).