Por Sónia Peres Pinto e Daniela Soares Ferreira
Lítio é a palavra de ordem dos dias de hoje. Nem sempre foi assim, apesar de este minério sempre ter feito parte da vida dos portugueses. Mas, se hoje o lítio é visto por muitos como um material essencial e imprescindível, há pelo menos 40 anos era até visto como um estorvo.
Quem o garante é um antigo estudante do Porto, que diz que já há mais de 40 anos se fala do lítio que existe na zona de Vila Real. Pelos vistos, os estudantes universitários andavam atrás disso mas não era bem o que se procura hoje. «Andávamos na prospeção geológica na área de Montalegre e Boticas», lembra, recordando os tempos em que era universitário. Fazia-se então, nos anos 80, o levantamento geográfico naquela área, altura em que não se procurava lítio mas sim cassiterite e estanho. «Foi nessa altura que demos com o lítio», conta o então estudante ao Nascer do SOL.
Mas o minério não era visto com muitos bons olhos. «Os lavradores ficavam chateados quando vinham aquelas ventanias e levantavam poeiras porque vinha a morrinha branca», recorda. E detalha: «Há 40 anos já havia aqueles afloramentos, aquilo estava à superfície e quando levantava o vento, ficava tudo branco». E é nesses locais que estão agora as jazidas de lítio. «Aquilo levantava aquele pó porque havia afloramentos à superfície. É um material muito leve, muito pouco denso e levantava no ar, chamavam àquilo morrinha branca», conta ainda lembrando que ele e os colegas se perceberam que havia muito em Sepeda mas em Montalegre e Boticas, diz, também há outros sítios importantes também com afloramentos de jazida de lítio. «Há pessoas que não falam mas há porque lembro-me deles perfeitamente».
Essa tal morrinha branca, garante, era lítio. «Quando o monte não tinha vegetação, quando havia vento forte levantava aquilo no ar porque aquilo é um pó branco pouco denso e levantava no ar com facilidade».
Mas nessa altura não importava porque, como diz, «o lítio não era usado como é hoje, só chateava, nem pensavam em dar nenhuma utilidade àquilo».
Para o antigo estudante não há dúvidas: «Onde quer que fossemos acabávamos por descobrir um bocado de lítio. Andávamos à procura de uma coisa e descobrimos outra. Mas nunca ninguém falava nisso, era uma coisa descartável. Acontece que, naquela área, em Sepeda, no outro lado da serra, não faltava disso em vários sítios que agora já devem ter encontrado».
Mas, no seu entender, não se devia avançar com a prospeção. «Aquela gente teve pessoas que viveram mal. Se fosse há 40 anos ninguém se opunha aquilo. Agora têm todos a estrada asfaltada até casa, as pessoas têm o seu meio de transporte, já não há aquela pobreza que havia antes». Mudanças que, na sua opinião, fazem com que os habitantes, nos dias de hoje, olhem «para as casas com agrado, para aquela agricultura de subsistência que têm e não querem que aquilo desapareça». «Olham para os cursos de água, limpa, e tudo isto vai acabar», lamenta, acrescentando que «até agora ninguém olhou por eles e agora que têm uma qualidade de vida melhor» esta será destruída. «São minas a céu aberto, vão destruir a paisagem toda, vão consumir eletricidade, que a barragem Alto Rabagão não chega para produzir eletricidade para aquilo. É a maior hidroelétrica do norte», acrescenta, garantindo que esta prospeção «não compensa» para aquelas pessoas, porque vão estar «a prescindir da qualidade de vida que têm para estarem a deixar desfazer o monte todo e a montanha e a serra com as máquinas».
Uma mudança de opinião décadas depois Hoje, a conversa é outra. O lítio é tema de conversa, é considerado importante e vai ser procurado em Portugal. O tiro de partida para a corrida ao ouro branco já foi dado, mas sabe-se que está muito longe de chegar ao fim.
De acordo com vários especialistas contactados pelo Nascer do SOL , as seis áreas de prospeção lançadas pelo Governo, num total de 1495 quilómetros quadrados – e que correspondem a cerca de metade da Área Metropolitana de Lisboa ou três quartos da Área Metropolitana do Porto – ainda vão ser alvo de concurso para analisar se há indícios de lítio para que depois possam ser realizados estudos mais detalhados com vista a conduzir a uma eventual exploração. Ou seja, ainda estamos muito longe de explorar essas áreas. Além deste processo que ainda se arrasta por um largo período de tempo há que contar ainda com uma redução da zona de investimento. Segundo os mesmos especialistas, na melhor das hipóteses poderá ser explorado entre 1% a 3% das zonas identificadas pelo Executivo.
E explicam esta redução: «Os geólogos só olham para as cartas geológicas, não olham para o uso do solo, ou seja, não têm em consideração se tem casas ou campos agrícolas, etc., o que significa que esse trabalho de prospeção tem de ter em conta outros critérios, nomeadamente algumas condicionantes, seja de área protegidas, seja o que for que vai apertando a área. Há áreas que não são possíveis de fazer trabalhos mais técnicos», diz um dos especialistas ao nosso jornal.
A baralhar ainda mais as contas está uma eventual mudança de cadeiras no Ministério do Ambiente. Se João Matos Fernandes defende o lítio como essencial para a transição energética, o próximo governante poderá não dar as mesmas prioridades. Os entraves por parte das autarquias, assim como o das associações ambientais, poderão dificultar ainda mais estes projetos.
E a somar já a esta dor de cabeça está ainda o facto de as empresas que irão a concurso deverem exigir do próprio Governo garantias de viabilidade tanto social, como ambiental. «Um coisa é analisar um território por sua conta e risco, outra é o Governo dizer que estão aqui umas áreas que estão disponíveis para prospeção e pesquisa, logo dá um direito de exploração futuro», e acrescenta: «Se é o Governo que me está a dar esta oportunidade de negócio então tem que me dar algumas seguranças», refere um dos potenciais investidores para uma destas zonas de exploração.
Para um analista especialista em lítio, estamos perante a quarta revolução industrial e Portugal tem todas as decisões na sua mão para decidir se «quer apanhar o comboio ou não». Segundo o mesmo responsável, estamos perante a quarta revolução industrial. Mas lamenta o descontentamento: «Há movimentos contra as minas e depois querem iPhones e carros elétricos, mas para isso, o lítio tem de ser extraído».
Também o presidente do conselho de administração do Cluster dos Recursos Minerais de Portugal não compreende esta ‘revolta’ em torno dos projetos que poderão avançar e lembra que existe atualmente ao nível internacional um rácio em que «em cada 100 projetos de prospeção e pesquisa que existem, apenas um tem conclusão em termos de viabilidade económica positiva, ou seja, é um rácio de um para 100».
Também Nuno Forner, da associação ambientalista Zero, lembra que a exploração do lítio não vai começar em 60 dias como se pensa. «Estamos a falar de prospeção e pesquisa», acrescentando que este «é um processo que vai demorar o seu tempo». Ainda assim, diz compreender os anseios e as preocupações das populações – partilhados pela associação -, mas ressalva: «Não podemos entrar já de uma forma alarmista, é analisar caso a caso, já se ganhou muito em retirar algumas áreas que eram problemáticas mas o caminho ainda é longo».