Artur Albarran, o mágico


Tenho saudades dele. Oiço-lhe a gargalhada a chamar. Sinto que, quando o lembramos, ele nos desafia ao talento que há em cada um de nós. Havia nele qualquer coisa de magia. Pena que até a magia acabe.


Várias vezes comento que, nos domínios profissional, social e de cidadania, o que mais gostei de fazer na minha vida foi ser diretor de informação da TVI. De longe! Aquele ano e meio, no antigo Cinema Berna, em 1994/95, foi um período fantástico. 

A TVI, que arrancara em 1993, tinha poucas condições de espaço. A informação estava longe do resto da estação, ocupando o Berna, um pequeno cinema adaptado. Fora construído um estúdio de apenas 100 m2, onde tínhamos de fazer tudo. Era acanhado: como o espaço estava disposto, se se fazia um programa com três participantes, um deles, numa determinada posição, não podia dobrar-se para a frente, pois cortava o plano de uma câmara. Mudámos a disposição do espaço – e também isso se resolveu. Quanto produzimos nesse estúdio miniatura!

A razão por que fui nomeado diretor foi para aumentar substancialmente a produção de informação da TVI e afirmar simultaneamente a sua marca. A estação começara a enfrentar dificuldades financeiras e tinha que retirar-se da produção nacional de entretenimento. Passaria a seguir um modelo de filmes e séries estrangeiras, desporto e informação. A informação (que integrou o desporto) compensaria a quebra da produção nacional, preenchendo o espaço de relação próxima com o público. A informação teria na grelha o espaço que fôssemos capazes de oferecer.

Encontrei no Berna uma equipa jornalística formidável. A Clara de Sousa, hoje estrela da SIC, nasceu ali. E fomos buscar mais alguns, nomeadamente à TSF – quando digo “fomos”, quero dizer que o Albarran foi. Já lá vou… Uma jornalista que entrou na altura foi a Ana Lourenço, muito jovem, hoje a brilhar na RTP1, prosseguindo uma bela carreira.

Com uma dúzia de jornalistas experientes e maduros (Jorge Nuno Oliveira, Fernanda Mestrinho, Jaime Almeida Ribeiro, Francisco Máximo, Vítor Bandarra, Octávio Ribeiro, Francisco Azevedo e Silva, entre outros), os restantes 70 a 80 eram profissionais muito novos. Muitos tinham começado ali. Era gente com frescura, com garra, com ganas de fazer, com alegria, facilmente estimuláveis pela imaginação, eles próprios com alta capacidade de proposta e de inovação. Devia nomeá-los todos, a elas e a eles. Gente com talento, sozinhos ou em grupo.

O mesmo se passava com o pessoal técnico e realizadores. Grandes realizadores de informação se afirmaram ali. Tínhamos que criar mais que a concorrência, porque tínhamos menos e mais fracos meios. Fizemos magazines diários sobre cultura, internacional, economia, ciência, desporto automóvel. Lançámos grandes programas, como o Portugal Português do Francisco Máximo, ou o África, Aqui do Vítor Bandarra. Inovámos na cobertura das eleições. Fizemos um belo jingle de Natal com todos a cantar, em 1994. Tivemos ideias ternas, como quatro crianças a abrir os nossos quatro noticiários no Dia Mundial da Criança (1 de Junho) de 1995, com âncora no jornal principal do Artur Albarran.

O Artur fora desviado de um grande programa semanal, salvo erro, com o seu nome, Artur Albarran, num género a meio caminho entre grande informação e entretenimento. Veio, com a equipa, reforçar o Berna. Como tínhamos que ocupar espaço na grelha diária da TVI, definimos que o telejornal principal seria dele e passaria a ocupar uma hora, rompendo o modelo dogmático (até internacional) dos 27 minutos. 

O Artur ficou incumbido de definir o formato e o modelo. Assim nasceu o Novo Jornal, o primeiro dos telejornais com mais do que a meia hora da praxe. Ouvimos muitas críticas pela heterodoxia, mas a verdade é que, com o passar dos anos, também RTP e SIC adotaram esse formato alargado, que passou até a ser demasiado esticado. O tempo e o modo do Novo Jornal é que estava bem.

O Artur foi o conceptualizador e metteur en scène. Definiu um novo alinhamento, articulado com os dois intervalos. O jornal passou a conter regulamente pequenas entrevistas, o que, antes, a meia-hora excluía. Havia temas frequentemente abordados numa sequência de peças de segunda a sexta-feira. E a apresentação era revolucionária: três pivots, com o Artur na posição central, com duas apresentadoras, uma à esquerda, outra à direita, uma loira, outra morena – nunca soube se o Artur se inspirara na canção do Marco Paulo.

A dupla feminina começou por ser Sofia Carvalho/Rita Stock, depois Sofia Carvalho/Bárbara Guimarães. Mais tarde, ficaria só a Sofia com o Artur, no Novo Jornal. Com o recém-chegado José Carlos Castro (hoje, pilar na CMTV), a Bárbara foi apresentar, em cima da meia-noite, outro formato revolucionário: o TVI Jornal, com meia hora, transmitido num cenário “chroma key”, isto é, para quem não conhece o “chroma”, um modo virtual que permite colocar em fundo as imagens que queremos – outro truque para “ampliar” o mini estúdio. 

O Novo Jornal foi um sucesso: a maior marca do Artur nesses primeiros anos da TVI. E uma marca forte da nossa informação e da TVI. Houve várias edições memoráveis. A investigação sobre a tragédia de Camarate, conduzida pela Inês Serra Lopes, teve aí o espaço principal de apresentação das suas descobertas, às vezes no meio de grande tensão pelas ameaças bombistas que nos eram feitas. As entrevistas curtas num telejornal tornaram-se um hábito. Os diretos eram frequentes. Algumas das “tiras” de segunda a sexta-feira tiveram muita atenção. O Artur Albarran, com a sua equipa, mudara por completo a forma de fazer um telejornal. 

Houve um episódio duro. No final de 1994, uma jovem macaense (portuguesa, portanto), Angel Pui Peng, foi condenada à morte em Singapura por posse de droga. Artur Albarran atravessou-se por ela no Novo Jornal, apelando à comutação da pena. Havia outras campanhas internacionais. Foi tema diário do jornal, com várias peças e os spots do Paulo Bastos. No dia da execução, o Artur anunciou ter sido feita, lamentando-a. Foi o tema da noite. Porém, as comunicações ainda não eram como hoje. No dia seguinte de manhã, logo às 8h00, oiço na rádio que a execução fora adiada. Cá não se soubera.

Antecipei como seria o meu dia. Grande agitação na redação, que o Artur também tinha os seus críticos. Tudo acabaria num plenário agitado. A coisa passou, internamente. E passou também, externamente, com a comunicação sóbria, frontal, digna, que o Artur assumiu em antena. Só não passou para Angel, que acabaria executada, dias depois, pelas autoridades de Singapura. Pena de morte.

O Artur Albarran era uma figura notável. Era inteligente e criativo, com grande imaginação, fácil para articular planos e projetos, rápido a apreender o essencial. Era ousado, um tipo que arriscava. Tinha um temperamento bem-disposto, alegre, extrovertido, de gargalhada inconfundível. Era amigo, conversador, cúmplice. Era líder, profissional, com forte capacidade de condução das equipas com que trabalhava. Talentoso. E era também poseur, ferramenta de ofício.

Cultivava o estilo, tinha consciência do poder da sua pose, da força da voz grave, dos gestos, de alguns movimentos que usava – e gostava também de rir-se da sua pose. Era uma pessoa simples, muito franca, terra-a-terra. É das pessoas que gosto de ter conhecido. Mais ainda, de o ter tido a trabalhar na “nossa” Informação, naquele ano e meio invulgar.

Tenho saudades dele. Oiço-lhe a gargalhada a chamar. Sinto que, quando o lembramos, ele nos desafia ao talento que há em cada um de nós. Havia nele qualquer coisa de magia. Pena que até a magia acabe.

Artur Albarran, o mágico


Tenho saudades dele. Oiço-lhe a gargalhada a chamar. Sinto que, quando o lembramos, ele nos desafia ao talento que há em cada um de nós. Havia nele qualquer coisa de magia. Pena que até a magia acabe.


Várias vezes comento que, nos domínios profissional, social e de cidadania, o que mais gostei de fazer na minha vida foi ser diretor de informação da TVI. De longe! Aquele ano e meio, no antigo Cinema Berna, em 1994/95, foi um período fantástico. 

A TVI, que arrancara em 1993, tinha poucas condições de espaço. A informação estava longe do resto da estação, ocupando o Berna, um pequeno cinema adaptado. Fora construído um estúdio de apenas 100 m2, onde tínhamos de fazer tudo. Era acanhado: como o espaço estava disposto, se se fazia um programa com três participantes, um deles, numa determinada posição, não podia dobrar-se para a frente, pois cortava o plano de uma câmara. Mudámos a disposição do espaço – e também isso se resolveu. Quanto produzimos nesse estúdio miniatura!

A razão por que fui nomeado diretor foi para aumentar substancialmente a produção de informação da TVI e afirmar simultaneamente a sua marca. A estação começara a enfrentar dificuldades financeiras e tinha que retirar-se da produção nacional de entretenimento. Passaria a seguir um modelo de filmes e séries estrangeiras, desporto e informação. A informação (que integrou o desporto) compensaria a quebra da produção nacional, preenchendo o espaço de relação próxima com o público. A informação teria na grelha o espaço que fôssemos capazes de oferecer.

Encontrei no Berna uma equipa jornalística formidável. A Clara de Sousa, hoje estrela da SIC, nasceu ali. E fomos buscar mais alguns, nomeadamente à TSF – quando digo “fomos”, quero dizer que o Albarran foi. Já lá vou… Uma jornalista que entrou na altura foi a Ana Lourenço, muito jovem, hoje a brilhar na RTP1, prosseguindo uma bela carreira.

Com uma dúzia de jornalistas experientes e maduros (Jorge Nuno Oliveira, Fernanda Mestrinho, Jaime Almeida Ribeiro, Francisco Máximo, Vítor Bandarra, Octávio Ribeiro, Francisco Azevedo e Silva, entre outros), os restantes 70 a 80 eram profissionais muito novos. Muitos tinham começado ali. Era gente com frescura, com garra, com ganas de fazer, com alegria, facilmente estimuláveis pela imaginação, eles próprios com alta capacidade de proposta e de inovação. Devia nomeá-los todos, a elas e a eles. Gente com talento, sozinhos ou em grupo.

O mesmo se passava com o pessoal técnico e realizadores. Grandes realizadores de informação se afirmaram ali. Tínhamos que criar mais que a concorrência, porque tínhamos menos e mais fracos meios. Fizemos magazines diários sobre cultura, internacional, economia, ciência, desporto automóvel. Lançámos grandes programas, como o Portugal Português do Francisco Máximo, ou o África, Aqui do Vítor Bandarra. Inovámos na cobertura das eleições. Fizemos um belo jingle de Natal com todos a cantar, em 1994. Tivemos ideias ternas, como quatro crianças a abrir os nossos quatro noticiários no Dia Mundial da Criança (1 de Junho) de 1995, com âncora no jornal principal do Artur Albarran.

O Artur fora desviado de um grande programa semanal, salvo erro, com o seu nome, Artur Albarran, num género a meio caminho entre grande informação e entretenimento. Veio, com a equipa, reforçar o Berna. Como tínhamos que ocupar espaço na grelha diária da TVI, definimos que o telejornal principal seria dele e passaria a ocupar uma hora, rompendo o modelo dogmático (até internacional) dos 27 minutos. 

O Artur ficou incumbido de definir o formato e o modelo. Assim nasceu o Novo Jornal, o primeiro dos telejornais com mais do que a meia hora da praxe. Ouvimos muitas críticas pela heterodoxia, mas a verdade é que, com o passar dos anos, também RTP e SIC adotaram esse formato alargado, que passou até a ser demasiado esticado. O tempo e o modo do Novo Jornal é que estava bem.

O Artur foi o conceptualizador e metteur en scène. Definiu um novo alinhamento, articulado com os dois intervalos. O jornal passou a conter regulamente pequenas entrevistas, o que, antes, a meia-hora excluía. Havia temas frequentemente abordados numa sequência de peças de segunda a sexta-feira. E a apresentação era revolucionária: três pivots, com o Artur na posição central, com duas apresentadoras, uma à esquerda, outra à direita, uma loira, outra morena – nunca soube se o Artur se inspirara na canção do Marco Paulo.

A dupla feminina começou por ser Sofia Carvalho/Rita Stock, depois Sofia Carvalho/Bárbara Guimarães. Mais tarde, ficaria só a Sofia com o Artur, no Novo Jornal. Com o recém-chegado José Carlos Castro (hoje, pilar na CMTV), a Bárbara foi apresentar, em cima da meia-noite, outro formato revolucionário: o TVI Jornal, com meia hora, transmitido num cenário “chroma key”, isto é, para quem não conhece o “chroma”, um modo virtual que permite colocar em fundo as imagens que queremos – outro truque para “ampliar” o mini estúdio. 

O Novo Jornal foi um sucesso: a maior marca do Artur nesses primeiros anos da TVI. E uma marca forte da nossa informação e da TVI. Houve várias edições memoráveis. A investigação sobre a tragédia de Camarate, conduzida pela Inês Serra Lopes, teve aí o espaço principal de apresentação das suas descobertas, às vezes no meio de grande tensão pelas ameaças bombistas que nos eram feitas. As entrevistas curtas num telejornal tornaram-se um hábito. Os diretos eram frequentes. Algumas das “tiras” de segunda a sexta-feira tiveram muita atenção. O Artur Albarran, com a sua equipa, mudara por completo a forma de fazer um telejornal. 

Houve um episódio duro. No final de 1994, uma jovem macaense (portuguesa, portanto), Angel Pui Peng, foi condenada à morte em Singapura por posse de droga. Artur Albarran atravessou-se por ela no Novo Jornal, apelando à comutação da pena. Havia outras campanhas internacionais. Foi tema diário do jornal, com várias peças e os spots do Paulo Bastos. No dia da execução, o Artur anunciou ter sido feita, lamentando-a. Foi o tema da noite. Porém, as comunicações ainda não eram como hoje. No dia seguinte de manhã, logo às 8h00, oiço na rádio que a execução fora adiada. Cá não se soubera.

Antecipei como seria o meu dia. Grande agitação na redação, que o Artur também tinha os seus críticos. Tudo acabaria num plenário agitado. A coisa passou, internamente. E passou também, externamente, com a comunicação sóbria, frontal, digna, que o Artur assumiu em antena. Só não passou para Angel, que acabaria executada, dias depois, pelas autoridades de Singapura. Pena de morte.

O Artur Albarran era uma figura notável. Era inteligente e criativo, com grande imaginação, fácil para articular planos e projetos, rápido a apreender o essencial. Era ousado, um tipo que arriscava. Tinha um temperamento bem-disposto, alegre, extrovertido, de gargalhada inconfundível. Era amigo, conversador, cúmplice. Era líder, profissional, com forte capacidade de condução das equipas com que trabalhava. Talentoso. E era também poseur, ferramenta de ofício.

Cultivava o estilo, tinha consciência do poder da sua pose, da força da voz grave, dos gestos, de alguns movimentos que usava – e gostava também de rir-se da sua pose. Era uma pessoa simples, muito franca, terra-a-terra. É das pessoas que gosto de ter conhecido. Mais ainda, de o ter tido a trabalhar na “nossa” Informação, naquele ano e meio invulgar.

Tenho saudades dele. Oiço-lhe a gargalhada a chamar. Sinto que, quando o lembramos, ele nos desafia ao talento que há em cada um de nós. Havia nele qualquer coisa de magia. Pena que até a magia acabe.