Despedimento durante e após a gravidez. “Há uma pressão enorme”

Despedimento durante e após a gravidez. “Há uma pressão enorme”


A professora de música C. foi despedida no final da gravidez e a marketeer S. aos cinco meses de gestação. A analista de crédito J. está a amamentar e é acusada de ter um nível de produtividade reduzido.


Ainda que tanto as mulheres como os homens sejam incentivados, atualmente, a conjugar uma carreira de sucesso com a maternidade e a paternidade, o género feminino continua a ser discriminado no mundo laboral. Principalmente, naquilo que diz respeito à manutenção ou renovação de contratos de trabalho durante a gravidez, no puerpério ou no decorrer dos primeiros meses de vida de um bebé.

C. – que não pretende revelar o nome verdadeiro por temer represálias – foi vítima deste flagelo. “Eu era professora numa escola de música que é privada e já estava lá desde 2018. Comecei com um contrato de prestação de serviços, houve uma professora que saiu e fiquei com o horário dela um ano depois”, começa por explicar a jovem de 26 anos que engravidou em dezembro de 2020 e comunicou a novidade à direção da instituição em que trabalhava ao terceiro mês da gestação.

“Quando tive a certeza, falei com a diretora da escola presencialmente. Ela disse que iam arranjar uma solução. Como tinha um contrato a termo, que terminava e renovava sempre no final dos anos letivos, todos os anos reunia-me com ela para saber se iam precisar de mim”. Porém, com a certeza de que o futuro poderia ser risonho, a docente continuou a dar aulas até ao final do ano letivo 2020/2021, apesar de ter vivido uma gravidez de risco.

“Tinha de fazer deslocações muito longas e, por isso, o bebé tinha o cordão umbilical à volta do pescoço. O médico aconselhou-me a ficar em repouso porque sabia que era o melhor para mim e para o bebé e também porque eu queria ter um parto natural”. Deste modo, foi-lhe atribuído, pela Segurança Social, o subsídio por risco clínico durante a gravidez. Este diz respeito ao montante recebido mensalmente para substituir o rendimento de trabalho perdido.

“Disponibilizei-me para continuar em contacto com os professores que me substituíram. Recebia chamadas constantemente e nunca neguei nada, mas enviaram-me uma carta registada quando estava com 9 meses de gravidez”, diz a mulher que reside na zona Norte do país. “Recebi-a no dia 29 de julho de 2021 e o meu bebé nasceu a 23 de agosto. Na carta, estava o seguinte: ‘Vimos comunicar, pelos termos do artigo número 1 do Código do Trabalho, que não pretendemos renovar o contrato de trabalho a termo pelo que o mesmo caducará e deixará, portanto, de vigorar’”.

Confusa com as novidades, C. contactou a escola e tentou perceber aquilo que se estava a passar, pensando que lhe haviam enviado a missiva “por questões burocráticas” e que lhe fariam “um contrato diferente”. Todavia, ninguém lhe conseguiu dar uma resposta e solicitou reunir-se novamente com a diretora que lhe tinha dito que poderia estar descansada, pois o seu posto de trabalho permaneceria intacto.

“Não aceitou, não me respondeu e decidi enviar-lhe um email: ‘Fiquei muito triste e surpreendida com a vossa carta. Depois da nossa conversa, fiquei com a ideia de que gostaria que ficasse na escola. Gosto muito de trabalhar aí, gosto muito dos meus alunos. Durante estes anos, esforcei-me ao máximo. Apesar de ter sido obrigada a meter baixa por ter uma gravidez de risco, continuei a acompanhar os meus alunos’”, escreveu a docente que se culpabilizou por ter estado “mais ausente” nos dias anteriores.

“Estive sempre em articulação com os dois professores que me substituíram nas minhas direções de turma”, realçou, adiantando que igualmente que concluíra o mestrado com sucesso ao obter 18 valores na defesa do relatório de estágio. A diretora respondeu-lhe de forma “sintética e seca”.

“Cara professora, agradecemos o seu contacto e desejamos-lhe as maiores felicidades” é o resumo, segundo C., do email que rececionou. “Ainda bem que reencaminhei os meus emails todos para o meu endereço pessoal porque eliminaram o meu email institucional. Também tinha um cargo na direção pedagógica, fazia assessoria, e tinha acesso ao programa interno da escola com os horários de todos os professores e tudo o mais. Então, consegui verificar que há dois professores com os meus alunos, não me substituíram apenas”.

“Por ser nova, não tenho muitos anos de serviço ainda e fico prejudicada. Não sabia como ia arranjar emprego, mas esta quarta-feira foi o meu primeiro dia numa escola pública! Tenho um contrato a termo porque estou a substituir um professor que está de baixa”, revela, visivelmente feliz, acrescentando que ninguém a questionou acerca do motivo do despedimento, notando que valorizaram o seu tempo de serviço e o currículo.

“O meu bebé vai fazer cinco meses no dia 23 de janeiro e vou conseguir amamentá-lo. Nesta escola, deixam-me fazer o horário com intervalos para que possa dar de mamar nas horas convenientes para mim. Apesar de não saber quanto tempo ficarei, já é ótimo fazer alguma coisa”, confidencia a profissional que não quer que a atitude da diretora passe despercebida. “Nunca mais entrei em contacto com ela, mas fiz queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho – ACT – e a inspetora disse-me que ia autuar a escola, por isso, penso que cometeram alguma ilegalidade”.

“As chefias mais diretas são mulheres” C. não só pensa como tem razão, pois a lei portuguesa tenta impedir o despedimento de mulheres grávidas, reforçando a proteção das mesmas. A título de exemplo, os tribunais têm a obrigatoriedade de comunicar à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) as sentenças transitadas em julgado que tenham condenado empresas por despedirem ilegalmente grávidas, puérperas ou lactantes.

Ainda assim, parece que esta questão não pode ser apenas contextualizada em termos legais, na medida em que a gravidez não é um motivo de despedimento válido, mas existem outras razões – como a redução da produtividade –, que podem levar a um despedimento por justa causa. Foi precisamente isto que S., de 29 anos, viveu aos cinco meses de gravidez, em outubro de 2020. “Estava naquela empresa há três anos e disseram-me que não atingia os objetivos traçados”, lamenta, adiantando que foi a suposta redução do nível de produtividade que justificou a sua saída.

“Nunca pensei que me fizessem isto porque nunca dei conta de que discriminassem colegas minhas que tiveram filhos enquanto estive lá, mas se calhar fui eu que não reparei porque existem muitos departamentos”, constata a marketeer que se candidatou a vagas de trabalho remoto e, agora, cuida do filho enquanto desempenha funções numa empresa holandesa a partir do seu escritório – que é, muitas das vezes, a sala de estar – situado na sua casa, no Sul do país.

“Ao início, foi uma tragédia porque achei que nunca mais conseguiria encontrar emprego. Fazem-nos acreditar que só somos contratadas até aos 25 anos e, a partir daí, é pegar ou largar: se tivermos ‘sorte’, devemos ficar com um emprego mesmo que não gostemos dele e, se tivermos ‘azar’, a sociedade acha que devemos ficar em casa com os nossos filhos ou trabalhar em qualquer outra área mesmo que isso signifique não termos a nossa formação em conta”, sublinha S., indo ao encontro da perspetiva de J., jovem de 31 anos que prova a existência deste preconceito nos primeiros tempos da maternidade.

“Trabalho numa empresa há sete anos e é o segundo filho que tenho. No primeiro, tudo correu normalmente, não houve nenhum problema. É uma empresa que nos avalia também ao nível da produtividade trimestralmente. Numa situação pós-covid, quando tive a minha segunda filha, recebia o meu ordenado fixo e temos os prémios”. Por estar a cumprir o horário reduzido, para amamentar a filha, trabalhando seis horas diárias, começou a perceber que a chefia não “fazia corresponder o tempo de trabalho àquilo que era feito”.

“Sempre tive números ótimos, sempre recebi os prémios acima da média, e passei a ser encarada como uma colaboradora medíocre. Não sei se estão a preparar-se para me despedir, mas as avaliações são negativas desde que fui mãe novamente. Para eles, é como se trabalhasse as oito horas e não as seis e insistem que não tenho bons resultados”, lastima, reconhecendo que é a única trabalhadora do seu departamento que está a amamentar.

“Tenho pensado se vou avançar com uma queixa à ACT. Em relação a isto, não está direcionado com a situação de estar grávida e ser despedida por isso, mas estou a ser discriminada porque um trabalhador-estudante que está na empresa tem tudo ajustado e eu não!”, denuncia, criticando a postura das colegas que se encontram em posições superiores na hierarquia. “As chefias mais diretas são as mulheres e no patamar mais alto está um homem. Falei com elas e disseram que não podem fazer nada porque foi tudo estipulado pelos recursos humanos”.

Quando a avaliação do nível de produtividade ocorria semestralmente, J. chegava a receber 1500 euros extra. Agora, que passaram a decorrer trimestralmente, aufere aproximadamente 500. “Há uma pressão enorme para regressar às oito horas e prescindir do horário reduzido”, declara a mulher que conversou com o i momentos depois de se ter reunido com os chefes. “Esta quarta-feira voltei a frisar que não vou voltar ao horário ‘normal’ enquanto estiver a amamentar a minha filha”.

“Toda a estrutura da empresa mudou desde que tive o meu primeiro filho. Querem que escolha entre amamentar e trabalhar. Legalmente, não me podem despedir, mas quando a bebé deixar de mamar… Penso que encontrarão algum motivo para me despedirem nessa altura”, indica, apontando que, após refletir, optou por expor a situação que está a viver porque, além de ter ficado “mal” psicologicamente, não deseja que outras mulheres passem pelo mesmo.

“Quando engravidei do meu primeiro filho, era trabalhadora temporária. Sabiam que ia pôr licença passado um ou dois meses e passaram-me para os quadros da empresa. A situação mudou radicalmente. Ou deixamos os miúdos nas amas e nos colégios e trabalhamos ou então não trabalhamos e ficamos com eles”, explicita. “Não notei que falem comigo de forma diferente, penso que mantêm a mesma postura. A questão é que as pessoas que falam diretamente connosco não são aquelas que decidem. Essas quase não nos conhecem”, argumenta a analista de crédito.

“O meu maior medo não é ser despedida da empresa, mas sim que me coloquem a desempenhar tarefas que não sejam aquelas em que me especializei e que me façam isto para ser eu a ir embora”, conclui.

“Existe uma desconsideração total, pela mulher que engravida, por parte das empresas, até uma discriminação, obrigando-a a ser recatada e do lar, ou uma mulher com uma aspiração a uma carreira sem conseguir conciliar as duas vertentes, com um esforço tremendo”, confessa a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros à qual chegam relatos semelhantes a estes diariamente.

“O nosso país pede mais nascimentos e tenta promover a natalidade, mas sinceramente não sei por que meios: pelo preconceito e discriminação?”, questiona.