Nacionalidade. Portugal: a porta europeia aos judeus sefarditas

Nacionalidade. Portugal: a porta europeia aos judeus sefarditas


A Lei da Nacionalidade permite a qualquer descendente de judeus sefarditas, desde que comprove a sua ligação, pedir a nacionalidade portuguesa. Em 2020, foram mais de 30 mil os pedidos, entre eles os de vários brasileiros que procuram a nacionalidade por esta via.


Cerca de 20-25% dos portugueses têm, apontam alguns estudos, ascendência sefardita judaica, e desde 2015 que todos aqueles que consigam provar que são descendentes de judeus sefarditas – judeus descendentes das antigas e tradicionais comunidades judaicas da Península Ibérica – podem requerer a nacionalidade portuguesa. Um estilo de ‘remendo’ à expulsão dos mesmos – em 1496, pelo então Rei D. Manuel I – que concedeu a nacionalidade portuguesa, até agora, a mais de 30 mil pessoas. Um remendo que pode “elevar grandemente o papel de Portugal no concerto das nações”, diz a Comunidade Israelita do Porto (CIP). “No final do século XV o Império português e a Coroa de Castela eram potências tais que até celebraram o Tratado de Tordesilhas. Supor que os judeus nada contribuíram para isso é supor um absurdo”, esclarece a CIP ao i.

Desde então, milhares de pedidos foram feitos, e Portugal tornou-se na porta de entrada de muitos judeus por todo o mundo que procuram um passaporte português e, acima de tudo, europeu. Só em 2020, por exemplo, segundo o relatório anual do SEF, foram registados 68.981 pedidos de  parecer de aquisição da nacionalidade portuguesa, dos quais 24.394 foram feitos pela via sefardita, representando a maior fatia do total de pedidos: 35%. Mais, quando se olha para as principais nacionalidades dos requerentes, a tabela é liderada pelo Brasil (20.847), seguindo-se, bem perto, Israel, com 20.782.

Já os dados do próprio Ministério da Justiça, a que o i teve acesso, pintam um panorama ainda mais interessante: o programa já deu luz verde, desde 2015, a 32.192 pedidos de nacionalidade pela via sefardita, contando um total de 86.557 pedidos desde esse ano. O número aumentou exponencialmente ao longo dos anos, e 2020 foi o ano em que mais processos deram entrada no IRN (34.876), dos quais 20.892 tiveram decisão favorável. Significa isto que, dos mais de 30 mil processos aprovados desde o início deste programa, cerca de dois terços dos mesmos aconteceram só no ano de 2020. 

Números que comprovam a forte afluência de judeus sefarditas que procuram a nacionalidade portuguesa, facto que abriu novos mercados: em dezembro deste ano, o jornal brasileiro Globo dava conta do fenómeno que ligava a via sefardita de aquisição de nacionalidade portuguesa, e os milhares de brasileiros que têm recorrido a este método para se nacionalizarem portugueses.

Segundo o diário brasileiro, foram até criados gabinetes especializados, muitos deles baseados em Israel, que oferecem aos cidadãos brasileiros elegíveis um serviço de rastreamento genealógico, crucial para comprovar a sua ligação aos judeus sefarditas para requerer a nacionalidade portuguesa.

O Ministério da Justiça garante ao i, por sua vez, que “tendo por referência dos serviços da Conservatória dos Registos Centrais, localizados em Lisboa e competentes, por excelência, para a receção/tramitação e decisão destes e de outros pedidos de nacionalidade, […] o tempo de decisão de processos de nacionalidade de sefarditas (aquisição de nacionalidade por naturalização) não ultrapassa os 19 meses”. E salienta ainda que não existem custos associados ao pedido, para além do emolumento de 250 euros.

CIP O i conversou com fonte da direção da Comunidade Israelita do Porto, que há, pelo menos, seis anos, se pronuncia sobre este tema. A posição é clara, e não deixa dúvidas: “Os efeitos positivos da lei da nacionalidade não agradam aos antissemitas (que continuam desde há seis anos a tentar encontrar um caso mal decidido), mas são uma notícia muito positiva para a União Europeia.”

A CIP ecoa as informações da Comissão Europeia, que, diz, “sublinha que a Europa outrora contou com 9,5 milhões de judeus e hoje conta apenas com 1,5 milhão, os quais continuam a sair do Espaço Comum”. “Em contraponto com a realidade europeia em geral, assiste-se ao crescimento da comunidade judaica portuguesa em todas as suas dimensões: numérica, cultural, religiosa, organizacional e social”, argumentou a fonte da comunidade judaica.

O tema dos judeus em Portugal voltou a ganhar tração nas últimas semanas, depois de o jornal Público ter noticiado que Roman Abramovich, o proprietário russo do Chelsea, adquiriu a nacionalidade portuguesa em abril deste ano, através da via sefardita. Quase como que a adivinhar que as questões iriam dar ao caso de Roman Abramovich, a CIP realça que “em poucos anos, tem ficado patente, em território português, e no mundo, a capacidade da nova-antiga comunidade judaica portuguesa, da qual fazem parte não somente pessoas simples, mas muitas pessoas de grandes méritos, rabinos respeitados e filantropos bilionários com origens tão diferentes como os Estados Unidos, a Rússia, a China e Israel”.
Mais, sobre o tema de Abramovich, a CIP não poupa nos comentários. No seu blogue, a comunidade judaica critica a notícia, que diz ter o “claro objetivo de denegrir a lei sefardita”. “A notícia descreve Roman Abramovich nos termos mais sombrios, tenta ridicularizar o processo de certificação e liga a mais antiga organização judaica de defesa dos direitos humanos do mundo (B’nai B’rith International) à Maçonaria, falando mesmo de uma “loja” no Porto. No entanto, o processo de certificação sefardita de Abramovich (cuja documentação completa está há muito tempo na posse do Registo Central de Lisboa) decorreu em 2020 e inclui a certificação das mais prestigiadas instituições judaicas internacionais, com alguns séculos de existência. Interesses, truques, negócios, dinheiro, Maçonaria, perigo para a nação, tem sido o assunto dos antissemitas há séculos”, dispara a CIP.

Recorde-se que o polémico caso da aquisição de nacionalidade portuguesa por parte de Alexei Abramovich mereceu um comentário também de Roman Navalny, acérrimo opositor ao regime de Vladimir Putin. “Ele, finalmente, conseguiu encontrar um país onde pode pagar alguns subornos e fazer alguns pagamentos semi-oficiais e oficiais para ‘entrar’ na União Europeia e na NATO – do outro lado da linha da frente de Putin, por assim dizer””, disse o russo, através de um tweet, referindo-se a Abramovich como o “oligarca mais próximo de Putin”. Pelo meio, Navalny não poupou ninguém: “As autoridades portuguesas carregam malas com dinheiro. A economia dos Estados Unidos recebeu 350 milhões de dólares. Apresentadores de TV elogiam Putin pela sua luta contra a NATO enquanto espuma pela boca. Um ciclo perfeito de hipocrisia e corrupção”.

O i pediu à CIP dados numéricos sobre os pedidos de certificação para fins de obtenção da nacionalidade portuguesa, mas a comunidade recusou, alegando questões de proteção. “Os movimentos migratórios para a Europa têm desencadeado reações extremistas de condenação e não desejamos que os sefarditas sejam vítimas disso mesmo, pelo que não desejamos falar em números concretos”, respondeu a CIP.

Gabinetes especializados Seguindo a mesma linha de raciocínio, contactada pelo i, a Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) explicou que os “descendentes de judeus sefarditas que requeiram a nacionalidade ao Estado Português, podem pretender fazer a demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa”, e “a CIL é uma das duas Comunidades em Portugal a quem está cometida legalmente a faculdade de emitir certificados que atestem essa tradição de pertença”.

Mas afinal, que passos são necessários para ‘comprovar’ a ligação genealógica aos sefarditas? Em Portugal, são à CIP e à CIL a quem está cometida legalmente a faculdade de emitir certificados que atestem essa tradição de pertença, mas, tal como noticiou o jornal Globo, existem já gabinetes internacionais dedicados a este serviço. A partir de Tel Aviv, por exemplo, o denominado Clube do Passaporte dedica-se a ajudar, legalmente, aqueles procuram obter nacionalidade portuguesa “com o mínimo esforço, no menor tempo possível e com as maiores probabilidades de sucesso”, como se lê no seu website. O escritório – localizado em Portugal, no Brasil, e em Israel – realiza o “processo completo, de A a Z, tanto no que concerne às etapas realizadas em Israel como às conduzidas em Portugal”, garantindo ter apresentado já milhares de pedidos de concessão da nacionalidade portuguesa, e não esconde os verdadeiros benefícios da aquisição da nacionalidade portuguesa pela via sefardita: “Quem conhece Portugal por seus locais turísticos e cartões postais já conhece sua beleza e a energia maravilhosa que possui, mas nem sempre sabe que Portugal é uma forma fácil de conseguir a nacionalidade de país membro da União Europeia para os descendentes de judeus deportados de Espanha, e ainda menos as incríveis oportunidades imobiliárias e de negócios que oferece.” Assim, numa altura de mudanças no regime de Vistos Gold que trouxe investidores a Portugal, a troco de avultados apoios económicos, principalmente no mercado imobiliário, abrem-se novas portas para continuar a investir em Portugal. Ainda assim, a CIP é frontal na crítica a quem, falsamente, alega ser descendente de judeus sefarditas, com o objetivo único de alcançar a nacionalidade portuguesa, e aponta o dedo a quem acusa a comunidade de ser complacente com esta prática.  “Durante sete anos, o Rabinato do Porto tem sido insultado por dezenas de milhões de pessoas na América Latina que alegam ser ‘descendentes’ de judeus portugueses, e cujos requerimentos de certificação são rejeitados”, pode-se ler no website da CIP.

Quem são os judeus sefarditas? Em 1496, D. Manuel I assinou o decreto que selava o destino dos judeus em Portugal: ou se convertiam ao cristianismo, ou teriam de abandonar o país. Ordens de Castela, numa das cláusulas do casamento anunciado do Rei com a princesa Isabel de Espanha. Agora, mais de 500 anos depois, cabe às Comunidades Israelitas do Porto e de Lisboa, respetivamente, os processos de ’certificação’ daqueles que procuram a nacionalidade portuguesa através da via sefardita, e, a Norte, há muito a dizer. A CIP, através de plataforma própria, não deixou dúvidas sobre a sua posição perante as críticas e as acusações de que tem sido alvo neste processo, daqueles que acusam as certificações de ser feitas com intenções meramente económicas em mente. “Durante sete anos, o rabinato do Porto tem sido insultado por aqueles que odeiam o facto de a Comunidade estar a certificar judeus… uma pequena parte do milhão de judeus cujas famílias originam de Sepharad (o nome hebraico da Peninsula Ibérica, de onde surge o termo ‘sefardita’).”
No seu website, a CIP dá conta ainda da origem dos judeus sefarditas que agora procuram a nacionalidade portuguesa, e daqueles que não o farão. “Com efeito, tendo trabalhado durante sete anos no processo de certificação dos descendentes de judeus sefarditas de origem portuguesa, o Rabinato da Comunidade Judaica do Porto (CIP / CJP) salienta que a esmagadora maioria dos certificados emitidos até agora pelo CIP / CJP foram concedidos a candidatos descendentes de famílias sefarditas tradicionais que por séculos viveram em países dos Balcãs – Macedónia, Grécia, Bulgária e ex-Jugoslávia – e em países árabes ou muçulmanos – Turquia, Líbano, Síria, ex-Palestina, Marrocos, Argélia, Egito, Tunísia e Líbia – onde os casamentos entre judeus de origem portuguesa e judeus de origem espanhola foram comuns por muitas gerações”. 

“Há cerca de um milhão de judeus de Sefarad (entre os 3,5 milhões de judeus não Ashkenazi) e talvez dois terços nunca pedirão a nacionalidade portuguesa”, explica ainda a CIP.