Jaime Antunes. “Se não tivesse havido a crise do subprime não teria havido caso BPP”

Jaime Antunes. “Se não tivesse havido a crise do subprime não teria havido caso BPP”


O presidente da Privado Clientes acusa a administração provisória de “nada ter feito” para salvar o banco. E não hesita: “O BPP foi liquidado por razões políticas. O PS achou que lhe era favorável acabar com o banco dos ricos”.


Foi cliente e acionista do BPP. Com a falência passou a ser presidente da Privado Clientes. Desde o colapso até agora, o que aconteceu?

O banco entrou em queda e foi intervencionado pelo Banco de Portugal, em novembro de 2008, na sequência de um pedido de ajuda de tesouraria de 750 milhões de euros que João Rendeiro fez ao regulador. Com a crise do subprime o que aconteceu? O BPP tinha o dinheiro dos clientes aplicado em produtos de longo prazo – obrigações perpétuas, produtos estruturados, etc. – e foram estes produtos que mais sofreram na cotação das bolsas internacionais. Foi criado um buraco do ponto de vista da contabilidade do banco, porque assistiu-se a uma desvalorização das carteiras dos clientes. Na mesma altura, uma das agências de rating, a Moddy´s, analisou o BPP e fez um downgrade do rating do banco, o que levou a uma corrida ao banco. A partir do momento em que isso acontece não há banco nenhum que resista. Na sequência dessa corrida, o banco deixou de ter liquidez, deixou de ter tesouraria para poder pagar, levando o Banco de Portugal a intervir. E nomeou um conselho de administração provisório, perfeitamente ridículo porque era composto por representantes de outros bancos: Santander, CGD, BPI e das Caixas Agrícolas, ou seja, pôs a administrar o BPP, a concorrência do próprio BPP. 

Mas o BPP era diferente em relação aos bancos tradicionais…

Era diferente, mas apostava num segmento de clientes que todos os outros bancos disputavam que era o segmento premium, na gestão de ativos. Se tivéssemos apenas em conta a atividade do private banking já era um banco relevante no mercado. A missão deste conselho de administração era a de viabilizar o banco, até porque o Estado só podia dar apoio nessa lógica, caso contrário, seria considerado ilegal porque era visto como uma ajuda do Estado a um banco falido e a União Europeia não iria permitir isso. Mas apesar de terem um mandato para viabilizar o banco, não viabilizaram nada, foram para o liquidar. Nem sequer fizeram um estudo de viabilidade. O Estado emprestou 450 milhões de euros – aliás, quem verdadeiramente emprestou esse valor foram os bancos, mediante uma garantia do Estado. Essa garantia foi, mais tarde, acionada pelos bancos e o Estado acabou por pagar. E o que é que o conselho de administração liderado por Adão da Fonseca fez com esses 450 milhões? Foi pagar imediatamente aos clientes estrangeiros todos, fundamentalmente espanhóis e da África do Sul, onde havia mais clientes estrangeiros. Se calhar não é por acaso que João Rendeiro fugiu para a África do Sul. Temos de ter em conta que estávamos a atravessar a crise do subprime e o conselho de administração provisório nomeado pelo Banco de Portugal com o dinheiro que o Estado meteu no banco foi pagar aos clientes estrangeiros para evitar que o BPP fosse o primeiro banco da zona Euro a entrar em falência. Antes do BPP entrou o BPN, mas como o Estado nacionalizou o BPN, o banco não chegou a ser assunto porque os depositantes tiveram todos os depósitos garantidos. No BPP como não houve nacionalização e havia falência efetiva, o impacto de notícias no estrangeiro sobre a falência do primeiro banco a falir na zona euro, apesar de ser pequeno, era visto como um risco sistémico significativo. O que é que fizeram? Pagaram a todos os clientes estrangeiros para evitar notícias lá fora.

E os portugueses ficaram à espera…

Pior que isso. O Estado como meteu 450 milhões, depois penhorou todos os ativos do banco, tanto que aparece agora como credor garantido na massa insolvente. O Estado já recebeu 300 milhões de euros e vai receber o resto. O Estado não vai perder dinheiro nenhum e os contribuintes, ao contrário de outros bancos, não meteram um euro. 

Ao contrário do BES…

Ao contrário do BES, do BPN e do Banif. Em todos esses bancos, os contribuintes pagaram para proteger os depósitos. No caso do BPP como havia poucos depositantes não quiseram saber, ainda assim, alguns depositantes, cerca de 280 perderam dinheiro acima dos 100 mil euros. Os ativos da massa insolvente foram dados como garantia ao Estado, isto é, foram os clientes portugueses que pagaram o risco sistémico. O dinheiro da massa insolvente para pagar aos credores portugueses é pouco e vai pagar apenas uma pequena parte do dinheiro que as pessoas tinham direito.

Onde é que vão buscar esse dinheiro?

A administração liquidatária está sentada em cima de centenas de milhões de euros de depósitos.

E com ordenados milionários…

No ano passado, pelas contas que apresentaram no Tribunal de Comércio, só em salários foram gastos dois milhões de euros. Agora faça as contas. São 28 pessoas que estão na comissão liquidatária, o que é um escândalo, mas se dividir dois milhões por 28 pessoas dá um salário médio de 70 mil euros. Também gostava de ser empregado da comissão liquidatária. Aliás, a esmagadora maioria gostava de o ser. 

E o trabalho é visível?

Nada, com a história da pandemia foram todos para casa. Os clientes do banco se tinham qualquer problema para tratar e se fossem lá não encontravam lá ninguém. O que fazem para justificar o ordenado? Fazem processos por tudo e por nada que é para se perpetuarem no poder. E trabalham com os escritórios mais caros de advogados. Em Portugal trabalham fundamentalmente com a Cuatrecasas, agora começaram diversificar porque começámos a falar no assunto e contrataram um escritório ou dois diferentes. Também em Madrid, para processos mais pequenos e menores, contrataram o escritório de advogados mais caro. É um luxo. E não fica por aqui. Há pouco tempo começaram a comprar ações de empresas. Mas essa não é a função deles. A função deles é transformar os ativos em liquidez para dar aos credores. O que se passa com a comissão liquidatária é um escândalo. Em dez anos de existência estourou a massa insolvente em quase 50 milhões de euros. 

E os credores…

Mesmo se ganhassem todos os processos que têm em tribunal e recuperassem o dinheiro todo, a receita que conseguiram seria inferior aos custos que a comissão liquidatária já teve. Não faz sentido nenhum. Já mandámos uma carta ao governador do Banco de Portugal que nomeou a comissão e diz que não é com ele. Falámos com o Tribunal do Comércio e o juiz faz despachos que ignoram. E a comissão de credores que também é liderada pelo Estado e que tem como missão fiscalizar a comissão liquidatária nunca reúne. Ninguém quer saber. 

A associação avançou com uma série de processos. Como estão?

Temos um processo contra o Estado português por causa desta discriminação entre credores, em que pagam aos estrangeiros à conta dos portugueses. Mas esse processo está quase há 10 anos no tribunal e não tem um único despacho. Temos um processo da Liminorke, um dos maiores credores privados contra o Banco de Portugal e esse foi julgado há quatro anos e não há sentença. É um escândalo. Que juiz é que assiste a um julgamento e depois não dá a sentença? E mesmo que dê agora não se lembra do que se passou. 

Acha que é falta de vontade?

São processos complexos e os juízes metem de lado. E como ninguém lhes pede contas continuam a fazer isso. Há o risco de mudar o juiz e o que irá dar a sentença não é o mesmo que fez o julgamento. E ninguém tem paciência para ver milhares de documentos e também ninguém é responsável. 

É um berbicacho…

É porque não há responsabilização. Os juízes fazem as coisas no timing deles e não querem saber.

A responsabilidade máxima foi de João Rendeiro ou da crise? Ou foi tudo junto?

Acho que foi tudo junto. Se não tivesse havido a crise não teria havido caso BPP. Isso para mim é claríssimo. Há uma diferença brutal entre o caso BPP e os outros. No caso do BPP, o João Rendeiro não fugiu com o dinheiro dos clientes. Aplicou o dinheiro dos clientes, podemos é discutir se aplicou bem ou mal, mas se não tivesse havido a crise do subprime, aqueles produtos de longo prazo não teriam desvalorizado. Claro que havia um problema de fundo porque quando João Rendeiro vendia aqueles produtos aos clientes – em que lhes garantia o capital e os juros – o BPP tinha a obrigação de contabilizar essa garantia de capital. Se isso tivesse sido contabilizado imediatamente se verificava que o capital social do banco era insuficiente. Mas a Deloitte que fez a fiscalização das contas nunca chamou a atenção para nada disto. 

Antes da crise do subprime não havia tanto cuidado…

Mas esse problema até estava identificado porque a PwC fez uma auditoria em 2002 e fez outra em 2006 e das duas vezes chamou a atenção para isso. Essa auditoria foi enviada para o Banco de Portugal que não fez rigorosamente nada, nem sequer uma única inspeção ao BPP. 

Mas por o BPP estar focado para grandes fortunas?

Isso também era um chavão do Governo, porque o BPP tinha tantas grandes fortunas como os outros. A esmagadora maioria dos clientes do BPP, do total de cerca de seis mil, eram reformados ou pequenos empresários, eram pessoas que tinham poupanças de uma vida.

Mas não era um banco em que se podia fazer um depósito normal…

Era. Podia ir, era um banco normal como os outros. Tinha era poucos depósitos porque a filosofia do banco era a gestão de ativos, de património. Não sei qual era o valor médio das aplicações do BPP, mas há centenas ou até milhares de clientes que tinham aplicações de 300, 400 e 500 mil euros. Não estamos a falar do banco dos ricos como a ideia que há para aí. Não é verdade que só tinha clientes com milhões. Aliás, a esmagadora dos clientes que investiam em produtos de retorno absoluto tinham aplicações entre 300 e 500 mil euros. E o retorno absoluto era o produto bandeira do banco. Já os clientes que tinham mais dinheiro, perderam muito dinheiro nas aplicações de private equity e aí estamos a falar de pessoas que tinham milhões de euros aplicados.

Neste momento qual é a perda total por parte dos clientes?

Os clientes reivindicavam 1,6 mil milhões de euros de aplicações. Com o fundo especial de investimento que criámos, na altura, conseguiu-se recuperar 800 e tal milhões de euros. Mais o fundo de garantia de depósitos e outros instrumentos, os clientes recuperaram quase 900 milhões de euros. Isto significa que há entre 700 e 900 milhões de euros em falta, em números redondos. E estes números mostram que o banco era viável e que foi liquidado por razões políticas: havia eleições em 2009 e o Partido Socialista achou que liquidar o banco dos ricos era-lhe favorável do ponto de vista político. Achavam que era o banco dos ricos e, por isso, podia-se deixar cair. E o BPN como não era dos ricos foi metido milhões e milhões de euros. 

E como vê a atual situação de João Rendeiro?

A situação de João Rendeiro para os clientes não muda nada. É uma questão de justiça. Se foi condenado tem de cumprir as penas. Estava tudo muito adormecido, agora com a prisão de João Rendeiro felizmente o BPP voltou outra vez à ribalta.