Radares. França vai avançar com ‘modelo Uber’ na fiscalização

Radares. França vai avançar com ‘modelo Uber’ na fiscalização


O Governo francês vai passar a contratar empresas privadas para conduzir carros-radar descaracterizados nas suas estradas, à procura dos infratores.


O tema dos radares de controlo de velocidade tem sido objeto de intenso debate em Portugal ao longo das últimas semanas, principalmente após o Nascer do SOL ter anunciado a instalação de 50 novos radares de controlo. A própria Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) confirmou ao i que “os contratos relativos à instalação dos 50 novos Locais de Controlo de Velocidade (LCV) do Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO) já foram visados pelo Tribunal de Contas e iniciaram-se no dia 2 de dezembro”, ficando “a cargo das empresas contratadas, a YuTraffic (30 radares) e a MICOTEC (20 radares)”. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária garantiu ainda que “a instalação dos primeiros 30 radares estará concluída no prazo máximo de 9 meses a contar da data do início da vigência do contrato, e os restantes no prazo máximo de 12 meses”.

O tema dos radares, no entanto, vai além-fronteiras, e em França está a dar que falar.

O país encontra-se em processo de adotar um novo modelo de fiscalização rodoviária, segundo o qual o Estado passa a contratar empresas privadas para conduzir veículos-radar, descaracterizados, que viajam em determinadas estradas, fiscalizando os outros condutores e enviando as informações para uma central, que, por sua vez, emite os respetivos autos em casos de excesso de velocidade.

De certa forma, os franceses vão adotar o conceito ‘Uber’ na fiscalização rodoviária, passando a tarefa de conduzir os automóveis-radar dos polícias para civis. Estes, membros de empresas contratadas através de concursos públicos, resumem-se a conduzir os automóveis – propriedade das autoridades – em percursos predefinidos pelo Estado, sem acesso aos detalhes sobre os condutores autuados. O radar funciona com um sistema de infravermelhos, que não dispara qualquer flash, e que, portanto, não permite nem ao condutor do automóvel-radar, nem ao condutor autuado, perceber que foi emitido um auto. As informações são depois enviadas para uma central em Rennes, onde, aí sim, as autoridades avançam com o processo de auto.

O programa arrancou em 2017, esteve em testes, e vai ser implementado no país a todo o gás em 2022. Mas os cidadãos franceses já estão munidos de formas para ‘contra-atacar’ este novo modelo. Os condutores são rápidos a encontrar formas de contrariar os esquemas de fiscalização, e já é possível, repare-se, encontrar uma lista das ditas viaturas descaracterizadas, num website específico, permitindo aos cidadãos identificar as mesmas à medida que circulam nas estradas francesas, de forma a reduzir a velocidade e evitar a coima.

Mudanças principais Segundo o próprio Estado francês explica, as viaturas-radar deixam de ser conduzidas por dois agentes da autoridade, e passam a ser conduzidas por um único condutor, civil, contratado por uma empresa privada que, por sua vez, é contratada pelo Governo francês. O ordenado dos condutores não é afetado pelo número de coimas aplicadas durante uma sessão de condução, mas sim pelas horas que passadas ao volante, afastando assim a possibilidade de existir a denominada ‘caça à multa’. Isto para não falar do facto de os condutores só poderem circular em rotas predefinidas pelas autoridades.

José Miguel Trigoso, presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, mostra-se aliviado, confessando, no início, ter temido que o sistema pudesse ser usado com este fim. Ao perceber, no entanto, que o ordenado é fixo, e não ligado ao número de coimas aplicadas, Trigoso define, em declarações ao i, o sistema como sendo “muito eficaz”, até porque reduz a quantidade de recursos necessários para realizar esta atividade de fiscalização.

Como já foi referido, o radar a bordo não emite qualquer flash no momento em que capta um condutor em excesso de velocidade, para além de não emitir qualquer som. Também não existe um ‘contador de coimas’ a bordo, evitando que o condutor tenha qualquer informação sobre o número de autos realizados.

Além disso, os veículos, ao contrário do que inicialmente se poderia pensar, são propriedade das autoridades francesas, e não das empresas privadas contratadas, ou dos condutores. Assim, a pessoa que está a conduzir estes veículos não está a usar a sua viatura própria, tendo sim de se deslocar às localidades específicas onde os veículos das autoridades estão estacionados, cumprindo o seu turno e, no fim, regressando a estes locais.

Novo? Ao i, José Miguel Trigoso começa por explicar que o conceito de automóveis descaracterizados como sistema de fiscalização rodoviária não é novidade. O especialista recua aos anos 80 para relatar a primeira experiência que teve com estes equipamentos, explicando que em Portugal chegaram alguns anos mais tarde. O presidente da PRP mostra-se curioso acerca do modelo francês, admitindo que o seu estudo poderia ter interesse para as autoridades portuguesas. 

Segundo foi possível apurar, não está, para já, a ser estudada a aplicação deste mesmo modelo de fiscalização nas estradas portuguesas. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) explicou ao i que “há em Portugal projetos semelhantes já implementados, como os modelos de cinemómetros-radares para uso no controlo e fiscalização do trânsito instalados em veículos, caracterizados e descaracterizados, das entidades fiscalizadoras, designadamente da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP), que efetuam a fiscalização dos veículos que circulam em excesso de velocidade”.

A ANSR colocou de lado, pelo menos para já, a hipótese de adoção em Portugal do modelo francês, até porque “implicaria alterações ao Código da Estrada e à legislação que regula a utilização e o acesso aos sistemas de vigilância e tratamento de dados para levantamento de autos de contraordenação”.

Sobre o assunto, José Miguel Trigoso não deixou de fora o fator ‘rentabilidade’ trazido por esta medida, que passa a permitir que a fiscalização seja feita, em parte, por civis, poupando recursos às autoridades do país, que se podem dedicar assim a outras atividades. “Eu percebo que é uma forma de rentabilizar o investimento naqueles equipamentos através daquele tipo de contrato, que realmente é quase como se fosse um Uber”, continua o presidente. Mas deixa ainda um aviso: “Em termos de eficácia de rentabilidade, acho que será muito eficaz. Agora, isto depende de tudo. Qual é o objetivo? É reduzir a sinistralidade? Porque, se for outro, não é aceitável. O objetivo não pode ser fazer receita.”

Velocidades perigosas José Miguel Trigoso coloca um grande selo de aprovação neste modelo, vincando uma realidade muito específica: com esta tecnologia, evita-se que os fiscalizadores tenham de equiparar as velocidades que os infratores estão a praticar. “Aquilo que normalmente se faz é que o veículo [da Polícia] anda a uma velocidade semelhante à do infrator, e para isso tem de andar às vezes em grande excesso velocidade. Isso não pode ser”, avisa o presidente da PRP. “Este sistema francês não exige nada disso. Não ocupa nenhum polícia, e, portanto, parece-me uma solução eficaz. Se isto for contratar alguém para andar à caça à multa, não me parece nada bem… agora, da forma como está descrito, parece-me muito bem”, aprova.

Vigilância cerrada em Espanha Ao mesmo tempo que os franceses avançam com o modelo dos automóveis-radar descaracterizados e conduzidos por civis, e que em Portugal a instalação de novos radares avança a bom ritmo, também em Espanha o cerco da fiscalização rodoviária está cada vez mais apertado.

A Direção-Geral de Trânsito (DGT) espanhola publicou uma lista de novas tecnologias e medidas que vão ser aplicadas nas próximas semanas, entre elas está o uso de drones e radares com maior alcance, que incluem sistemas fixos e seccionais. Os mesmos vão ainda aplicar técnicas modernas, com o uso de radares em cascata e anti-travagem, que permitem detetar um excesso de velocidade numa distância maior. Assim, elimina-se a possibilidade de o condutor travar unicamente perto dos radares, de forma a evitar a coima.

Espanha conta com um total de 780 radares fixos, número ao qual se juntarão, em 2022, outros dez. Mas a grande novidade está na intensificação do uso de drones. Desde 2019 que a DGT espanhola utiliza esta tecnologia para fiscalizar as suas estradas, e a sua frota conta com 39 drones, dos quais 23 estão preparados para vigiar e multar, por exemplo, quem usa o telemóvel ao volante. A família vai aumentar, mas o órgão espanhol não especificou quantos novos aparelhos irá acrescentar à rede.