Os agentes públicos, formuladores e executores de políticas públicas, têm se deparado, de forma crescente nas últimas décadas, com problemas cujas soluções são bastante desafiadoras. Dentre esses problemas de crescente complexidade, observam-se aqueles que podem ser classificados como wicked problems, tais como o aquecimento global, o planejamento urbano, as desigualdades sociais e o combate à fraude e à corrupção.
Wicked problems, segundo a concepção de Rittel e Webber (1973) são problemas para os quais mais de um enquadramento é possível, em virtude da dificuldade de se perceber, nas relações entre causa e consequência, variáveis claras, que podem ser facilmente isoladas para um propósito, por exemplo, para a elaboração de uma política pública.
A ausência de clareza para a delimitação de problemas dessa natureza torna o tratamento destas questões um tema complexo, cabendo ao planejador público realizar estratégias de mitigação dos efeitos decorrentes. Neste processo, a identificação dessas estratégias é muito mais relacionada à percepção política e à valoração da sociedade sobre como, e se, os wicked problems devem ser abordados e tratados.
Os wicked problems são caracterizados pela complexidade social – eles cruzam as fronteiras dos órgãos e entidades da administração pública, ultrapassam os limites da jurisdição dos entes da federação e, também, são transversais às políticas públicas a cargo do Estado. A solução para esses problemas não encontra uma convergência quanto à compreensão de sua natureza e de suas causas por parte dos especialistas. Como decorrência da difusão de entendimento sobre eles, observa-se discordância dos diversos atores quanto à melhor maneira de enfrentá-los.
Uma parte essencial da solução para muitos dos wicked problems envolve alcançar mudanças comportamentais sustentadas, tanto do ponto de vista das organizações quanto dos servidores, dos gestores e dos controladores. Para lidar com uma variedade desses problemas, que são observados em diversas políticas públicas, os pesquisadores sugerem que os atores governamentais devem desenvolver uma visão holística, não parcial ou linear.
A abordagem de um wicked problem de forma integral, exige do gestor um pensamento capaz de compreender o cenário geral, incluindo as inter-relações entre toda a gama de fatores causais subjacentes ao problema e a relação entre os diversos atores relacionados a ele. As abordagens lineares tradicionais têm se revelado uma maneira inadequada de trabalhar com problemas dessa natureza, diante das interconexões e das incertezas que os cercam.
Os wicked problems, normalmente, vão além da capacidade de qualquer organização de entender e responder por si só. Portanto, resolvê-los ou manejá-los, depende de como as organizações lidam com seus limites, inclusive os legais, impondo a necessidade de desenvolvimento de capacidade de descentralização e coordenação e de envolvimento tanto de instituições pares do próprio Estado quanto de organizações da sociedade civil e do setor privado.
Nesse contexto nada trivial que cerca os wicked problems, em que não há soluções pré-formatadas, torna-se relevante discutir a participação dos órgãos de controle governamental. Dada a expansão das formas de atuação dos órgãos de controle interno e externo, espraiando-se por temas relacionados à formulação e à implementação de políticas públicas, torna-se relevante o debate sobre o papel dessas instituições e suas contribuições para que as diversas esferas públicas possam lidar satisfatoriamente com os wicked problems.
Os órgãos de controle podem atuar em diversos momentos e de diferentes formas ao longo do ciclo das políticas públicas. Especialmente em relação aos wicked problems, os controles concomitantes e as auditorias operacionais se apresentam como as modalidades de atuação apropriadas para o tratamento tempestivo das questões relacionadas a estes problemas específicos. Mas será que os arranjos e definições tradicionalmente apontadas pela literatura dos órgãos e instituições nacionais e internacionais de auditoria têm sido suficientes para o tratamento desses problemas complexos?
A busca de controles concomitantes aos atos administrativos e o uso intensivo de auditorias operacionais nos parecem boas práticas consistentes com uma flexibilidade maior para a compreensão e o tratamento dos wicked problems. Dessa forma, a capacidade dos gestores públicos pode ser ampliada para uma abordagem estratégica mais orientada para a busca conjunta de soluções com os responsáveis pelos controles internos e externos.
Além dos gestores, os auditores governamentais também precisam reconhecer que a avaliação dos wicked problems exige uma ampla aceitação e entendimento de que não existem soluções rápidas e que os níveis de incerteza em torno das soluções para esses problemas precisam ser tolerados. Por outro lado, os referenciais nacionais e internacionais sobre o tema parecem não refletir mais profundamente acerca do papel dos auditores frente aos wicked problems, o que dificulta aos órgãos de controle pensarem em estratégias distintas e inovadoras diante desse desafio.
Frente a essa responsabilidade, as atividades de auditoria pública – tanto de natureza interna como externa – podem, em conjunto com os gestores, buscar construir padrões comuns para a avaliação de problemas complexos, seja ressignificando as práticas e ferramentas tradicionais de auditoria, seja construindo novos modelos de análise e orientações aos condutores das políticas públicas.
RITTEL, H. W. J. & WEBBER, M. M. (1973). Dilemmas in a General Theory of Planning. Policy Sciences 4, 155-169.
O autor é membro do OBEGEF e Auditor da Controladoria-Geral da União do Brasil (CGU)