A transumância política em curso


Transumância-passagem periódica de rebanhos, geralmente de carneiros, da planície para as montanhas e vice-versa.


Numa sociedade sem escrutínio, tudo é relativo e tudo é ajustado às realidades e às pretensões. É assim que dos assuntos de Estado à aplicação da justiça tudo parece ter uma geometria variável em função de variantes que não estão previstas na lei, mas são permitidas pela anuência geral da comunidade.

Temos o Portugal que queremos e que merecemos, porque não fazemos mais para ter diferente. Houve quem tentasse, mas foi demovido e a alegria do conformismo instalou-se em direção a um país com muito de inviável por conveniência dos protagonistas políticos e conformismo dos cidadãos.

A irresponsabilidade política de transformar o Orçamento de Estado para 2022 numa espécie de moção de censura ao Governo é similar à construção de um muro de diálogo com o PSD ou com extemporânea afirmação de que este poderia ter-se disponibilizado para o interesse nacional da viabilização deste instrumento de governação, na véspera da aplicação da Bazuca em contexto de pandemia, por agora sem confinamento.

Não houve vontade política, houve habilidade de quem domina as peças do xadrez, ora com visibilidade, ora na sombra qual big brother do status quo político e dos interesses, sempre sem o nível de escrutínio cívico, político e mediático que se impunham por subserviência, compromisso ou expectativa de benesses futuras.

Chegados aqui, em que tudo é suscetível de soar ou de ser orquestração, muito afastada da salvaguarda dos interesses gerais e do superior interesse nacional, com a esquerda à procura do tom da demarcação do tempo ido e a direita desesperada em ajustes para o tempo a vir, ensaia-se um transformismo das opções políticas dos últimos anos e a transumância dos azimutes da prole, colocando-a no ponto de anuência com o que for preciso para manter o poder.
A transumância política da colagem à esquerda, como a mãe de todas as virtudes, para a posição habilidosa e contraditória com o passado recente de habilitação ao diálogo com todos, num bailado poliamoroso de manutenção de todas as possibilidades de governação em aberto, apesar das circunstâncias.

As regras do tribalismo partidário, quando alheado dos valores e comprometida com a ânsia do exercício do poder, custe o que custar, ditam a predisposição para aderir a qualquer cenário, mas as circunstâncias podem ditar outros caminhos.

Não é certo que a dissolução da Assembleia da República proporcione ao Presidente da República um quadro político-parlamentar mais estável, logo, poderá ficar mais fragilizado.

Não é certo que a morte da geringonça, às mãos dos próprios participantes, não possa gerar uma situação em que os parceiros à esquerda, na vertigem de uma maioria parlamentar de governo, ditem a sua disponibilidade só com um interlocutor que não o protagonista atual do PS.

Com esta gente, muito pouco é certo e previsível, porque quase tudo é tática, habilidade e interesse particular, mas há certezas.

É certo que um cenário de maioria absoluta, plantado e alimentado nos media para interiorização da gleba, tornará a influência presidencial mais difusa, a caminho da irrelevância utilitária.

É certo que até 30 de janeiro, são muitas as variantes que podem influir no desgaste, nas alternativas e nos resultados, sendo possível que a maior delas seja, ainda e de novo, a pandemia. As medidas que deviam ser tomadas já face aos contágios e as que terão de ser tomadas em recurso, em estado de necessidade. Basta olhar para o que se está a passar na Europa, por agora, mais a leste.

Por falta de cultura democrática e de tolerância com quem pensa diferente, não é nada líquido que as derivas à esquerda ou à direita para fins governativos sejam aceites pelo acervo de militância do PS, de um partido que sempre acolheu essa diversidade de pensamento, mas mudou o seu perfil de militância nas últimas décadas para um maior pragmatismo em detrimento da ideologia. Os últimos anos, por ação e por opção, acentuaram o perfil tribalista, esquerdista e dado a transumâncias, que dispensou uma perspetiva moderada da sociedade portuguesa, com sentido reformista, comprometido com o interesse geral e com outra forma do exercício político, que não tem nada a ver com o bloco central dos interesses e dos negócios. Esses, existiram e existem no contexto dos últimos anos, por vontade ou anuência da liderança, apesar da matriz mais à esquerda.

A transumância do cata-vento está aí. Com ajuda preciosa dos senadores que nos últimos anos nunca estiveram disponíveis para a defesa da tolerância, da diversidade e dos valores da matriz partidária, mas estiveram sempre comprometidos com o pragmatismo dos ganhos pessoais e familiares. Agora, o diálogo com o PSD tem de estar em cima da mesa, retirado que foi da gaveta da diabolização verbalizado, porque, uma vez mais, a realidade atesta que foram vários os diplomas no parlamento viabilizados pelo PSD. Tudo a bem da manutenção do poder e dos protagonistas do poder nas suas diversas expressões, ao arrepio do que pensam e propalam.

Dizem que é tempo de marcar cartas e posições no interior do PS, nas listas de deputados, na perspetiva do futuro. Talvez não fosse mau que o foco do futuro fosse Portugal como um todo, de Norte a Sul, dos Açores à Madeira, além de Lisboa. Um país com cada vez mais situações insustentáveis e a caminho de ser inviável, pelas opções e pelas soluções. Ou pelas suas ausências.

A transumância política em curso é um espelho dos protagonistas e da política que temos. Conta com a ausência de critério dos portugueses e a ativação das redes de interesses informais montadas em cima dos poderes formais, das instituições e dos media. Nada é linear, porque a sociedade é complexa, mas também não é forçoso que tudo seja habilidade, volatilidade e vale tudo. Os portugueses dirão.

NOTAS FINAIS

NÃO SEI, NÃO ME LEMBRO. A arma da defesa em tribunal contaminou a política e a sociedade. Nunca ninguém sabe de nada. Alguém acredita que, mesmo informalmente, Presidente e Primeiro-ministro não sabiam das suspeitas da República Centro Africana? A ser assim, que país é este? Que sentido de responsabilidade e que sinal é dado à sociedade?

É JÁ ALI. A pandemia não acabou e exige medidas preventivas que salvaguardem a transição e início do ano, sob pena de mais impactos negativos na saúde, nas dinâmicas retomadas e no relançamento da economia. A vacina ajuda, mas não resolveu a pandemia. A vacinação ajuda, mas não é a mãe de todas as salvaguardas. O risco continua a existir.

POUCOCHINHO COP26. É o que sai da Cimeira das Alterações Climáticas de Glasgow. De que vale sermos 80 se os que contam continuam a ser 8.

A transumância política em curso


Transumância-passagem periódica de rebanhos, geralmente de carneiros, da planície para as montanhas e vice-versa.


Numa sociedade sem escrutínio, tudo é relativo e tudo é ajustado às realidades e às pretensões. É assim que dos assuntos de Estado à aplicação da justiça tudo parece ter uma geometria variável em função de variantes que não estão previstas na lei, mas são permitidas pela anuência geral da comunidade.

Temos o Portugal que queremos e que merecemos, porque não fazemos mais para ter diferente. Houve quem tentasse, mas foi demovido e a alegria do conformismo instalou-se em direção a um país com muito de inviável por conveniência dos protagonistas políticos e conformismo dos cidadãos.

A irresponsabilidade política de transformar o Orçamento de Estado para 2022 numa espécie de moção de censura ao Governo é similar à construção de um muro de diálogo com o PSD ou com extemporânea afirmação de que este poderia ter-se disponibilizado para o interesse nacional da viabilização deste instrumento de governação, na véspera da aplicação da Bazuca em contexto de pandemia, por agora sem confinamento.

Não houve vontade política, houve habilidade de quem domina as peças do xadrez, ora com visibilidade, ora na sombra qual big brother do status quo político e dos interesses, sempre sem o nível de escrutínio cívico, político e mediático que se impunham por subserviência, compromisso ou expectativa de benesses futuras.

Chegados aqui, em que tudo é suscetível de soar ou de ser orquestração, muito afastada da salvaguarda dos interesses gerais e do superior interesse nacional, com a esquerda à procura do tom da demarcação do tempo ido e a direita desesperada em ajustes para o tempo a vir, ensaia-se um transformismo das opções políticas dos últimos anos e a transumância dos azimutes da prole, colocando-a no ponto de anuência com o que for preciso para manter o poder.
A transumância política da colagem à esquerda, como a mãe de todas as virtudes, para a posição habilidosa e contraditória com o passado recente de habilitação ao diálogo com todos, num bailado poliamoroso de manutenção de todas as possibilidades de governação em aberto, apesar das circunstâncias.

As regras do tribalismo partidário, quando alheado dos valores e comprometida com a ânsia do exercício do poder, custe o que custar, ditam a predisposição para aderir a qualquer cenário, mas as circunstâncias podem ditar outros caminhos.

Não é certo que a dissolução da Assembleia da República proporcione ao Presidente da República um quadro político-parlamentar mais estável, logo, poderá ficar mais fragilizado.

Não é certo que a morte da geringonça, às mãos dos próprios participantes, não possa gerar uma situação em que os parceiros à esquerda, na vertigem de uma maioria parlamentar de governo, ditem a sua disponibilidade só com um interlocutor que não o protagonista atual do PS.

Com esta gente, muito pouco é certo e previsível, porque quase tudo é tática, habilidade e interesse particular, mas há certezas.

É certo que um cenário de maioria absoluta, plantado e alimentado nos media para interiorização da gleba, tornará a influência presidencial mais difusa, a caminho da irrelevância utilitária.

É certo que até 30 de janeiro, são muitas as variantes que podem influir no desgaste, nas alternativas e nos resultados, sendo possível que a maior delas seja, ainda e de novo, a pandemia. As medidas que deviam ser tomadas já face aos contágios e as que terão de ser tomadas em recurso, em estado de necessidade. Basta olhar para o que se está a passar na Europa, por agora, mais a leste.

Por falta de cultura democrática e de tolerância com quem pensa diferente, não é nada líquido que as derivas à esquerda ou à direita para fins governativos sejam aceites pelo acervo de militância do PS, de um partido que sempre acolheu essa diversidade de pensamento, mas mudou o seu perfil de militância nas últimas décadas para um maior pragmatismo em detrimento da ideologia. Os últimos anos, por ação e por opção, acentuaram o perfil tribalista, esquerdista e dado a transumâncias, que dispensou uma perspetiva moderada da sociedade portuguesa, com sentido reformista, comprometido com o interesse geral e com outra forma do exercício político, que não tem nada a ver com o bloco central dos interesses e dos negócios. Esses, existiram e existem no contexto dos últimos anos, por vontade ou anuência da liderança, apesar da matriz mais à esquerda.

A transumância do cata-vento está aí. Com ajuda preciosa dos senadores que nos últimos anos nunca estiveram disponíveis para a defesa da tolerância, da diversidade e dos valores da matriz partidária, mas estiveram sempre comprometidos com o pragmatismo dos ganhos pessoais e familiares. Agora, o diálogo com o PSD tem de estar em cima da mesa, retirado que foi da gaveta da diabolização verbalizado, porque, uma vez mais, a realidade atesta que foram vários os diplomas no parlamento viabilizados pelo PSD. Tudo a bem da manutenção do poder e dos protagonistas do poder nas suas diversas expressões, ao arrepio do que pensam e propalam.

Dizem que é tempo de marcar cartas e posições no interior do PS, nas listas de deputados, na perspetiva do futuro. Talvez não fosse mau que o foco do futuro fosse Portugal como um todo, de Norte a Sul, dos Açores à Madeira, além de Lisboa. Um país com cada vez mais situações insustentáveis e a caminho de ser inviável, pelas opções e pelas soluções. Ou pelas suas ausências.

A transumância política em curso é um espelho dos protagonistas e da política que temos. Conta com a ausência de critério dos portugueses e a ativação das redes de interesses informais montadas em cima dos poderes formais, das instituições e dos media. Nada é linear, porque a sociedade é complexa, mas também não é forçoso que tudo seja habilidade, volatilidade e vale tudo. Os portugueses dirão.

NOTAS FINAIS

NÃO SEI, NÃO ME LEMBRO. A arma da defesa em tribunal contaminou a política e a sociedade. Nunca ninguém sabe de nada. Alguém acredita que, mesmo informalmente, Presidente e Primeiro-ministro não sabiam das suspeitas da República Centro Africana? A ser assim, que país é este? Que sentido de responsabilidade e que sinal é dado à sociedade?

É JÁ ALI. A pandemia não acabou e exige medidas preventivas que salvaguardem a transição e início do ano, sob pena de mais impactos negativos na saúde, nas dinâmicas retomadas e no relançamento da economia. A vacina ajuda, mas não resolveu a pandemia. A vacinação ajuda, mas não é a mãe de todas as salvaguardas. O risco continua a existir.

POUCOCHINHO COP26. É o que sai da Cimeira das Alterações Climáticas de Glasgow. De que vale sermos 80 se os que contam continuam a ser 8.