Pensava eu que a polémica com os alunos exemplares de Famalicão já estava totalmente ultrapassada e arrumada nos arquivos do insólito, quando fui surpreendido pela notícia de que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga decretou o chumbo dos ditos alunos por não terem frequentado as aulas de Cidadania e Desenvolvimento.
Na altura em que a polémica estalou pareceu-me, devo dizer, que o pai dos alunos levara a coisa demasiado a peito. Se a educação que proporciona aos seus filhos é tão sólida como eu suspeito, não seria por eles frequentarem umas quantas aulas – por doutrinárias que fossem – que a formação e os princípios dos rapazes seriam postos em causa.
Porém, se a intransigência do pai pode ser questionada, mais incompreensível é a obstinação do Estado português. A que se junta uma profunda contradição que ninguém é capaz de explicar.
Não andamos todos a ouvir há não sei quantos anos que o chumbo é altamente contraproducente e deve ser evitado ao máximo? Não nos dizem que todos merecem uma segunda oportunidade? Não existe uma tendência para a escola ser cada vez mais permissiva, para se abolirem os exames, para não reprovar os alunos, mesmo aqueles que claramente não conseguem alcançar os objetivos? E depois, na hora da verdade, chumba-se dois alunos excecionais por uma questão administrativa… ou pior, por fanatismo ideológico.
Diria que os promotores desta disciplina de Cidadania e Desenvolvimento seriam os primeiros na linha da frente contra uma escola repressiva e castradora. Os primeiros a pregar o direito à diferença e o respeito pelo próximo.
Mas esta sentença mostra que afinal não é de uma questão de cidadania que se trata – o que está verdadeiramente em causa é o poder do Estado para impor uma nova doutrina e perseguir quem quer que se lhe oponha.
Eis a forma original como, no Portugal de 2021, se promovem os valores da cidadania, da solidariedade e da tolerância.