O primeiro orçamento do resto das nossas vidas


Um Orçamento do Estado tão em cima do joelho já era algo desnecessário perante os problemas graves que o país enfrenta, no combate à pobreza, na precarização do trabalho, na degradação dos serviços públicos, na sobrevivência das pequenas e médias empresas face à concorrência feroz das maiores, no imparável envelhecimento da população e crise ambiental.…


Um Orçamento do Estado tão em cima do joelho já era algo desnecessário perante os problemas graves que o país enfrenta, no combate à pobreza, na precarização do trabalho, na degradação dos serviços públicos, na sobrevivência das pequenas e médias empresas face à concorrência feroz das maiores, no imparável envelhecimento da população e crise ambiental.

O capítulo de ontem é de esgotar a paciência. É incompreensível que alguém fique contente com um Orçamento aprovado nos “últimos instantes”, seja de que cor for, quando se percebe que não é possível voltar a haver orçamentos fáceis (se alguma vez foi) num país em que a dívida pública é estratosférica, a economia frágil, a carga de impostos elevada e que para garantir o funcionamento de um Estado Social que o seja mesmo terá de haver um exercício profundo de reinvenção, criatividade, procura de consenso entre várias forças políticas perante maiorias improváveis, com as reformas que tiverem de ser feitas e que pense o hoje e as gerações futuras, sem prometer tudo agora à custa do amanhã. E sem estabelecer como prioridades as que permitem, circunstancialmente, a viabilização, sem que a certa altura do processo se consiga ter bem noção, usando as palavras de ontem da ministra do Trabalho, do que está a ser fechado. Ter duas ministras e um secretário de Estado num domingo à tarde durante uma hora a vender o OE (ao país? aos partidos que o podem aprovar?) e a retratar publicamente o BE, que faz a sua leitura e reivindicações legitimamente, podendo votar o OE como entender, é um exercício pouco digno. Por muito ambiciosa que o Governo considere a sua proposta de OE, é preciso aceitar que outros partidos não a achem.

As propostas deviam vir com análise dos custos, muito bem, fixe-se essa regra. Se a conferência de ontem foi possível porque já há certezas de que o PCP vai viabilizar o OE na generalidade, isso devia ser dito pelo partido e pelo Executivo, não ficando esse talvez no ar mais 24 horas, como se isto fosse um bailado em vários atos em que as pessoas podem apostar no desfecho até aos últimos minutos. Se é, não devia ser: é o Orçamento do Estado, a forma como os impostos que todos pagamos vão ser aplicados. Como diz nesta edição o antropólogo James Suzman, “todos reconhecemos que há uma certa insustentabilidade inerente na maneira como fazemos as coisas. Podemos ver ao longe no horizonte que o crash está a acontecer”.

Para a próxima, seja mais ou menos breve, era melhor tentar encontrar soluções e compromissos e não andar a dançar com o Orçamento.