A governamentalização das Ordens Profissionais


O Projecto do PS pretende retirar aos advogados a possibilidade de eleger os seus representantes, transformando o seu actual Conselho Superior num órgão com uma maioria de membros exteriores à classe, oriundos das Universidades, sendo a sua presidência igualmente externa.


No Público do passado Sábado, António Barreto falava do “apetite insaciável” do PS para “alargar o Estado” e “aumentar o poder do Governo sobre a sociedade”. E dava como exemplo desta situação a proposta de lei sobre as Ordens Profissionais que, a seu ver, “tresanda a salazarismo e corporativismo”, consistindo numa “revisão das competências de auto-regulação, de autodisciplina e de parceria entre público e privado, sempre a favor do Estado e do Governo”.

António Barreto tem total razão no que escreveu. Apesar da tentativa do Governo, prontamente seguida por alguns comentadores ao seu serviço, de acusar as ordens profissionais de corporativismo, a verdade é que as Ordens Profissionais foram as únicas instituições que se mantiveram como entidades independentes durante o Estado Novo. Efectivamente, a Ordem dos Advogados, fundada a 12 de Junho de 1926, soube resistir à tentativa do governo salazarista de a transformar num sindicato nacional integrado no sistema corporativo, tendo permanecido como entidade independente e protegido os advogados que corajosamente defendiam os presos políticos nos tribunais. É por isso que o Projecto de Lei 974/XIV/3ª representa o maior ataque à Ordem dos Advogados e à sua democracia interna desde 1926.

Hoje todos os órgãos da Ordem dos Advogados são eleitos pelos seus membros por escrutínio directo e secreto. O Projecto do PS pretende retirar aos advogados a possibilidade de eleger os seus representantes, transformando o seu actual Conselho Superior num órgão com uma maioria de membros exteriores à classe, oriundos das Universidades, sendo a sua presidência igualmente externa. O PS cria assim um órgão composto maioritariamente por entidades externas, e em conflito de interesses com a advocacia, correspondendo a uma espécie de Conselho da Revolução, destinado a exercer a tutela sobre os órgãos democraticamente eleitos pelos advogados, levando assim a que a Ordem dos Advogados deixe de ter uma democracia plena. 

Para além disso, o projecto obriga à existência de um provedor dos destinatários dos serviços, que é escolhido pelo Bastonário de uma lista de três membros propostos pela “entidade pública responsável pela defesa do consumidor”. Essa entidade é presentemente a Direcção-Geral do Consumidor, o que significa que uma Direcção-Geral totalmente dependente do Governo passa a designar um Provedor dos Clientes e indicará necessariamente alguém hostil às Ordens, não tendo o Bastonário qualquer poder de decisão. Efectivamente se amanhã a Direcção-Geral do Consumidor propuser a um Bastonário que escolha o Provedor dos destinatários dos serviços de entre os nomes de Ana Catarina Mendes, Constança Urbano de Sousa ou Joana Sá Pereira, que alternativa efectivamente existe para a escolha do Provedor por parte do Bastonário?

No Expresso do passado sábado, com um curioso título que afirma que “socialistas enfrentam as Ordens” e que “reforma vale 2,4 mil milhões”, pretende-se convencer o público de que esta governamentalização das Ordens é necessária, mas nunca se diz que compromissos foram efectivamente assumidos internacionalmente e porquê, e qual a razão para que esses compromissos acabem com a democracia interna e a independência das Ordens, que se mantém em todos os países europeus, devendo Portugal passar a ser a única excepção neste domínio. O jornal garante, porém, que o próprio Governo irá ao Parlamento defender esta aberração e que existem apoios noutras bancadas para que este projecto seja aprovado, incluindo da do próprio PSD. Não por acaso, no mesmo jornal, Cavaco Silva falava que “temos uma oposição política débil e sem rumo, desprovida de uma estratégia consistente de denúncia dos erros, omissões e atitudes eticamente reprováveis do Governo”. E falava igualmente na “subserviência por parte da comunicação social à lógica do Governo, à sua propaganda e desinformação, num claro afastamento dos princípios da independência e da verdade que a devem nortear”. 

Com a aprovação deste diploma iremos provavelmente assistir no dia 13 a mais uma machadada na independência e no governo democrático das associações públicas e ao controlo do Governo sobre estas. Mas, da mesma forma, que o país se conseguiu livrar em 1982 da tutela militar do Conselho da Revolução, mais cedo ou mais tarde as Ordens Profissionais se libertarão das entidades externas com que este Governo as pretende controlar. Os órgãos democraticamente eleitos das Ordens Profissionais tudo farão para que a sua independência se mantenha para garantia dos direitos dos cidadãos.

 


A governamentalização das Ordens Profissionais


O Projecto do PS pretende retirar aos advogados a possibilidade de eleger os seus representantes, transformando o seu actual Conselho Superior num órgão com uma maioria de membros exteriores à classe, oriundos das Universidades, sendo a sua presidência igualmente externa.


No Público do passado Sábado, António Barreto falava do “apetite insaciável” do PS para “alargar o Estado” e “aumentar o poder do Governo sobre a sociedade”. E dava como exemplo desta situação a proposta de lei sobre as Ordens Profissionais que, a seu ver, “tresanda a salazarismo e corporativismo”, consistindo numa “revisão das competências de auto-regulação, de autodisciplina e de parceria entre público e privado, sempre a favor do Estado e do Governo”.

António Barreto tem total razão no que escreveu. Apesar da tentativa do Governo, prontamente seguida por alguns comentadores ao seu serviço, de acusar as ordens profissionais de corporativismo, a verdade é que as Ordens Profissionais foram as únicas instituições que se mantiveram como entidades independentes durante o Estado Novo. Efectivamente, a Ordem dos Advogados, fundada a 12 de Junho de 1926, soube resistir à tentativa do governo salazarista de a transformar num sindicato nacional integrado no sistema corporativo, tendo permanecido como entidade independente e protegido os advogados que corajosamente defendiam os presos políticos nos tribunais. É por isso que o Projecto de Lei 974/XIV/3ª representa o maior ataque à Ordem dos Advogados e à sua democracia interna desde 1926.

Hoje todos os órgãos da Ordem dos Advogados são eleitos pelos seus membros por escrutínio directo e secreto. O Projecto do PS pretende retirar aos advogados a possibilidade de eleger os seus representantes, transformando o seu actual Conselho Superior num órgão com uma maioria de membros exteriores à classe, oriundos das Universidades, sendo a sua presidência igualmente externa. O PS cria assim um órgão composto maioritariamente por entidades externas, e em conflito de interesses com a advocacia, correspondendo a uma espécie de Conselho da Revolução, destinado a exercer a tutela sobre os órgãos democraticamente eleitos pelos advogados, levando assim a que a Ordem dos Advogados deixe de ter uma democracia plena. 

Para além disso, o projecto obriga à existência de um provedor dos destinatários dos serviços, que é escolhido pelo Bastonário de uma lista de três membros propostos pela “entidade pública responsável pela defesa do consumidor”. Essa entidade é presentemente a Direcção-Geral do Consumidor, o que significa que uma Direcção-Geral totalmente dependente do Governo passa a designar um Provedor dos Clientes e indicará necessariamente alguém hostil às Ordens, não tendo o Bastonário qualquer poder de decisão. Efectivamente se amanhã a Direcção-Geral do Consumidor propuser a um Bastonário que escolha o Provedor dos destinatários dos serviços de entre os nomes de Ana Catarina Mendes, Constança Urbano de Sousa ou Joana Sá Pereira, que alternativa efectivamente existe para a escolha do Provedor por parte do Bastonário?

No Expresso do passado sábado, com um curioso título que afirma que “socialistas enfrentam as Ordens” e que “reforma vale 2,4 mil milhões”, pretende-se convencer o público de que esta governamentalização das Ordens é necessária, mas nunca se diz que compromissos foram efectivamente assumidos internacionalmente e porquê, e qual a razão para que esses compromissos acabem com a democracia interna e a independência das Ordens, que se mantém em todos os países europeus, devendo Portugal passar a ser a única excepção neste domínio. O jornal garante, porém, que o próprio Governo irá ao Parlamento defender esta aberração e que existem apoios noutras bancadas para que este projecto seja aprovado, incluindo da do próprio PSD. Não por acaso, no mesmo jornal, Cavaco Silva falava que “temos uma oposição política débil e sem rumo, desprovida de uma estratégia consistente de denúncia dos erros, omissões e atitudes eticamente reprováveis do Governo”. E falava igualmente na “subserviência por parte da comunicação social à lógica do Governo, à sua propaganda e desinformação, num claro afastamento dos princípios da independência e da verdade que a devem nortear”. 

Com a aprovação deste diploma iremos provavelmente assistir no dia 13 a mais uma machadada na independência e no governo democrático das associações públicas e ao controlo do Governo sobre estas. Mas, da mesma forma, que o país se conseguiu livrar em 1982 da tutela militar do Conselho da Revolução, mais cedo ou mais tarde as Ordens Profissionais se libertarão das entidades externas com que este Governo as pretende controlar. Os órgãos democraticamente eleitos das Ordens Profissionais tudo farão para que a sua independência se mantenha para garantia dos direitos dos cidadãos.