França. Elite política em xeque

França. Elite política em xeque


Com mais uma condenação de Sarkozy, viu-se à luz do dia a corrupção entre as elites francesas. Só o tempo dirá que impacto terá nas presidenciais de 2022.


A segunda condenação de Nicolas Sarkozy não gerou tanta consternação quanto a primeira, mas deixou um sinal à elite política francesa, de que as suas ações podem ter consequências. Claro que, ao longo deste processo, por vezes receberam o sinal oposto – em março, minutos após o antigo Presidente ser condenado a três anos de prisão, dois deles com pena suspensa, por corrupção e tráfico de influências, o próprio ministro do Interior, Gérald Darmanin, reiterou, «obviamente», o seu «apoio amigável» ao companheiro de partido. Ainda assim, Sarkozy acabaria condenado outra vez esta quinta-feira, a um ano de prisão, por financiamento ilegal da campanha de 2012, podendo cumprir a pena em prisão domiciliária. O seu advogado anunciou de imediato, em declarações à BFM TV, que a defesa iria recorrer.

Saber que o antigo Presidente pode muito bem acabar fechado em casa, com uma pulseira eletrónica no tornozelo, tornando-se o primeiro antigo chefe de Estado francês preso por crimes praticados durante o seu mandato – o antecessor de Sarkozy, Jacques Chirac, foi condenado em 2011, mas por abuso de fundos públicos enquanto era presidente da Câmara de Paris – pode ter um impacto tanto entre políticos como entre o eleitorado, alertam os analistas.

É algo a ter em conta à medida que se aproximam as eleições presidenciais de abril de 2022, estando o Presidente Emmanuel Macron fragilizado, mantendo uma popularidade muito baixa, com uma taxa de desaprovação de quase 60%, segundo uma sondagem recente da Elabe.

Face às sucessivas condenações de Sarkozy, «de certa maneira, a classe política como um todo pode ter sido prejudicada», avaliou Sophie Pedder, correspondente do Economist em França. E a verdade é que forças populistas como o Reagrupamento Nacional (antiga Frente Nacional), de Marine Le Pen, estão prontas aproveitas. «Eles prosperam nesta mensagem que é lançada contra os políticos convencionais. Que eles são todos tão maus como os outros, que estão todos a tramar alguma, que há uma lei para as pessoas comuns em França e outra para quem está no topo», alertou.

 

Trama e intrigas

Neste último caso, Sarkozy foi a julgamento com 13 outros arguidos, incluindo dirigentes do seu partido, Os Republicanos (que em 2012 dava pelo nome de União por um Movimento Popular, ou UMP), e responsáveis da empresa de comunicação política Bygmalion.

Em causa está o facto da campanha presidencial de Sarkozy ter ultrapassado o limite máximo de financiamento eleitoral, à época estabelecido por lei nos 22,5 milhões de euros. A campanha acabou a custar quase o dobro, uns 42,8 milhões de euros, verificou a justiça francesa, sendo esse montante escondido através de uma série de recibos fraudulentos, emitidos pela Bygmalion como sendo despesas de reuniões da UMP e não da campanha de Sarkozy. O antigo Presidente conseguiu evitar ser condenado por estar diretamente envolvido na falsificação, o que lhe poderia valer uma pena mais pesada, mas a justiça considerou que estaria certamente a par do esquema.

Na prática, o resultado do crime foi uma campanha cheia de glamour, cheia de comícios impressionantes, semelhantes ao que se vê nas campanhas norte-americanas, com palcos enormes e música. Mas não chegou, Sarkozy tornou-se o primeiro Presidente francês a não ser reeleito desde Valéry Giscard d’Estaing, em 1981, acabando vencido na segunda volta por François Hollande, candidato do Partido Socialista francês, por uma margem de uns meros 3,26% dos votos.

Outra questão é como é que Sarkozy arranjou tanto dinheiro. No caso da campanha que o levou à presidência, em 2007, Sarkozy foi acusado de ter recebido à volta de 50 milhões de euros do então ditador líbio, Mouammar Kadhafi, levados dentro de malas, em sucessivas viagens de intermediários, camuflados com a venda inflacionada de quadros ou de uma propriedade luxuosa nos arredores de Cannes.

A troco disso, Sarkozy teria ajudado a que Kadhafi – que à época era um pária, acusado de ser o patrocinador de atentados terroristas em solo europeu – desfrutasse de um breve período de graça na arena internacional, até com o levantamento de sanções e maior investimento externo. No entanto, foi sol de pouca dura para o ditador líbio, contra quem Sarkozy acabou por se virar, durante a Primavera Árabe, incentivando a intervenção militar na NATO no Líbia que culminou com a queda do regime e a morte de Kadhafi. Contudo, isso não bastaria para apagar as provas da ligação entre os dois – deverá ser esse o julgamento que se segue na longa crónica judicial de Sarkozy.

 

Padrinho da direita

Sarkozy, de 66 anos, um advogado com raízes aristocráticas, em tempos presença regular na imprensa cor-de-rosa, conseguira dar o salto de sucessivos postos no Governo, incluindo ministro do Interior, para Presidente em 2007. Mesmo assim, apresentou-se como sendo alguém fora do sistema, defendendo políticas duras contra a imigração, prometendo oferecer cortes fiscais e limpar a racaille (qualquer coisa como ‘escumulha’) dos subúrbios. Acabaria a ganhar o cognome de ‘Presidente bling-bling’, sendo considerado inculto – «é esperado dos Presidentes franceses que possuam uma aura de refinamento estético e intelectual que dignifique a nação», comentou na altura a New Yorker – e com o gosto por luxo excessivo de um novo rico.

Se tem uma sensação de déjà vu, não estranhe – anos depois, Sarkozy seria descrito na imprensa francesa como uma espécie de proto-Donald Trump. Outros traçavam paralelos com o antigo primeiro-ministro italiano Sílvio Berlusconi, que, à semelhança de Sarkozy, por mais acusações que some, sempre conseguiu evitar ir parar à prisão.

Mesmo derrotado em 2012, acossado pela justiça francesa, e retirado oficialmente da política em 2017, Sarkozy continuou a ser um nome de peso dentro da direita tradicional, muito ativo nos bastidores, diretamente envolvido na procura de um candidato conservador para desafiar Macron em 2022, segundo a imprensa francesa.

Ao contrário do que se passou com outros líderes de Executivo acusados de corrupção, como José Sócrates, Sarkozy não foi deixado cair pelos barões do seu partido, multiplicando-se os apelos públicos contra a sua condenação. «A dureza da sentença adotada é absolutamente desproporcional», reagiu Christian Jacob. presidente de Os Republicanos, no Twitter, falando numa «perseguição judicial». De que modo isso afetará as presidenciais de 2022, só o tempo dirá.