Olaf, o moderado


Haverá geringonça na Alemanha mas não à esquerda. E o futuro Chanceler será dos mais contentes com essa solução.


A federação da esquerda é difícil. Comboiá-la para o governo é algo que nem em Portugal, pátria da “geringonça”, se tentou ou conseguiu. Até ao fecho das urnas no passado domingo pela Alemanha houve quem sonhasse com um governo R2G, ou seja, dois partidos vermelhos/rot (SPD e Die Linke) somados aos Verdes (Grünen). A matemática das sondagens parecia permiti-lo embora a forma mentis do líder do SPD apontasse para a de um filho natural de Angela Merkel. Para maior tranquilidade de Olaf Scholz não só o SPD foi o mais votado (206 mandatos contra 196 da CDU-CSU) como a soma com os Verdes (118) e Die Linke (39) fica aquém da maioria parlamentar (368). As más memórias da República de Weimar estão suficientemente presentes para afastar qualquer possibilidade de um Governo minoritário, refém do exotismo político-parlamentar de parceiros contra natura.

Um futuro governo terá de incluir o terceiro (Verdes) e o quarto (FDP, 92 deputados) partidos mais votados. Antes de uma negociação com o SPD ou com a CDU-CSU será preciso encontrar um mínimo denominador comum entre Verdes e FDP, o que será tudo menos fácil. Em 2017 o FDP abandonou as negociações com a CDU e os Verdes para formação de uma coligação governamental por a considerar inviável. Christian Lindner, o líder do FDP, fez campanha como futuro ministro das Finanças, o cargo ocupado por Olaf Scholz…Desta vez não parece que os filiados no SPD, que terão de aprovar em referendo a futura coligação, queiram repetir, pela quarta vez, uma Große Koalition. Também Olaf Scholz gostaria de apear a CDU do poder, onde está desde 2005.

Pelo lado da CDU, órfã de Merkel, uma cura de oposição seria benéfica para renovar a liderança, refrescar o programa e recuperar do pior resultado eleitoral de sempre. No entanto sendo a natureza humana o que é, Armin Laschet não deixará de tentar aliciar os Verdes para um trio. Com o FDP o entendimento é programaticamente muito mais fácil e há um histórico de boa colaboração política entre Laschet e Lindner no governo da Renânia do Norte-Vestfália. A bem da boa conclusão das negociações há que recordar a fagocitação feita por Merkel de partes do programa do SPD (segurança social, casamentos entre pessoas do mesmo sexo), Verdes (fim do nuclear e do carvão como fontes de energia) e a manutenção do controlo dos Verdes pela ala realista.

O caderno de encargos dos Verdes já não é o de um partido proibicionista (Verbotspartei), estará centrado em medidas de apoio social, caras ao SPD, mas que são anátema para o FDP, visceralmente contra o aumento da despesa pública e campeão da diminuição dos impostos.

Scholz, o Scholz-o-mat robótico, assim retratado pelos caricaturistas e pelo comentariado, fez campanha apelando à sobriedade e à confiança, com a sua fotografia a preto e branco (o preto é a cor da CDU e vale a pena recordar o que Michel Pastoureau nos explicou sobre as estratégias associadas a esta cor) em fundo vermelho e um slogan hábil, eliminando Laschet e subjugando o SPD: “Quem quer Scholz (para Chanceler) vota no SPD!”

Não será fácil a Scholz convencer o FDP da necessidade de manter o aumento da despesa pública para lá do atenuar da pandemia. Talvez venha a ser mais fácil, fora de portas, manter algum expansionismo monetário por parte do BCE, refreando o temor germânico em matéria de inflação. É uma pena não podermos todos votar para a escolha do Governo alemão.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Olaf, o moderado


Haverá geringonça na Alemanha mas não à esquerda. E o futuro Chanceler será dos mais contentes com essa solução.


A federação da esquerda é difícil. Comboiá-la para o governo é algo que nem em Portugal, pátria da “geringonça”, se tentou ou conseguiu. Até ao fecho das urnas no passado domingo pela Alemanha houve quem sonhasse com um governo R2G, ou seja, dois partidos vermelhos/rot (SPD e Die Linke) somados aos Verdes (Grünen). A matemática das sondagens parecia permiti-lo embora a forma mentis do líder do SPD apontasse para a de um filho natural de Angela Merkel. Para maior tranquilidade de Olaf Scholz não só o SPD foi o mais votado (206 mandatos contra 196 da CDU-CSU) como a soma com os Verdes (118) e Die Linke (39) fica aquém da maioria parlamentar (368). As más memórias da República de Weimar estão suficientemente presentes para afastar qualquer possibilidade de um Governo minoritário, refém do exotismo político-parlamentar de parceiros contra natura.

Um futuro governo terá de incluir o terceiro (Verdes) e o quarto (FDP, 92 deputados) partidos mais votados. Antes de uma negociação com o SPD ou com a CDU-CSU será preciso encontrar um mínimo denominador comum entre Verdes e FDP, o que será tudo menos fácil. Em 2017 o FDP abandonou as negociações com a CDU e os Verdes para formação de uma coligação governamental por a considerar inviável. Christian Lindner, o líder do FDP, fez campanha como futuro ministro das Finanças, o cargo ocupado por Olaf Scholz…Desta vez não parece que os filiados no SPD, que terão de aprovar em referendo a futura coligação, queiram repetir, pela quarta vez, uma Große Koalition. Também Olaf Scholz gostaria de apear a CDU do poder, onde está desde 2005.

Pelo lado da CDU, órfã de Merkel, uma cura de oposição seria benéfica para renovar a liderança, refrescar o programa e recuperar do pior resultado eleitoral de sempre. No entanto sendo a natureza humana o que é, Armin Laschet não deixará de tentar aliciar os Verdes para um trio. Com o FDP o entendimento é programaticamente muito mais fácil e há um histórico de boa colaboração política entre Laschet e Lindner no governo da Renânia do Norte-Vestfália. A bem da boa conclusão das negociações há que recordar a fagocitação feita por Merkel de partes do programa do SPD (segurança social, casamentos entre pessoas do mesmo sexo), Verdes (fim do nuclear e do carvão como fontes de energia) e a manutenção do controlo dos Verdes pela ala realista.

O caderno de encargos dos Verdes já não é o de um partido proibicionista (Verbotspartei), estará centrado em medidas de apoio social, caras ao SPD, mas que são anátema para o FDP, visceralmente contra o aumento da despesa pública e campeão da diminuição dos impostos.

Scholz, o Scholz-o-mat robótico, assim retratado pelos caricaturistas e pelo comentariado, fez campanha apelando à sobriedade e à confiança, com a sua fotografia a preto e branco (o preto é a cor da CDU e vale a pena recordar o que Michel Pastoureau nos explicou sobre as estratégias associadas a esta cor) em fundo vermelho e um slogan hábil, eliminando Laschet e subjugando o SPD: “Quem quer Scholz (para Chanceler) vota no SPD!”

Não será fácil a Scholz convencer o FDP da necessidade de manter o aumento da despesa pública para lá do atenuar da pandemia. Talvez venha a ser mais fácil, fora de portas, manter algum expansionismo monetário por parte do BCE, refreando o temor germânico em matéria de inflação. É uma pena não podermos todos votar para a escolha do Governo alemão.

 

Escreve à sexta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990