A transferência do Tribunal Constitucional para Coimbra


É preocupante o sucessivo adiamento pelo Parlamento da eleição dos juízes do Tribunal Constitucional,levando a que estes permaneçam no cargo muito para além da duração dos seus mandatos.


Em Setembro do ano passado foi apresentado no Parlamento pelo PSD o Projecto de Lei 516/XIV/2ª, que procedia à transferência do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal Administrativo e da Entidade de Contas dos Partidos Políticos para Coimbra. Chamada a emitir parecer sobre esse projecto, no quadro do processo legislativo, a Ordem dos Advogados pronunciou-se em Outubro passado favoravelmente a essa proposta. Efectivamente, essa solução é positiva, pois não só representa uma efectiva descentralização dos serviços do Estado a nível judicial, como também reforça o princípio da separação de poderes, garantindo o afastamento do Tribunal Constitucional dos restantes órgãos de soberania situados em Lisboa, cujas normas lhe compete fiscalizar.

A Ordem dos Advogados foi, no entanto, a única entidade consultada a emitir parecer favorável à iniciativa. O Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público consideraram tratar-se de uma opção de política legislativa, pelo que não se pronunciaram sobre a mesma. Já o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, não assumindo uma posição de princípio contra a deslocalização dos Tribunais Superiores, considerou inoportuna a sua aplicação neste momento ao Supremo Tribunal Administrativo.

No caso do Tribunal Constitucional, este referiu em parecer enviado ao Parlamento que “a transferência da sede por decisão do poder político teria uma carga simbólica negativa, degradando a perceção pública da autoridade, autonomia e relevância do órgão. A transferência da sede de um órgão de soberania, baseada em qualquer critério que não seja o da natureza e dignidade constitucional das funções que desempenha, não poderia deixar de constituir um grave desprestígio”. Este parecer foi, no entanto, objecto de três votos de vencido dos Juízes-Conselheiros Manuel da Costa Andrade, Mariana Gomes Canotilho e Lino Ribeiro, tendo os dois primeiros salientado correctamente não haver nenhum lugar no território nacional que não seja digno de acolher o Tribunal Constitucional.

O parecer do Tribunal Constitucional foi, no entanto, enviado em Janeiro passado ao Parlamento, sendo por isso estranho que na altura ninguém tenha feito qualquer referência ao mesmo. Na verdade, esta polémica só surgiu porque a discussão e aprovação na generalidade desta iniciativa legislativa ocorreu em plena campanha eleitoral para as autarquias locais, a qual está particularmente acesa em Coimbra. Nesse aspecto, há que censurar claramente o momento do agendamento pelo Parlamento desta iniciativa legislativa, uma vez que o respeito que é devido aos tribunais, especialmente aos tribunais superiores, não deve levar a que a transferência da sede dos mesmos seja assunto para discutir numa campanha eleitoral autárquica.

Não obstante essa crítica, a verdade é que não têm sido apresentados argumentos que contrariem a iniciativa legislativa. Há muitos factores que têm afectado o papel do Tribunal Constitucional no nosso ordenamento jurídico, mas a sua eventual deslocalização não será seguramente um deles. Muito mais preocupante é o facto de as entidades com competência para requererem a fiscalização da constitucionalidade raramente o fazerem, quando assistimos a tantas medidas de constitucionalidade duvidosa, no quadro desta pandemia, levando a que muitas disposições constitucionais estejam a ser ignoradas. Da mesma forma, é preocupante o sucessivo adiamento pelo Parlamento da eleição dos juízes do Tribunal Constitucional, levando a que estes permaneçam no cargo muito para além da duração dos seus mandatos.

O prestígio de um Tribunal Constitucional não resulta nunca do local em que está situado, mas sim da autoridade das suas decisões. Se a partir da cidade do Mondego surgirem decisões sólidas e bem fundamentadas, em defesa da nossa Constituição, ultimamente tão maltratada, seguramente que sairão reforçados o Estado de Direito e o prestígio do nosso Tribunal Constitucional.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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