Agora que passámos o “cabo das tormentas” desta campanha autárquica – no sentido figurado do termo relativamente ao tempo decorrido sobre a mesma –, creio ser perfeitamente perceptível que a segunda metade do tempo restante da campanha eleitoral, bem como o que se adivinha de resultados do acto eleitoral na noite do próximo domingo, dia 26 de Setembro, salvo algumas expectáveis e, porquanto, hipotéticas excepções, não será suficiente para decretar o fim das nossas tormentas por não se avistar, ainda que muito ao longe, qualquer “boa esperança” para Portugal e para todos nós portugueses aqui residentes…
Ao fim e ao cabo é mesmo essa a nossa história colectiva enquanto povo e nação mais do que secular quase milenar. Mas, sendo esse o nosso triste e melancólico fado, penso que estaremos a atingir níveis descontrolados e muito perigosos de relaxamento no grau de exigência ética que colocamos ao poder político em geral e governativo em particular.
Refiro-me ao inacreditável abuso de poder do Governo, através da participação exaustiva e em termos democraticamente inaceitáveis dos seus membros em variadíssimas campanhas (senão em todas) destas eleições autárquicas. Primeiro-Ministro, Ministros e Secretários de Estado, todos revestidos com os seus fatinhos de dirigentes nacionais do Partido Socialista, mas sem nunca despirem os fatos de governantes, nem de dispensarem, convenhamos, os carros e os motoristas do Estado para se deslocarem por todo o país, em todas as direcções que os pontos cardeais permitem.
Uma autêntica “rosa dos ventos” que leva a “boa-nova” – mensagem socialista – a todo o território nacional, pedindo em troca, os bons votos dos respectivos munícipes nos candidatos do partido do Governo. Nalguns concelhos solicitando um voto de misericórdia, noutros pedindo um voto de confiança, noutros exigindo um voto de lealdade e, noutros ainda, promovendo uma inqualificável chantagem para obtenção desses votos, i.e., através da mentira deliberada e proferida com todos os dentes que têm na boca relativamente à distribuição das verbas dos fundos comunitários da União Europeia a que os próprios chamam de “bazuca”.
Aliás, se houvesse um galardão anual que destacasse e premiasse a estupidez, com toda a certeza, quem, por cá, inventou este bélico nome para denominar tal apoio financeiro da UE aos Estados-Membros no relançamento das suas respectivas economias nacionais neste período pós-pandémico, através da aplicação dos chamados Planos de Recuperação e Resiliência aprovados, venceria, com todo o mérito e reconhecimento, o prémio de 2020…
Talvez esteja, enfim, descoberta a razão de tão estúpida denominação portuguesa atribuída a esse importante apoio financeiro da UE, pois sendo uma bazuca uma arma de fogo de grandes proporções usada em ambiente de guerra. Uma arma bélica absolutamente monstruosa que serve unicamente para destruir tudo aquilo para onde for apontada e disparada. Conclui-se agora, de uma forma mais nítida, que o PS pretende usar este apoio financeiro europeu como uma arma de combate político-partidário, neutralizando alguns dos seus adversários e liquidando outros, tentando, objectivamente, dessa maneira eternizar-se no poder ou, pelo menos, lá permanecer até estoirar com o dinheiro todo, endividar o país para lá da estação espacial internacional e, com isso, deixar-nos de novo arruinados (não de sunga mas em pelota) e sem qualquer hipótese de sobrevivermos aos estragos provocados pela “bazuca” disparada por esta gente demente, cujo legado nos conduzirá à miséria total e irreversível e assim tornarmo-nos, definitivamente, num país socialista ortodoxo, completamente dependente do Estado e dos seus subsídios para viver e morrer.
Um país, em suma, de sonho para os muitos candidatos autárquicos do BE e da CDU (nome técnico do PCP em eleições), mas também de muitos outros do PAN e do PS e sei lá mais do quê…, conforme fui ouvindo nos debates e em entrevistas nas últimas semanas, prometendo gratuitidades ou comparticipações em tudo o que se possa imaginar, desde refeições, mensalidades nas creches e no pré-escolar, nos livros e material de aulas, nos computadores e telemóveis, nas taxas sociais únicas para as comunicações e os serviços básicos, agua e luz, nos de transportes públicos e na habitação – onde a vontade manifesta de algumas câmaras municipais, como é o estranho caso de Lisboa, em se tornarem os grandes “senhorios da cidade” revela uma fixação pelo sector imobiliário preocupante –, com um à-vontade e uma eloquência próprios de quem não está bem psicologicamente e disso não tem a menor consciência.
Tudo “grátis” para todos os pobres, espoliados, descamisados e mal remediados que, com esta gente a gerir a coisa pública, enganando a populaça desta maneira demagógica e aldrabona, um dia, acabaremos por ser todos nós, sem excepções. Excepto, naturalmente, a cúpula da elite dirigente desse maravilhoso Estado-igualitário de dez milhões de pobres e de pedintes periféricos da União Europeia sempre de mão estendida à espera de misericórdia até ao dia da expulsão final.
Mas um “paraíso” socialista na terra, totalmente “grátis”, é financiado e sustentado exactamente com o quê mesmo? Com mais impostos ordinários, com mais impostos extraordinários e com mais e mais impostos estratosféricos, pois é claro. Com o que mais haveria de ser?
O desvirtuamento que este PM e o seu Governo estão a imprimir a estas eleições autárquicas, atribuindo-lhe um carácter nacional que não têm – a não ser a mera partilha do dia do sufrágio eleitoral –, pelo evidente excesso de participação e intromissão intolerável de uma catrefada de actores que, não fazendo parte daqueles filmes, entram em cena, introduzindo todo um guião lastimável de conversa fiada sobre matérias e questões de âmbito nacional e exclusivamente governamental, em que tudo, mas mesmo tudo, serve como “argumentum” de pura propaganda política ao serviço do supremo interesse partidário na manutenção, a todo o custo, do seu poder, alargando-o, desejavelmente e o mais possível em todo o território nacional, constitui, inexoravelmente, numa nova e fortíssima machadada na nossa já muito debilitada democracia representativa. Isto, para além de ser a prova provada de que no PS e no Governo não existe uma única ideia para Portugal que não se inicie e se esgote, integralmente, na maldita bazuca que a prazo, entre confinamentos e desconfinamentos, esbanjamentos e mais endividamentos, só nos trará mais destruição e pobreza.
Esta intromissão escandalosa e descarada é uma óbvia demonstração da arrogância e do poder desmesurado de quem se acha, verdadeiramente, “dono disto tudo” e é também a constatação insofismável da mais absoluta imoralidade e ausência total de um padrão ético, mínimo que seja, na forma de fazer política que urge denunciar, combater e tudo fazer para, através de lei da Assembleia da República, corrigir para o futuro.
O Governo em funções tem de governar e não se imiscuir em campanhas eleitorais para órgãos locais, regionais e autónomos, europeus ou presidenciais. Não é aceitável numa democracia avançada que um Governo, seja ele de que partido for, deixe de fazer aquilo que lhe compete enquanto órgão de soberania, para se dedicar, quase em exclusivo, a campanhas eleitorais do seu partido mas que, pura e simplesmente, não são da sua competência nem da sua responsabilidade e, por conseguinte, não lhe dizem respeito.
Em Portugal, a ética na acção política só existirá e se praticará se previamente legislada. É triste mas é uma evidência!
Jurista
Escreve de acordo com a antiga ortografia.