PRR: o plano do futuro no país do passado


O PRR trará inúmeros projetos com visão de futuro que vão tornar Portugal mais forte, mas se o território não permitir que essas ideias se instalem nas diversas regiões, então tudo não passará de uma oportunidade perdida.


É com toda a pompa e circunstância que quase todos os dias vemos, e ouvimos, o primeiro-ministro e todo o Governo a reboque falarem do tão afamado Plano de Recuperação e Resiliência, a tal ‘bazuca’ que nos vem salvar dos efeitos que quase um ano e meio de pandemia provocaram na economia nacional. O plano parece ter os ingredientes perfeitos para fazer Portugal sair mais forte desta nova crise. Ao todo mais de 16 mil milhões de euros distribuídos ao longo dos próximos seis anos.

Mas será que tantos apoios e tamanha vontade terão espaço num país onde a burocracia ainda impera? Num país onde o território é gerido como há mais de 15 anos, com regiões a ultrapassarem os 25 anos? Num país onde o ordenamento territorial se mantém igual ao que era, quando a digitalização ainda dava os seus primeiros passos? O PRR vai esbarrar em todos estes problemas. E não haverá ‘bazuca’ que consiga destruir a inoperacionalidade da máquina estatal portuguesa, principalmente quando os projetos começarem a bater à porta das autarquias.

Os Planos Diretores Municipais que temos hoje em dia estão, na maioria dos casos, completamente desatualizados e a lei não é cumprida na maioria dos municípios. Nem nos planos do próprio Estado, como o PROT Algarve e POOC Vilamoura-VRSA. No Algarve há casos em que não se mexe no ordenamento do território há quase 30 anos, quando deveria haver uma revisão de 10 em 10 anos. Como é que se pode querer virar Portugal para o Futuro se o que temos são as mesmas regras do passado?

Não podemos pôr em causa um programa que está bem pensado e bem desenhado, simplesmente porque decisões que deveriam ser tomadas em meses ficam em gavetas durante anos. O PRR trará inúmeros projetos com visão de futuro que vão tornar Portugal mais forte, mas se o território não permitir que essas ideias se instalem nas diversas regiões, então tudo não passará de uma oportunidade perdida. Serão milhões de euros desperdiçados por questões meramente administrativas.

Não nos basta ter boas ideias, ter grandes empreendedores, precisamos que os projetos sejam concretizáveis onde fazem mais sentido. No Algarve, há muito que se fala na necessidade de um centro intermodal que promova a ligação ferroviária ao aeroporto, mas com os atuais Planos Diretores Municipais, muito dificilmente há decisão, em tempo útil, acerca do local para o construir. Já para não falar acerca da incapacidade crónica em se decidir acerca da construção de um novo hospital. O mesmo acontece com empresas tecnológicas que se apresentarem um projeto para se instalarem num município algarvio vão ver as suas expectativas goradas porque há 20 ou 30 anos esses investimentos não existiam e, como tal, não têm expressão no atual ordenamento territorial. O mesmo acontece com a habitação porque muitos PDM não têm espaço para a edificação de habitação a custos ajustados à carteira da maior parte dos portugueses.

Engane-se quem pensa que este cenário é apenas especulação. Já está a acontecer, e mesmo sem a bazuca. Em Sines, o data center, que foi anunciado com a presença de António Costa e Pedro Siza Vieira, no passado mês de abril, pode não vir a passar disso mesmo, de um anúncio. Os milhares de empregos podem nunca chegar e os 3,5 mil milhões de euros de investimento não vão sair da carteira. Tudo porque há cerca de um ano, o Conselho de Ministros classificou o terreno onde o projeto irá nascer como Zona Especial de Conservação. Se não se encontrar uma alternativa, vai tudo por água abaixo.

Será isso que queremos para os 16 mil milhões de euros que vêm de Bruxelas? Será que queremos ficar, uma vez mais, para trás no comboio da União Europeia? O PRR é uma oportunidade única e temos que a agarrar e tirar, dele, o maior partido.

Os municípios terão um papel fundamental na concretização dos projetos que venham a ser apresentados. Mas para isso é preciso agilizar as alterações aos Planos Diretores Municipais. Não se pode continuar a permitir que fiquem presos nas secretárias dos ministros anos a fio à espera de autorização. Não podemos levar três, quatro, cinco anos a aprovar um novo PDM, porque nessa altura a ‘bazuca’ já acabou. Nessa altura o comboio seguiu e nós teremos que fazer o mesmo percurso que os nossos parceiros, mas a pé.

António Costa está confiante que Portugal será um dos melhores a executar o PRR em toda a Europa. Confiança parece não faltar ao nosso chefe de Governo. Mas talvez seja necessário avivar a memória ao agora primeiro-ministro que, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, aprovou um PDM oito anos depois do previsto, queixando-se dos problemas para a atividade económica da cidade quando as regras não são claras.

Afinal, os anos passaram, mas a burocracia permanece intacta e vai funcionar como um entrave ao desenvolvimento do país e, uma vez mais, serão os municípios mais afastados dos grandes centros urbanos os prejudicados.

Só esperemos que em 2026, quando todos os países estiverem a festejar a resiliência das suas economias, Portugal não esteja apenas resignado por ter deixado passar mais uma oportunidade de se juntar às maiores economias europeias.

 

Professor na Universidade do Algarve


PRR: o plano do futuro no país do passado


O PRR trará inúmeros projetos com visão de futuro que vão tornar Portugal mais forte, mas se o território não permitir que essas ideias se instalem nas diversas regiões, então tudo não passará de uma oportunidade perdida.


É com toda a pompa e circunstância que quase todos os dias vemos, e ouvimos, o primeiro-ministro e todo o Governo a reboque falarem do tão afamado Plano de Recuperação e Resiliência, a tal ‘bazuca’ que nos vem salvar dos efeitos que quase um ano e meio de pandemia provocaram na economia nacional. O plano parece ter os ingredientes perfeitos para fazer Portugal sair mais forte desta nova crise. Ao todo mais de 16 mil milhões de euros distribuídos ao longo dos próximos seis anos.

Mas será que tantos apoios e tamanha vontade terão espaço num país onde a burocracia ainda impera? Num país onde o território é gerido como há mais de 15 anos, com regiões a ultrapassarem os 25 anos? Num país onde o ordenamento territorial se mantém igual ao que era, quando a digitalização ainda dava os seus primeiros passos? O PRR vai esbarrar em todos estes problemas. E não haverá ‘bazuca’ que consiga destruir a inoperacionalidade da máquina estatal portuguesa, principalmente quando os projetos começarem a bater à porta das autarquias.

Os Planos Diretores Municipais que temos hoje em dia estão, na maioria dos casos, completamente desatualizados e a lei não é cumprida na maioria dos municípios. Nem nos planos do próprio Estado, como o PROT Algarve e POOC Vilamoura-VRSA. No Algarve há casos em que não se mexe no ordenamento do território há quase 30 anos, quando deveria haver uma revisão de 10 em 10 anos. Como é que se pode querer virar Portugal para o Futuro se o que temos são as mesmas regras do passado?

Não podemos pôr em causa um programa que está bem pensado e bem desenhado, simplesmente porque decisões que deveriam ser tomadas em meses ficam em gavetas durante anos. O PRR trará inúmeros projetos com visão de futuro que vão tornar Portugal mais forte, mas se o território não permitir que essas ideias se instalem nas diversas regiões, então tudo não passará de uma oportunidade perdida. Serão milhões de euros desperdiçados por questões meramente administrativas.

Não nos basta ter boas ideias, ter grandes empreendedores, precisamos que os projetos sejam concretizáveis onde fazem mais sentido. No Algarve, há muito que se fala na necessidade de um centro intermodal que promova a ligação ferroviária ao aeroporto, mas com os atuais Planos Diretores Municipais, muito dificilmente há decisão, em tempo útil, acerca do local para o construir. Já para não falar acerca da incapacidade crónica em se decidir acerca da construção de um novo hospital. O mesmo acontece com empresas tecnológicas que se apresentarem um projeto para se instalarem num município algarvio vão ver as suas expectativas goradas porque há 20 ou 30 anos esses investimentos não existiam e, como tal, não têm expressão no atual ordenamento territorial. O mesmo acontece com a habitação porque muitos PDM não têm espaço para a edificação de habitação a custos ajustados à carteira da maior parte dos portugueses.

Engane-se quem pensa que este cenário é apenas especulação. Já está a acontecer, e mesmo sem a bazuca. Em Sines, o data center, que foi anunciado com a presença de António Costa e Pedro Siza Vieira, no passado mês de abril, pode não vir a passar disso mesmo, de um anúncio. Os milhares de empregos podem nunca chegar e os 3,5 mil milhões de euros de investimento não vão sair da carteira. Tudo porque há cerca de um ano, o Conselho de Ministros classificou o terreno onde o projeto irá nascer como Zona Especial de Conservação. Se não se encontrar uma alternativa, vai tudo por água abaixo.

Será isso que queremos para os 16 mil milhões de euros que vêm de Bruxelas? Será que queremos ficar, uma vez mais, para trás no comboio da União Europeia? O PRR é uma oportunidade única e temos que a agarrar e tirar, dele, o maior partido.

Os municípios terão um papel fundamental na concretização dos projetos que venham a ser apresentados. Mas para isso é preciso agilizar as alterações aos Planos Diretores Municipais. Não se pode continuar a permitir que fiquem presos nas secretárias dos ministros anos a fio à espera de autorização. Não podemos levar três, quatro, cinco anos a aprovar um novo PDM, porque nessa altura a ‘bazuca’ já acabou. Nessa altura o comboio seguiu e nós teremos que fazer o mesmo percurso que os nossos parceiros, mas a pé.

António Costa está confiante que Portugal será um dos melhores a executar o PRR em toda a Europa. Confiança parece não faltar ao nosso chefe de Governo. Mas talvez seja necessário avivar a memória ao agora primeiro-ministro que, enquanto presidente da Câmara Municipal de Lisboa, aprovou um PDM oito anos depois do previsto, queixando-se dos problemas para a atividade económica da cidade quando as regras não são claras.

Afinal, os anos passaram, mas a burocracia permanece intacta e vai funcionar como um entrave ao desenvolvimento do país e, uma vez mais, serão os municípios mais afastados dos grandes centros urbanos os prejudicados.

Só esperemos que em 2026, quando todos os países estiverem a festejar a resiliência das suas economias, Portugal não esteja apenas resignado por ter deixado passar mais uma oportunidade de se juntar às maiores economias europeias.

 

Professor na Universidade do Algarve