O regresso à plena actividade dos tribunais


A crise económica causada pela pandemia, que já levou empresas emblemáticas à insolvência, vai contribuir para o aumento exponencial dos processos de insolvência nos tribunais de comércio, bem como dos processos de despedimento colectivo nos tribunais de trabalho.


Amanhã, dia 1 de Setembro os tribunais portugueses regressam à sua plena actividade, depois de uma pausa de um mês e meio, em virtude das férias judiciais. Esse regresso à actividade deveria ocorrer num quadro de normalidade possível, apesar da pandemia, mas há vários factores que justificam uma séria apreensão com o funcionamento da nossa justiça nos próximos meses.

O primeiro factor de preocupação prende-se naturalmente com as condições de funcionamento dos tribunais, em termos de segurança dos profissionais e das pessoas que lá se deslocam. Infelizmente, ao longo da pandemia fomos confrontados com inúmeros casos de Covid-19 nos nossos tribunais, que têm causado séria preocupação com a segurança de todos os que a eles se têm que deslocar. Esses casos até se verificaram no período de férias judiciais, sendo por isso de recear que o regresso à actividade dos tribunais potencie mais situações de contágio. Infelizmente, a pandemia demonstrou o enorme erro que foi colocar os tribunais portugueses a funcionar em edifícios exíguos, sem qualquer ventilação, em que o distanciamento social é impossível de manter e onde por isso são potenciadas situações de risco. Espera-se, porém, que o avanço do processo de vacinação permita melhorar a situação, baixando o número de infecções nos tribunais.

O outro factor de preocupação respeita à avalanche de processos que se espera que venha a atingir os nossos tribunais nos próximos tempos, o que contribuirá para aumentar os já habituais atrasos na decisão dos processos. Efectivamente, a pandemia levou a que uma grande parte da população adiasse o recurso aos tribunais para a resolução dos seus litígios, mas é manifesto que, a partir do momento em que a situação o permita, esses litígios surgirão e irão naturalmente originar um anormal volume de trabalho nos tribunais.

Para além disso, a crise económica causada pela pandemia, que já levou empresas emblemáticas à insolvência, vai contribuir para o aumento exponencial dos processos de insolvência nos tribunais de comércio, bem como dos processos de despedimento colectivo nos tribunais de trabalho. Essa crise económica vai, por outro lado, fazer multiplicar as situações de incumprimento das suas obrigações por parte dos particulares, o que vai ser especialmente agravado pelo fim das moratórias, contribuindo igualmente para o surgimento de múltiplos processos nos tribunais judiciais.

Para além disso, a própria pandemia levou ao surgimento de regras obscuras e de interpretação discutível, designadamente na área laboral, as quais têm potenciado o surgimento de litígios, que irão por isso seguramente ocupar os tribunais nos próximos tempos.

Permanecem, por outro lado, os já tradicionais bloqueios existentes nalguns tribunais, como sucede com os tribunais criminais, em virtude da habitual prática de criação de megaprocessos, e nos tribunais administrativos e fiscais, em que se chega a levar anos para obter uma decisão em primeira instância.

Encaramos por isso com apreensão a situação que se prevê para os nossos tribunais, neste período de regresso de férias judiciais, logo que a pandemia comece a aliviar. Esperamos, por isso, que o Governo e os órgãos de gestão dos tribunais saibam tomar as medidas necessárias para ultrapassar a grave situação que se pode verificar. A justiça é um valor essencial ao Estado de Direito, pelo que o seu eventual falhanço representaria o falhanço do próprio Estado de Direito.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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