Entrámos no perigoso período de verão


A conversa das oportunidades quase ilimitadas da bazuca como a da “libertação total” reforçam as expetativas de que tudo será possível. É mau para as negociações orçamentais e péssimo para os banhos de realidade após o verão. Numa sociedade é suposto haver um conjunto de equilíbrios, de poderes e contrapoderes, que contribuem para que as…


A conversa das oportunidades quase ilimitadas da bazuca como a da “libertação total” reforçam as expetativas de que tudo será possível. É mau para as negociações orçamentais e péssimo para os banhos de realidade após o verão.

Numa sociedade é suposto haver um conjunto de equilíbrios, de poderes e contrapoderes, que contribuem para que as dinâmicas gerais tenham em conta os interesses do todo e não as relevâncias dos umbigos, sejam eles de grupo, temáticos, geográficos ou de outra ordem.

O estado generalizado de alheamento popular, de falta de exigência ou de comoção com o que não é essencial, a par da indigência política da oposição face ao poder, cria um ambiente propício à cura das feridas abertas pela governação desconforme, por ação ou omissão de membros do Governo, e a um aproveitamento do verão para fazer aquilo que em condições normais não é feito porque dá nas vistas.

Tradicionalmente o verão é um tempo de desprendimento, em especial, para quem tem trabalho e se desloca para um local de férias diferente do da sua residência. Há rotinas que são quebradas, incluindo as informativas, e outras que são adquiridas temporariamente. Procura-se que o tempo discorra ao ritmo certo e com um perfil diferente do que temos ao longo do ano. O problema é que a tradição é cada vez menos o que era para muita gente. A incerteza em relação ao futuro, a fragilidade dos recursos financeiros e a pandemia impedem que muitos possam fazer o corte com as rotinas e os espaços do quotidiano. Segundo uma sondagem recente, há 35% de portugueses que dizem passar habitualmente as férias em casa e 55% que não o vão fazer este ano. Logo, em mais um ano de contração da procura turística internacional, os nacionais adotam um registo de contenção e não mitigarão outras falhas.

E depois há a anunciação da bazuca. Já tivemos um debate do Estado da Nação que foi o Estado da Anunciação, tantos foram os anúncios, os enamoramentos orientados para o orçamento de Estado e a decrépita oposição do maior partido da oposição.

Já tivemos uma solução governativa em 2015 assente na geração da perceção de que, após as vergastadas da troika e do além da troika, tudo era possível, haveria condições para repor tudo a todos e ir mais além do que alguma vez teríamos ido. E ano após ano, a perceção foi alimentada, até que se concluiu ser matematicamente impossível a equação de distribuir o que não se tinha, mantendo os compromissos internacionais com os credores.

A pretexto da bazuca e das dificuldades de compromisso político dos parceiros de 2015 com a atual solução governativa, resultante de uma vitória eleitoral sem maioria absoluta, retomou-se a narrativa dos milhões e a perceção das possibilidades ilimitadas.

A narrativa apresenta diversas dificuldades na emissão, na receção da mensagem e no ambiente geral do país.

Do lado de quem emite a mensagem, a bazuca é mãe de todas as sobrevivências políticas, não é que fosse necessário porque o PSD surge sempre que necessário como nadador-salvador quando falham os proto-parceiros de solução governativa e o PCP está num estado de fragilidade consentida orientada para o compromisso institucional em função dos seus nichos eleitorais. A política é muito de expetativa, mas é cada vez mais de concretização e a bazuca tem um problema de capacidade de concretizar, de fazer chegar o dinheiro às pessoas, às comunidades e aos territórios. Um hiato considerável na concretização será a morte do artista porque não haverá tolerância ou condições para sustentar muito tempo o registo de perda que se vive, ampliado pelas limitações da pandemia.

O ambiente geral é de cansaço, de inquietação nervosa e falta de perspetivas positivas, logo a predisposição para as narrativas é menor e adensa-se com a sucessão de casos resultantes do exercício governativo. Não remodelar no atual quadro é alimentar este contexto de degradação das predisposições dos cidadãos, apesar da ausência de oposição, e não permitir que os novos governantes se integrem logo no desafio de concretizar as oportunidades da bazuca. Quem entrasse agora, tinha agosto para se ajustar, quem entrar depois, em nome da execução, não tem período de adaptação.

A conversa das oportunidades quase ilimitadas da bazuca como a da “libertação total” reforçam as expetativas de que tudo será possível. É mau para as negociações orçamentais e péssimo para os banhos de realidade a que os portugueses estarão sujeitos após o verão. Não, não vai dar para tudo. São necessárias prioridades, algumas já definidas no PRR, mas sobretudo não pode haver espaço para opções parciais, setoriais ou simbólicas a troco de uns votinhos no parlamento para a viabilização do orçamento. Até lá, importa estarmos atentos às tentações de verão, de decidir pela calada dos pés na areia dos portugueses ou aquando da sesta da tarde. É desligar um poucochinho, sem perder os mínimos de escrutínio.

 

NOTAS FINAIS

 

INACEITÁVEL. A resiliência perante os riscos é fundamental para a segurança da comunidade. Não é possível ter um sistema de emergência nacional 112 que colapsa por um problema de distribuição da rede de energia elétrica ocorrido na França. Não há redundâncias? Ora aqui está uma questão para uma verdadeira indignação nacional, durante 30 minutos os cidadãos não puderam aceder ao 112 em alguns pontos do país. E continua tudo na vidinha…

 

E A ALTERNATIVA É? O sentido das dinâmicas políticas e partidárias deveria ter subjacente uma espécie de censura construtiva. Critica apresenta alternativa. Proíbe apresenta alternativa. Quando a líder do Bloco vai a Odemira dizer que é zero estufas do que é que está disponível abdicar na negociação orçamental para gerar sustentabilidade às dinâmicas daquele território. É que este não existe apenas quando é notícia ou quando ela lá vai de passagem. Há gente que vive ali, todo o não.

 

DESCOBRIR A PÓLVORA. Acidentes rodoviários aumentaram 45% em maio face a 2020. Não havendo nenhuma alteração estrutural na lei ou nos comportamentos individuais, era uma evidência que mais veículos automóveis a circular significariam mais acidentes rodoviários. A sinistralidade rodoviária não se combate com descontinuidades ou circunstâncias favoráveis.

 

DERIVAS. A militarização é uma deriva da solução governativa desde 2015. Se fosse concretizada pela direita, caía o Carmo e a Trindade, mas pela esquerda funciona como barreira face às críticas, embora desequilibre e implique riscos com consequências. Nas vacinas, perdoam-se falhas, erros e omissões que não se perdoariam a outros, na segurança e proteção civil acentuam-se desequilíbrios e contrastes. Nos incêndios, os recursos de primeira de uns contrastam com as insuficiências dos voluntários. Os balões que se enchem vão dar problemas quando se aperceberem dos danos será tarde demais.

 

Escreve à segunda-feira


Entrámos no perigoso período de verão


A conversa das oportunidades quase ilimitadas da bazuca como a da “libertação total” reforçam as expetativas de que tudo será possível. É mau para as negociações orçamentais e péssimo para os banhos de realidade após o verão. Numa sociedade é suposto haver um conjunto de equilíbrios, de poderes e contrapoderes, que contribuem para que as…


A conversa das oportunidades quase ilimitadas da bazuca como a da “libertação total” reforçam as expetativas de que tudo será possível. É mau para as negociações orçamentais e péssimo para os banhos de realidade após o verão.

Numa sociedade é suposto haver um conjunto de equilíbrios, de poderes e contrapoderes, que contribuem para que as dinâmicas gerais tenham em conta os interesses do todo e não as relevâncias dos umbigos, sejam eles de grupo, temáticos, geográficos ou de outra ordem.

O estado generalizado de alheamento popular, de falta de exigência ou de comoção com o que não é essencial, a par da indigência política da oposição face ao poder, cria um ambiente propício à cura das feridas abertas pela governação desconforme, por ação ou omissão de membros do Governo, e a um aproveitamento do verão para fazer aquilo que em condições normais não é feito porque dá nas vistas.

Tradicionalmente o verão é um tempo de desprendimento, em especial, para quem tem trabalho e se desloca para um local de férias diferente do da sua residência. Há rotinas que são quebradas, incluindo as informativas, e outras que são adquiridas temporariamente. Procura-se que o tempo discorra ao ritmo certo e com um perfil diferente do que temos ao longo do ano. O problema é que a tradição é cada vez menos o que era para muita gente. A incerteza em relação ao futuro, a fragilidade dos recursos financeiros e a pandemia impedem que muitos possam fazer o corte com as rotinas e os espaços do quotidiano. Segundo uma sondagem recente, há 35% de portugueses que dizem passar habitualmente as férias em casa e 55% que não o vão fazer este ano. Logo, em mais um ano de contração da procura turística internacional, os nacionais adotam um registo de contenção e não mitigarão outras falhas.

E depois há a anunciação da bazuca. Já tivemos um debate do Estado da Nação que foi o Estado da Anunciação, tantos foram os anúncios, os enamoramentos orientados para o orçamento de Estado e a decrépita oposição do maior partido da oposição.

Já tivemos uma solução governativa em 2015 assente na geração da perceção de que, após as vergastadas da troika e do além da troika, tudo era possível, haveria condições para repor tudo a todos e ir mais além do que alguma vez teríamos ido. E ano após ano, a perceção foi alimentada, até que se concluiu ser matematicamente impossível a equação de distribuir o que não se tinha, mantendo os compromissos internacionais com os credores.

A pretexto da bazuca e das dificuldades de compromisso político dos parceiros de 2015 com a atual solução governativa, resultante de uma vitória eleitoral sem maioria absoluta, retomou-se a narrativa dos milhões e a perceção das possibilidades ilimitadas.

A narrativa apresenta diversas dificuldades na emissão, na receção da mensagem e no ambiente geral do país.

Do lado de quem emite a mensagem, a bazuca é mãe de todas as sobrevivências políticas, não é que fosse necessário porque o PSD surge sempre que necessário como nadador-salvador quando falham os proto-parceiros de solução governativa e o PCP está num estado de fragilidade consentida orientada para o compromisso institucional em função dos seus nichos eleitorais. A política é muito de expetativa, mas é cada vez mais de concretização e a bazuca tem um problema de capacidade de concretizar, de fazer chegar o dinheiro às pessoas, às comunidades e aos territórios. Um hiato considerável na concretização será a morte do artista porque não haverá tolerância ou condições para sustentar muito tempo o registo de perda que se vive, ampliado pelas limitações da pandemia.

O ambiente geral é de cansaço, de inquietação nervosa e falta de perspetivas positivas, logo a predisposição para as narrativas é menor e adensa-se com a sucessão de casos resultantes do exercício governativo. Não remodelar no atual quadro é alimentar este contexto de degradação das predisposições dos cidadãos, apesar da ausência de oposição, e não permitir que os novos governantes se integrem logo no desafio de concretizar as oportunidades da bazuca. Quem entrasse agora, tinha agosto para se ajustar, quem entrar depois, em nome da execução, não tem período de adaptação.

A conversa das oportunidades quase ilimitadas da bazuca como a da “libertação total” reforçam as expetativas de que tudo será possível. É mau para as negociações orçamentais e péssimo para os banhos de realidade a que os portugueses estarão sujeitos após o verão. Não, não vai dar para tudo. São necessárias prioridades, algumas já definidas no PRR, mas sobretudo não pode haver espaço para opções parciais, setoriais ou simbólicas a troco de uns votinhos no parlamento para a viabilização do orçamento. Até lá, importa estarmos atentos às tentações de verão, de decidir pela calada dos pés na areia dos portugueses ou aquando da sesta da tarde. É desligar um poucochinho, sem perder os mínimos de escrutínio.

 

NOTAS FINAIS

 

INACEITÁVEL. A resiliência perante os riscos é fundamental para a segurança da comunidade. Não é possível ter um sistema de emergência nacional 112 que colapsa por um problema de distribuição da rede de energia elétrica ocorrido na França. Não há redundâncias? Ora aqui está uma questão para uma verdadeira indignação nacional, durante 30 minutos os cidadãos não puderam aceder ao 112 em alguns pontos do país. E continua tudo na vidinha…

 

E A ALTERNATIVA É? O sentido das dinâmicas políticas e partidárias deveria ter subjacente uma espécie de censura construtiva. Critica apresenta alternativa. Proíbe apresenta alternativa. Quando a líder do Bloco vai a Odemira dizer que é zero estufas do que é que está disponível abdicar na negociação orçamental para gerar sustentabilidade às dinâmicas daquele território. É que este não existe apenas quando é notícia ou quando ela lá vai de passagem. Há gente que vive ali, todo o não.

 

DESCOBRIR A PÓLVORA. Acidentes rodoviários aumentaram 45% em maio face a 2020. Não havendo nenhuma alteração estrutural na lei ou nos comportamentos individuais, era uma evidência que mais veículos automóveis a circular significariam mais acidentes rodoviários. A sinistralidade rodoviária não se combate com descontinuidades ou circunstâncias favoráveis.

 

DERIVAS. A militarização é uma deriva da solução governativa desde 2015. Se fosse concretizada pela direita, caía o Carmo e a Trindade, mas pela esquerda funciona como barreira face às críticas, embora desequilibre e implique riscos com consequências. Nas vacinas, perdoam-se falhas, erros e omissões que não se perdoariam a outros, na segurança e proteção civil acentuam-se desequilíbrios e contrastes. Nos incêndios, os recursos de primeira de uns contrastam com as insuficiências dos voluntários. Os balões que se enchem vão dar problemas quando se aperceberem dos danos será tarde demais.

 

Escreve à segunda-feira