Século XXI. O “novo olhar” sobre o mundo das tatuagens

Século XXI. O “novo olhar” sobre o mundo das tatuagens


Começaram de uma forma “completamente rudimentar”, estigmatizaram pessoas, marcaram épocas e agora evoluem, transformando-se e ganhando novas formas. Bárbara, Fernando e Mariza, profissionais neste mundo, elucidam sobre as novas técnicas e a “missão” que sentem ter ao serem tatuadores.


Bárbara Gonçalves, Tatuadora

Tatuagem com significado

Esta arte carrega histórias, homenagens, atos de coragem, símbolos de força e de resiliência que nos alimentam e que nos moldam a identidade”, começa por declarar ao i Bárbara Gonçalves, de 27 anos, tatuadora no estúdio Skin Art Tattoo, em Vila Nova de Santo André. Para a profissional, a tatuagem é “a arte na qual somos responsáveis por usar o nosso corpo como uma tela, como um veículo da comunicação, na partilha da nossa história de vida. Um memorando a recordar-nos diariamente que o corpo é nosso e temos esta opção e escolha pessoal de querer ter um marco que te identifica enquanto único”, acredita.

Além de o ver como algo mágico para quem a recebe, Bárbara revela que, para quem a executa, a “magia” é quase a mesma: “É uma simbiose que causa adrenalina pela decisão e pela execução”, esclarece, acrescentando que, ao mesmo tempo, do ponto de vista profissional existe uma grande responsabilidade “pela durabilidade do que fazemos e pelos cuidados de higiene, segurança e cuidados que devemos seguir”. 

Desde muito nova que começou a perceber que tinha “sensibilidade para a arte, enquanto forma de expressão”. Pelo que os seus pais lhe contaram, aos três anos desenhou uma bicicleta “perfeita” e, depois disso, foi sempre incentivada a seguir esse seu gosto transformado mais tarde “num amor primordial pela pintura”, o que a fez tornar-se pintora e retratista em óleo sobre tela muito cedo.

Aos nove anos surgiram as primeiras exposições de pintura, as primeiras entrevistas para jornais exatamente pelo facto de ser “demasiado jovem para os trabalhos a óleo que apresentava”. A tatuagem surge muito mais tarde, depois de já ter frequentado o primeiro ano da faculdade em enfermagem e de ter desistido por perceber que esse “não era o rumo que a preenchia”. Tem colecionado momentos “especiais” com as pessoas que tatua, já que  “quase todas as peles que marca são marcadas com significado”.

Interrogada sobre um dos momentos que mais a tenha marcado, Bárbara revelou já ter colaborado com a associação U.Dream, realizando o sonho de um jovem com cancro em fase terminal: “Nunca esquecerei que esse era o sonho que ele queria concretizar, nem a força da equipa que o acompanhava em prol de uma missão tão digna quanto a de concretizar sonhos. Tatuar alguém e ser tatuado é uma partilha profunda quando conseguimos emergir na história que carrega a tinta que entra na pele”, relembra.

Segundo Bárbara, são cada vez mais as pessoas “seniores” que procuram esta “arte” e “é delicioso perceber como as mentes vão abrindo, mudando e moldando em relação à forma como se vê a tatuagem”.

Fernando Dias, Especialista em remoção de tattos

A remoção/clareamento de tatuagens

À medida que o número de pessoas que desejam ver o seu corpo tatuado aumenta, também cresce o número de pessoas que desejam “livrar-se delas”: “Por mais que o nosso país esteja um bocadinho atrasado, a verdade é que houve uma evolução muito grande nos estilos e técnicas das tatuagens.

Agora, as pessoas começam a ver novos e diferentes trabalhos, muitas vezes percebem que têm tatuagens ‘mal feitas’ ou que já não fazem sentido, por isso optam por retirá-las, ou ‘substituí-las’”, elucida Fernando Dias, CEO da Piranha Global, co-fundador da Piranha Tattoo Studios e  especialista em remoção de tatuagens a laser, ao telefone com o i. Segundo o especialista, a grande maioria das pessoas que o procuram, fazem-no porque “não tiveram uma boa experiência” e existem dois caminhos possíveis: o de “clarear” e o de “remover”.

“Ao clarear, a pessoa está a abrir  possibilidades para fazermos outro género de trabalho; ao remover, a tatuagem desaparece toda”, esclarece, adiantando que “entre 100 clientes que nos procuram, 80 são para cobrir ou remover tatuagens”. As principais razões apontadas pelo CEO, prendem-se com a “troca de critérios”, no momento em que se decide marcar algo no corpo. “As pessoas olham muito para o valor a pagar, sem pensar que estão a pagar a qualidade de um trabalho que vai durar muitos anos. Mil euros é muito dinheiro? Para uma coisa dessas, não”, sublinha.

Por outro lado, o “impulso” pode correr mal: “Muitas pessoas procuram fazer tatuagens durante o verão, porque começam a ver as outras pessoas tatuadas e também querem”, apontou Fernando. Há também os casos em que as tatuagens “simplesmente deixam de fazer sentido”, ou por outro lado, por mais que não tenham deixado de fazer sentido, as ambições profissionais assim o obrigam.

“Em Portugal, são muitas as pessoas que optam por retirá-las por imposições profissionais. Por exemplo, por quererem empregar-se na GNR ou incorporar as Forças Armadas”, exemplificou. Segundo Fernando, as pessoas, “ao invés de olharem para a competência, olham para a aparência”: “Se vou a um médico não quero saber se ele é baixo, gordo, ou se tem bigode… Quero competência e profissionalismo”, sublinha.

No que toca ao processo em si, o tatuador explica que a ideia de que é bastante doloroso, não passa de um mito, sendo a dor muito idêntica à de fazer uma tatuagem. Divide-se em várias sessões e consiste na “explosão” das pequenas “cápsulas” de pigmento inseridas na pele: “O que o laser faz é entrar nessas ‘cápsulas’ e rebentá-las. Depois depende muito do metabolismo de cada pessoa”, clarifica.

Ainda dentro do processo, o especialista explica que há várias coisas a ter em conta, como é o caso da cor da tatuagem (que sendo colorida é mais difícil), se esta foi realizada por um profissional ou por um amador, os anos do pigmento, a zona onde está tatuada, o estilo, entre muitas outras coisas. 

Mariza Seita, Especialista na reconstrução de mamilos 

A tatuagem como símbolo de auto-estima

Mariza Seita é uma das caras mais conhecidas a nível nacional no ramo das tatuagens. A tatuadora que se descreve como uma “apaixonada pela gargalhada” e diz ter como missão de vida “espalhar boas vibes”, antes de se apaixonar pela prática da tatuagem, apaixonou-se pelas tatuagens em si: “Comecei a ter interesse nas tatuagens (mais nas tatuagens do que em ser tatuadora) desde muito nova e acredito que o facto de me ter dado com malta mais velha e alternativa, influenciou esse meu interesse”, explicou ao i.

Depois de ter feito a sua segunda tatuagem, pensou que seria capaz de “aprender a tatuar” e acabou por fazê-lo ao mesmo tempo que frequentava a faculdade, onde estava a tirar o curso de Escultura. Em 2015, abriu o seu estúdio em Lisboa, Ink&Wheels, sempre com a preocupação de criar um lugar “onde as pessoas se sentissem convidadas a entrar”.

Mas, ao abrir portas, não imperou apenas a vontade de “querer marcar na pele desenhos” e, uns tempos mais tarde, Mariza começou em busca de algo especial e que não fosse “muito praticado no nosso país”: “Sou uma pessoa curiosa porque gosto muito de pessoas e, ao procurar inspiração para a minha loja, deparei-me com um tatuador na Austrália que fazia reconstrução de mamilos a sobreviventes de cancro da mama. Pensei logo que seria algo interessante de se fazer em Portugal”, contou, acrescentando que sempre teve o objetivo de “trazer alguma novidade ao meio e ao mercado das tatuagens”.

Atirou-se então a uma pesquisa e ao estudo das técnicas para a reconstrução de mamilos e, durante esse processo, percebeu que se tratava de “uma intervenção relativamente simples”: “O mais importante é que o tatuador possua sensibilidade e algum sentido estético para que seja possível respeitar o tom e a forma dos mamilos.

O resultado final deve ser um mamilo uniforme que em nada seja diferente do outro”, elucidou. Quando se sentiu capaz de “meter mãos à obra”, a artista encontrou na mãe de uma amiga (sobrevivente do cancro da mama) a sua primeira cliente: “Não consigo explicar o que senti no momento em que a tatuagem ficou feita e ela a viu”, relembra.

Segunda Mariza, aquilo que para ela foi fácil de fazer, devolveu a autoestima àquela mulher assim que se viu ao espelho e, foi nesse momento que percebeu que não seria capaz de cobrar dinheiro por esse “serviço”. A iniciativa já faz cinco anos, contudo, apenas há dois é que Mariza teve consciência da importância e da procura existente: “As pessoas foram passando a palavra e isso foi chegando à comunicação social. Desde então tenho recebido muitos contactos, o que faz com que tenha uma lista de espera  de cerca de três a quatro meses para reconstrução de mamilos”, adiantou.