“Nem nos meus sonhos mais loucos”. É assim que John Textor, o empresário norte-americano envolvido na operação Cartão Vermelho, descreve o desenrolar dos últimos dias. Em declarações ao i, o milionário, apaixonado por futebol e que vê no Benfica um dos clubes “maiores”, conta a sua versão da história: confirma que a 19 de junho assinou dois contratos com José António dos Santos no sentido de vir a adquirir mais de 5 milhões de ações, uma participação de 25% na SAD do Benfica, mas recusa que o negócio estivesse fechado. Isto porque, com base nos estatutos da SAD do Benfica, artigo 13º, secção 4, qualquer entidade concorrente – entidades com participação em clubes ou com planos de a ter, como diz ser o seu caso – precisa de uma deliberação da assembleia-geral, o que até à data não se verificou.
É assim que justifica não ter sido comunicada da sua parte qualquer informação à CMVM, embora avance que enviou toda a informação ao regulador esta segunda-feira. As negociações, garante, foram só com representantes e mais tarde com o empresário mais conhecido com o rei dos frangos – “Mr. dos Santos para John Textor – recusando qualquer negociação com Luís Filipe Vieira. Se com José António dos Santos esteve pessoalmente, com Luís Filipe Vieira recusa revelar se houve um encontro na sequência deste negócio, justificando que foi aconselhado nos últimos dias a não se pronunciar sobre o presidente do Benfica enquanto decorre o processo: “Não seria apropriado”. Admite que “toda a gente” já se cruzou com Vieira, embora garanta que neste dossiê em particular não houve uma negociação com o líder do clube, que entretanto se autossuspendeu da liderança do clube.
O encontro no lobby de um hotel em Vilamoura Como o Nascer do SOL avançou este fim de semana, o negócio com um contrato de promessa e compra celebrado há cerca de três semanas é um dos elementos centrais que levaram o Ministério Público (MP) a desencadear a Operação Cartão Vermelho, de que resultou na passada quarta-feira a detenção em Lisboa do líder encarnado, agora em prisão domiciliária sujeito a uma caução de 3 milhões de euros.
A promessa de venda na altura não foi alvo de nota pública nem foi comunicada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Segundo o Nascer do SOL apurou, Textor adiantou um milhão de euros como sinal, por conta dos 50 milhões de euros que se dispôs a pagar pela participação de 25%. Os 25% da SAD vendidos ao norte-americano eram os cerca de 20% que estavam nas mãos de José António dos Santos e de Luís Filipe Vieira, mais à volta de 5% que entretanto – e segundo terá concluído a investigação – o presidente da empresa e do clube – considerado o cérebro da operação – incentivou o ‘Rei dos Frangos’ a adquirir junto dos empresários José Guilherme (conhecido construtor da região de Lisboa, que surgiu envolvido no caso BES/Ricardo Salgado, entre outros) e António Martins, da Quinta de Jugais (empresa de Oliveira do Hospital que produz cabazes de Natal).
John Textor diz que, segundo a informação de que dispõe, em causa nos dois contratos que assinou a 19 de junho com António José de Santos, e cuja informação remeteu entretanto à CMVM, estavam cerca de 3,8 milhões de ações do empresário e, num segundo contrato, 2,7 milhões de ações “que ele adquiriu o direito de comprar e vender-me”.
Confirma o pagamento de um depósito, mas não revela o valor, considerando que se trata de um sinal de confiança do interessado comum em qualquer negócio. Não revela também mais detalhes e valores dos contratos, justificando com confidencialidade mas reiterando a vontade em esclarecer cabalmente o assunto.
Invocando os estatutos da SAD do Benfica, diz que a regra “como a entendo, é que não é obrigatório comunicar até que seja elegível para comprar ações. Pela secção 4 do artigo 13º, eu não estou autorizado a comprar ações, por isso não estou obrigado a comunicar uma compra. Não há nenhum segredo nisto. O documento com o Sr. Dos Santos foi assinado no lobby do Hotel Four Seasons. Ninguém está a esconder nada. Mas não estou ainda autorizado a comprar as ações”, afirma.
Depois dessa assinatura, havia um prazo de 90 dias para concretizar o negócio e a situação ser colocada à assembleia geral do clube, o que até à semana passada não tinha acontecido, refere. Mediante o contrato assinado, o prazo é prolongável por mais 45, o que já estava previsto, e agora lhe dá tempo para avaliar a situação. A posição que assumiu ontem publicamente em comunicado, mantendo o interesse no clube mas sem fechar uma decisão – e sublinhando que a decisão está também nas mãos do Benfica.
“O que disse no meu comunicado é que estamos a saber mais a cada dia que passa, como o resto do mundo, e é por isso que quero saber mais e quero reservar-me ao direito de tomar decisões mais tarde com base no que vier a saber”, diz. “Tenho tempo no contrato que me permite avaliar. A justiça leva tempo mas isso não tem nada a ver comigo. Portanto tem a ver com o clube, quão rápido se organiza e se tem ou não interesse em ter-me como acionista. É com o Benfica”, diz, acrescentando estar “em choque” com o teor das informação publicadas nos últimos dias. “Com certeza que não gosto de que haja informação incorreta a ser divulgada por oficiais do governo ou pela imprensa. Não sei qual é a fonte. Quando a história passa a ser que Vieira estava a negociar comigo, isso não é verdade, nem remotamente. Desde o início só lidei com representantes do Sr. Dos Santos”.
Um empresário à procura de um clube para investir Como começou o interesse no Benfica? “Vivo no Sul da Florida, temos uma grande comunidade brasileira e o meu grupo de amigos inclui pessoas de Portugal. Um em particular, Paul Filipe: a família dele ainda vive em Portugal e foi com ele que comecei a minha academia de futebol, a FC Florida Prep Academy. Foi o meu principal sócio na academia, que fizemos para ajudar jovens. Não nos podemos envolver no futebol e não conhecer os maiores. Mas conhecendo o clube toda a minha vida, provavelmente comecei a prestar atenção ao Benfica mais especificamente em 2005, 2006.”
Foi já no último ano que começou à procura de oportunidades de investimento mas inicialmente o Benfica não foi a primeira opção, diz, recusando também que tenha havido qualquer abordagem direta do clube. “Há um cavalheiro que é banqueiro de investimentos em Londres e tenho trabalhado com ele durante os últimos anos a fazer pesquisas no mundo de futebol. No último ano, pedi-lhe para identificar oportunidades no futebol. Trouxe-me um conjunto de clubes em Inglaterra (tem sido noticiado o interesse no Christal Palace). Nas primeiras semanas em que me contactou, estava a par de outros investidores a negociar com o Sr. Dos Santos. Estava em Portugal por causa do clube mas não relacionado comigo, mas com outro investidores. Aparentemente algo caiu. Telefonou-me, perguntou-me se eu estava interessado e eu disse que sim.”
A ideia de investir noutros clubes permanece “Tenho interesse noutros clubes na Europa”, garante, para explicar por que motivo não poderia comprar ações do Benfica sem aprovação da assembleia-geral. “Nunca foi verdade que eu tivesse o direito de comprar ações sem aprovação. Se tiver um investimento num clube ou se tiver interesse em comprar ações num clube em Inglaterra ou França, a regra nos estatutos do Benfica pode cancelar a minha participação, por isso investia milhões de euros e não tinha nada. Ninguém faria isso”, diz.
“Não conheço as pessoas para tomar partido” “O meu plano era negociar com o Sr. Dos Santos e encontrar-me com a equipa de gestão e isso não aconteceu”, diz. Sem data prevista para uma reunião, revela que tinha viagem marcada para Lisboa para reunir mais informação na próxima semana e espera agora vir a Portugal nas próximas semanas. “Honestamente acho que o Benfica é uma organização grande e forte que mesmo que uma pessoa, por maior que seja, tenha um problema, vai continuar forte. Estou em choque com tudo isto, mas isto não tira nada ao Benfica. Só preciso de saber que há uma liderança estabelecida antes de eu fazer um investimento”, diz.
Sobre Rui Costa, diz que o admira como jogador, mas que não vai tomar partido e que confia que um clube sabe escolher as suas lideranças. “Não estou a dizer que não me interessa quem são os lideres, mas acredito que haverá uma boa liderança porque se não for ninguém vota nela.”
“Sou um auxiliador, não um controlador” Sobre o que implicaria a participação de 25%, diz que gostaria de envolver-se no clube mas não de assumir responsabilidades. “Compreendo o mercado dos EUA. Acredito que Benfica é massivo como clube mas economicamente limitado devido ao tamanho do mercado televisivo em Portugal. A minha empresa, FuboTV, foi das primeiras empresas de broadcast a transmitir a Benfica TV nos EUA. Acho que a marca Benfica, a academia Benfica, são geradores de receitas e de grandes jogadores. Acredito que o Benfica deve poder ter capital para manter os seus jogadores. Tem quatro jogadores no Manchester, e se ainda estivesse no Benfica? Acho que posso ajudar”, explica. Resumindo-se mesmo assim, como um “helper” – traduzindo, um auxiliador”. “Sou um 'helper', não sou um tipo que queira o controlo. Ninguém no seu juízo perfeito sendo um tipo de controlo compararia uma participação minoritária num negócio que estará para sempre na posse e controlo de outros.”