O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo…


… o que há é poucos alunos de STEM a dar por isso. Para já.


Por Francisca Simões, finalista do mestrado integrado em Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico

No dia 31 de Março de 1949, mais de 13 mil pessoas juntaram-se no Boston Garden para ouvir o discurso de Winston Churchill proferido por ocasião do dia da graduação do Massachussets Institute of Technology (MIT). Por esta altura, as feridas da II Guerra Mundial eram recentes e a devastação causada por alguns avanços científicos e tecnológicos, produto do esforço da guerra, estava ainda muito presente.

A Ciência tinha ido longe demais, com algumas das suas aplicações a serem usadas para fins bélicos, o que, entre outros assuntos, instigou a reflexão nesse dia. A certa altura, Churchill atesta que “nenhum conhecimento técnico pode superar o conhecimento das humanidades, no qual a filosofia e a história caminham lado a lado”, como que fazendo uma retrospectiva sobre o falhanço da década anterior – em que o recurso à técnica se sobrepôs a tudo e, ao invés de o promover, limitou o progresso.

As palavras do líder britânico serviram de catalisador e, em Dezembro de 1950, foi criada a Escola de Humanidades e Ciências Sociais no MIT – um bastião do Ensino de Ciência e Tecnologia dos Estados Unidos. A medida, à primeira vista algo contraintuitiva, pretendeu dar resposta a um mundo que se adivinhava cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo. Com efeito, havia que preparar a segunda metade do século XX de forma a antecipar e prevenir as catástrofes políticas, humanas e sociais que haviam marcado as primeiras cinco décadas.

Apesar de nos encontrarmos num contexto radicalmente diferente, a compreensão transversal das realidades, bem como o seu enquadramento histórico e cultural permanece uma necessidade para que possamos dar resposta aos desafios que nos são colocados hoje. A Agenda de 2030 da ONU definiu um conjunto de 17 objectivos que servem como meta para alcançar um desenvolvimento sustentável de países e populações. Estes objectivos são interdependentes e cobrem um conjunto de questões de foro económico, político, ambiental e social.

Entre os tópicos abrangidos estão, para mencionar apenas alguns, a erradicação da pobreza, a fome zero e agricultura sustentável, uma educação de qualidade, água limpa e saneamento, energia limpa e acessível, cidades e comunidades sustentáveis, consumo e produção responsáveis e acção global para uma mudança climática. Olhando em maior detalhe para cada um destes objectivos, torna-se cada vez mais evidente que só serão alcançados por via de um esforço científico e tecnológico fortemente enquadrado pela solicitações e complexidades políticas, culturais e económicas – e a procura destas soluções caberá, inevitavelmente, aos alunos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), futuros profissionais nas áreas que operarão estas transformações.

E é por isso que a aposta na inclusão de disciplinas de Humanidades, Artes e Ciências Sociais (HACS) em cursos de STEM faz sentido, hoje mais do que nunca. Restaurar a ideia clássica de uma Academia enquanto fórum do pensamento, enquanto espaço que promove o conhecimento e a inovação e os envolve na experiência social e humana circundante. A necessidade de formar cidadãos, mais do que especialistas, para um mundo globalizado, implica isso mesmo: assegurar as condições para que os estudantes possam ter uma formação técnica sólida nas suas respectivas áreas, contrabalançando estas aprendizagens com o espírito crítico e criativo de base humanista.

E é com tudo isto presente que o Instituto Superior Técnico se propôs a incluir, em todos os seus 1.os ciclos, 9 ECTS de HACS: 3 ECTS em unidades curriculares de Gestão ou Economia e os restantes 6 ECTS de opção completamente livre, em disciplinas que poderão ser frequentadas no Técnico, mas que serão, na sua vasta maioria, oferecidas por seis outras escolas da Universidade de Lisboa (ULisboa).

A proposta não é nova: no já mencionado MIT, os alunos de licenciatura de cursos científico-tecnológicos têm currículos compostos por aproximadamente 25% de disciplinas HACS – no Técnico serão apenas 5%. Apesar de se tratar de uma percentagem modesta, não deixa de ser um enorme salto na criação de um diálogo colaborativo entre a Ciência, a Tecnologia e o Humanismo – caminho este que conduz ultimamente ao progresso da Civilização.

Contudo, existem dois grandes desafios que se antecipam desde já. Por um lado, a questão logística na coordenação de horários e procedimentos académicos entre as várias faculdades envolvidas. Para a superar podemos aprender com um caso notável no seio da própria ULisboa: a licenciatura em Estudos Gerais, nascida em 2011, e que já coloca em prática a cooperação entre várias unidades orgânicas. O segundo desafio está ligado à mudança de mentalidade dos alunos das Engenharias.

Muitos deles procuraram no Técnico um refúgio de Matemática e Física, longe do Português e da Filosofia, obrigatórios no Ensino Secundário, pelo que a aceitação e reconhecimento da importância curricular das HACS poderá não ser evidente à primeira vista. Porém, em face das complexidades do mundo, talvez cheguemos à conclusão que serão estas as disciplinas que mais tempo nos acompanharão depois de terminarmos o curso. O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo(1) (o que há é poucos alunos de STEM a dar por isso – para já).

(1)Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa, Lisboa, Ática, 1944 (imp. 1993)

O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo…


... o que há é poucos alunos de STEM a dar por isso. Para já.


Por Francisca Simões, finalista do mestrado integrado em Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico

No dia 31 de Março de 1949, mais de 13 mil pessoas juntaram-se no Boston Garden para ouvir o discurso de Winston Churchill proferido por ocasião do dia da graduação do Massachussets Institute of Technology (MIT). Por esta altura, as feridas da II Guerra Mundial eram recentes e a devastação causada por alguns avanços científicos e tecnológicos, produto do esforço da guerra, estava ainda muito presente.

A Ciência tinha ido longe demais, com algumas das suas aplicações a serem usadas para fins bélicos, o que, entre outros assuntos, instigou a reflexão nesse dia. A certa altura, Churchill atesta que “nenhum conhecimento técnico pode superar o conhecimento das humanidades, no qual a filosofia e a história caminham lado a lado”, como que fazendo uma retrospectiva sobre o falhanço da década anterior – em que o recurso à técnica se sobrepôs a tudo e, ao invés de o promover, limitou o progresso.

As palavras do líder britânico serviram de catalisador e, em Dezembro de 1950, foi criada a Escola de Humanidades e Ciências Sociais no MIT – um bastião do Ensino de Ciência e Tecnologia dos Estados Unidos. A medida, à primeira vista algo contraintuitiva, pretendeu dar resposta a um mundo que se adivinhava cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo. Com efeito, havia que preparar a segunda metade do século XX de forma a antecipar e prevenir as catástrofes políticas, humanas e sociais que haviam marcado as primeiras cinco décadas.

Apesar de nos encontrarmos num contexto radicalmente diferente, a compreensão transversal das realidades, bem como o seu enquadramento histórico e cultural permanece uma necessidade para que possamos dar resposta aos desafios que nos são colocados hoje. A Agenda de 2030 da ONU definiu um conjunto de 17 objectivos que servem como meta para alcançar um desenvolvimento sustentável de países e populações. Estes objectivos são interdependentes e cobrem um conjunto de questões de foro económico, político, ambiental e social.

Entre os tópicos abrangidos estão, para mencionar apenas alguns, a erradicação da pobreza, a fome zero e agricultura sustentável, uma educação de qualidade, água limpa e saneamento, energia limpa e acessível, cidades e comunidades sustentáveis, consumo e produção responsáveis e acção global para uma mudança climática. Olhando em maior detalhe para cada um destes objectivos, torna-se cada vez mais evidente que só serão alcançados por via de um esforço científico e tecnológico fortemente enquadrado pela solicitações e complexidades políticas, culturais e económicas – e a procura destas soluções caberá, inevitavelmente, aos alunos de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), futuros profissionais nas áreas que operarão estas transformações.

E é por isso que a aposta na inclusão de disciplinas de Humanidades, Artes e Ciências Sociais (HACS) em cursos de STEM faz sentido, hoje mais do que nunca. Restaurar a ideia clássica de uma Academia enquanto fórum do pensamento, enquanto espaço que promove o conhecimento e a inovação e os envolve na experiência social e humana circundante. A necessidade de formar cidadãos, mais do que especialistas, para um mundo globalizado, implica isso mesmo: assegurar as condições para que os estudantes possam ter uma formação técnica sólida nas suas respectivas áreas, contrabalançando estas aprendizagens com o espírito crítico e criativo de base humanista.

E é com tudo isto presente que o Instituto Superior Técnico se propôs a incluir, em todos os seus 1.os ciclos, 9 ECTS de HACS: 3 ECTS em unidades curriculares de Gestão ou Economia e os restantes 6 ECTS de opção completamente livre, em disciplinas que poderão ser frequentadas no Técnico, mas que serão, na sua vasta maioria, oferecidas por seis outras escolas da Universidade de Lisboa (ULisboa).

A proposta não é nova: no já mencionado MIT, os alunos de licenciatura de cursos científico-tecnológicos têm currículos compostos por aproximadamente 25% de disciplinas HACS – no Técnico serão apenas 5%. Apesar de se tratar de uma percentagem modesta, não deixa de ser um enorme salto na criação de um diálogo colaborativo entre a Ciência, a Tecnologia e o Humanismo – caminho este que conduz ultimamente ao progresso da Civilização.

Contudo, existem dois grandes desafios que se antecipam desde já. Por um lado, a questão logística na coordenação de horários e procedimentos académicos entre as várias faculdades envolvidas. Para a superar podemos aprender com um caso notável no seio da própria ULisboa: a licenciatura em Estudos Gerais, nascida em 2011, e que já coloca em prática a cooperação entre várias unidades orgânicas. O segundo desafio está ligado à mudança de mentalidade dos alunos das Engenharias.

Muitos deles procuraram no Técnico um refúgio de Matemática e Física, longe do Português e da Filosofia, obrigatórios no Ensino Secundário, pelo que a aceitação e reconhecimento da importância curricular das HACS poderá não ser evidente à primeira vista. Porém, em face das complexidades do mundo, talvez cheguemos à conclusão que serão estas as disciplinas que mais tempo nos acompanharão depois de terminarmos o curso. O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo(1) (o que há é poucos alunos de STEM a dar por isso – para já).

(1)Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa, Lisboa, Ática, 1944 (imp. 1993)