Sempre que se fala do Chega, fala-se de André Ventura e dos suspeitos do costume. Ao tentarmos descobrir quem são os novos rostos na direção de Ventura, escolhemos, justamente, o mais novo.
Rita Matias é filha do ex-líder do Partido Pró-Vida/Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC), Manuel Matias, e, naturalmente, durante a conversa, não escondeu que o pai e a mãe são as suas referências. Preocupa-se, entre outras questões, em ampliar o debate público em torno da condição da mulher, dentro e fora da família, numa perspetiva conservadora.
Vamos começar por falar de escolhas: porquê o Chega?
Estou a concluir o meu mestrado em Ciência Política, e tinha uma visão um bocado crítica do fenómeno Chega, considerava que era uma réplica daquilo que andava a acontecer na Europa e nos Estados Unidos, mas, a certa altura, o Chega começou a fazer sentido para mim e na fase em que estava a viver, a concluir a licenciatura, já inserida no mercado de trabalho e a viver o fenómeno que 80% dos jovens vivem, de não estarem a trabalhar na sua área de sonho e de formação, e a confrontar-me com a questão de se teria de ir para fora do país para prosseguir os meus sonhos ou ficava em Portugal. Fiquei, com um salário mais baixo, sem capacidade para comprar casa, com um arrendamento que me sufoca. E decidi ficar em Portugal também porque surge este projeto e vejo aqui uma possibilidade de reivindicar todas estas questões.
Mas podia fazê-lo num outro partido, podia fazê-lo ao centro. Por que escolhe um partido tão radical?
Estava bastante desacreditada de outros modelos. Desde o liceu que ouvia o que diziam os outros partidos – na questão das mulheres, do arrendamento jovem –, mas, na prática, vinte anos depois, nada mudava e vi no Chega a oportunidade de começar um projecto novo, sem vícios.
Sem vícios? Se há coisas de que se acusa o Chega é de ter vícios, de uma certa linha discursiva de extrema-direita, e veja o seu caso, recentemente, caiu nas bocas do mundo devido a uma acusação de plágio.
Repudiei as acusações de plágio nas minhas redes sociais, onde pude falar do plágio como conceito e dos padrões associados à ideia de plágio. Submeti o meu discurso e o discurso da Giorgia Meloni numa plataforma de plágio e as nossas semelhanças discursivas são qualquer coisa entre 4 e 6%, não me parece que possa haver uma acusação de plágio. Se me inspiro na Giorgia Melloni ou na Rocío Monasterio? Sim, e bebo aí muitas das minhas ideias, mas também as vou beber ao meu pai, à minha mãe, que foram as pessoas que vi batalharem por questões que me movem e que me trazem até à política. E inspiração é diferente de plágio.
Assume que não há plágio, há inspiração. Mas a Rita está na academia, a concluir o mestrado, e se há coisa que é cara aos académicos são as questões de plágio, tem aí uma responsabilidade acrescida, e isso não a incomoda?
Incomoda, por isso é que tive necessidade de o justificar. Houve muita gente que achou que não era necessário, que não passava tudo de perseguição, mas eu não gosto dessas narrativas de vitimização. Qualquer político tem de estar preparada ao escrutínio público, e isso é necessário, é o que os jornalistas fazem, o que o povo faz, e é importante. Quando somos confrontados com algumas situações temos de ser claros e dizer que é natural que pessoas que comungam dos mesmos valores e que se identificam com uma direita europeia, que se afirma cada vez mais, é mais do que natural que tenham as mesmas expressões e que a construção do discurso seja muito semelhante. Até em conversa com alguns professores, eles me diziam que basta ouvir os discursos do Viktor Orban, do Matteo Salvini, do André Ventura ou de Marine Le Pen e todos eles têm ideias comuns. O que não acontece só na direita, se formos olhar para a esquerda temos atores políticos que partilham das mesmas ideias e das mesmas frases, e não o fazem para roubar – porque o plágio é uma acusação de roubo da propriedade intelectual de alguém…
Está a dizer-me que a extrema-direita tem um discurso comum e que só reproduziu aspetos desse discurso comum. Vou desafiá-la a dar um salto no tempo, onde é que se imagina daqui a… cinco anos?
Não sei. Costumo olhar para mim a confrontar-me com objetivos mais pequenos, de ir conquistando pequenas coisas, por agora gostava de introduzir no debate político toda esta discussão do que é o papel da mulher e da família em Portugal numa perspetiva conservadora.
Já lá iremos a essa ideia do papel da mulher e da família e do viver habitualmente salazarista, num tempo em que as mulheres mais independentes eram consideradas galdérias. Antes disso, o que é que separa aquilo que é essencial para si e no seu discurso de, por exemplo, Marine Le Pen, para além do facto de serem de gerações distintas?
Um ponto em comum que temos é uma visão securitária da Europa, de uma Europa de nações e da necessidade que temos de voltar a afirmá-lo. Acho que isto é que une. Marine Le Pen não é das políticas europeias em quem mais me revejo, obviamente que faz um trabalho notável, é uma liderança feminina, e temos ainda a sobrinha, com quem me identifico muito mais. Mas nesta questão, da forma como ela olha para a Europa, para França, e para a necessidade de preservar a identidade nacional, sem dúvida que comungamos dos mesmos valores, apesar de reconhecer que os desafios que a França vive não são os mesmos que Portugal vive.
Quem são os seus políticos de referência na Europa?
Alguém que esteve cá recentemente, o Matteo Salvini, sobretudo no que toca à afirmação dos valores judaico-cristãos, que é para mim a matriz da Europa e da civilização europeia, e a Rocío Monasterio e o Santiago Abasval, apesar de não estarmos na mesma família europeia revejo-me a 200% no seu discurso e na forma como fazem o seu trabalho.
Vamos falar de famílias políticas da direita europeia, vamos falar das diferenças entre o Identidade e Democracia e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).
Tem a ver sobretudo com a questão identitária. O Identidade e Democracia percebe o problema que a Europa vive, da perda de soberania dos países, e percebe que é necessário reafirmar esta identidade nacional.
Como se consegue conciliar os valores identitários mais conservadores, a ideia de Estado-nação, com a solidariedade europeia?
A solidariedade não pode representar uma perda de identidade…
Mas porque tem de representar?
Lá está, não tem de representar, e é essa a questão que eu gostava de ressalvar, e o Chega até tem uma posição mais moderada do que algumas das pessoas dos partidos da nossa família europeia, porque não se concebe fora da União Europeia. Agora, uma presença colaborativa, solidária, não pode representar uma perda de soberania em algumas questões.
Na sua opinião, em que é que Portugal está a perder soberania?
Não sou super aprofundada no tema, mas, por exemplo, no caso das pescas, e venho de uma cidade onde a pesca é fundamental, é um meio de sustento de muitas famílias, perdemos nas pescas uma oportunidade para corresponder a quotas europeias…
Mas não lhe parece que se o Chega levar o seu projeto negocial para Bruxelas, e da forma como o desenvolve ainda nesta fase de crescimento do próprio partido, que isso nos situaria numa situação complicada, na mesma posição em que está a Hungria de Viktor Orban? E não sendo Portugal um país que tem grande peso no espaço europeu arriscava-se a não ter peso nenhum?
Portugal não tem esse peso porque deixamos de investir em Portugal, obviamente que com o tamanho que temos não seríamos uma superpotência europeia, mas poderíamos estar noutra posição que não a cauda da Europa, neste momento fomos ultrapassados por todos os países…
A Rita é tida como pessoal e intelectualmente bem formada, não lhe custa, por vezes, ver o seu partido usar jargões que sabe que não correspondem à verdade?
Nem eu defenderia qualquer coisa que não fosse a verdade, procuro sempre ser fiel à verdade. Sim, depende dos indicadores que estivermos a ver, mas a nossa economia não cresce há 20 anos. Eu costumo brincar e dizer que o último ano em que a economia portuguesa cresceu eu tinha dois anos de idade, e isto não é um jargão. Obviamente que na Europa teremos países piores do que nós, mas também temos outros países que, comparativamente, se desenvolveram mais do que nós.
Acredita mesmo que a economia em Portugal não cresce desde os seus dois anos?
Acredito. Basta olhar para a recentemente conferência do MEL (Movimento Europa e Liberdade), foi das frases mais repetidas em todos os painéis, é uma ideia que é comungada por muitas pessoas para além das pessoas do Chega.
A direita diz que há 20 anos que a economia não cresce, logo, quando a direita for poder vai fazer com que a economia cresça, mas nos últimos 20 anos, Portugal não foi só governado por partidos de esquerda.
É verdade. Mas também não posso responder por uma direita de que não fazia parte. Penso que, e ainda assim, no período que vivemos da troika e de austeridade, a direita veio corrigir erros anteriores.
Quer dizer que olha para o Governo da PAF, do PSD/CDS, como um Governo que fez um bom trabalho?
Na medida do possível…
Então porque não foi para o PSD?
Porque não me revejo nos valores e também nesta incoerência que eles têm, às vezes são de direita, outras vezes são de esquerda, há uma crise de identidade no PSD, e penso, sobretudo, que o PSD se está a demitir de ser oposição, e a oposição em democracia é essencial para a qualidade da mesma. O Governo, até para fazer um melhor trabalho, necessitava de uma oposição forte, lamento que não haja essa figura no PSD, e acaba por ser o André Ventura a reclamar para si essa figura de oposição. Acaba por fazer um escrutínio muito maior do que aquele que o PSD faz.
Numa perspetiva conservadora da família, aquela que defende, qual é o papel da mulher?
O papel da mulher é o papel que a mulher quiser ter. Há bocado falava sobre o papel da mulher no Estado Novo, deixe-me que lhe diga que não estaria aqui se acreditasse que esses modelos de sociedade são modelos atuais, hoje em dia, a mulher está perfeitamente integrada no mercado de trabalho, tem uma vida social perfeitamente normal, e tal como disse, não é por ser ativa que é uma galdéria, mas gosto dizer isto: a mulher pode ser o quiser. Tão depressa pode ser mãe, só mãe e dona de casa e não ter uma carreira profissional, ter uma oportunidade de cuidar dos filhos sem ter de viver miseravelmente, como pode querer ter uma carreira profissional bem-sucedida e ser mãe. Tenho 22 anos e trabalho desde os 19, e em todas as entrevistas de emprego que tive perguntaram-me sempre se quero ser mãe, até que ponto é que isso tem de ser relevante para uma entidade empregadora?
Não teme que uma visão mais conservadora da família possa acentuar ainda mais esse tipo de questões, ou seja, que em futuras entrevistas haja ainda menos pudor para perguntar a uma mulher se quer ser mãe?
Penso que não, aliás, penso exatamente o contrário. Penso que a família devia ser normalizada. É perfeitamente normal que eu queira ser mãe, queira casar e ter filhos…
Diria que nas sociedades contemporâneas as mulheres são ainda o que conseguem ser, e é isso que faz delas o que elas querem ser. Numa visão mais conservadora da sociedade não podemos assistir a um retrocesso?
Não deveria ser um retrocesso, porque penso que não há missão mais nobre do que cuidar dos nossos filhos, mesmo que ainda não seja esse o meu projeto, acho que tem de haver liberdade para as pessoas fazerem as suas escolhas, sei de mulheres que querem ser mães a tempo inteiro, dedicar o seu tempo à educação dos seus filhos, e vejo as dificuldades e as impossibilidades que têm.
O que traz de novo ao discurso político?
Por exemplo, a questão da maternidade, que é um dos graves problemas de Portugal. Foi noticiado que em janeiro e fevereiro Portugal registou o número mais baixo de nascimentos, e não é preciso pensarmos muito sobre isso, eu não quero ser mãe agora, também porque sou muito nova, e também porque não tenho condições para ter um filho.
Está a dizer-me que o seu partido, que foge como o diabo da cruz de tudo o que é subsidiação, admite a possibilidade de haver um subsídio acrescido à maternidade? E quando faz essas propostas, o seu partido leva-a a sério?
Leva. Temos uma visão, que vai ser agora reafirmada no novo programa político, de um Estado subsidiário. Ao contrário de uma visão de um Estado liberal, em que a intervenção na economia é quase nula, temos uma visão de um Estado subsidiário que deve intervir onde é necessário, onde a iniciativa privada não consegue intervir. E não vai haver financiamento de privados para a maternidade. É aí que o Estado deve intervir e reconhecer linhas prioritárias. Não concebemos a passagem de um oito para o oitenta, de repente, de um Estado que se dilui, que desaparece e que deixa os cidadãos completamente desamparados. Até porque Portugal é um país em que os subsídios estão muito presentes na vida dos cidadãos. Até, internamente, é importante que no Chega se perceba que não se pode passar de um oito para o oitenta, e o André Ventura fala muito de uma fase de transição que tem de ser feita. Mas não tenho vergonha…
… sendo que o discurso de André Ventura não reflete essa ideia.
Vai refletindo. Vamos lançar o novo programa político, no primeiro fim de semana de julho, e este programa espelha precisamente isto que lhe estou a dizer, o de uma economia subsidiária, um conceito que vem consagrado no discurso da Igreja Católica, lançado pelo Papa João Paulo II.
Estamos a falar da doutrina social da Igreja, do humanismo integral e solidário. Falemos então do novo programa do Chega: o que traz de novo?
Para começar traz esta questão do Estado subsidiário, e que nos distingue da Iniciativa Liberal, e vem afirmar também valores, o programa está todo ele espelhado – quer na economia, quer numa visão da sociedade – com base num conjunto de valores, em olhar o homem e reconhecer a dignidade do homem em todas as fases da vida, em quaisquer circunstâncias, clarifica muitos dos mitos que havia no outro programa e mostra alguma evolução natural do partido.
O Chega continua a ser pró-vida e contra a eutanásia, presumo?
Sim, continuamos a defender as questões da vida e do respeito pela vida humana desde a conceção até à morte natural. Apesar de haver outras sensibilidades no partido que não partilhem das mesmas ideias.
E como têm conciliado até agora essas diferentes sensibilidades?
Acima de tudo, todas as pessoas que estão no Chega têm um testemunho pessoal e têm um motivo pelo qual dizem chega! E esse motivo acaba por ser mais forte do que qualquer sensibilidade. Dentro do Chega, uma das coisas de que se fala muito são as diferenças religiosas. No próprio Congresso de Coimbra discutiu-se se o Chega devia ser mais laico ou menos laico.
E o que saiu do congresso foi um partido menos laico.
Acha? Não fiquei com essa perceção. Aliás, até o discurso do Matteo Salvini, a falar muito desta recuperação dos valores judaico-cristãos veio afirmar uma defesa dos valores cristão, o que não se prende necessariamente com preponderância de um catolicismo ou de um cristianismo evangélico, que também é uma grande corrente, mas de olharmos para pontos comuns. Temos é o reconhecimento que a cultura judaico-cristã é fundacional da civilização europeia.
Mas voltemos atrás, qual é a sua motivação pessoal para dizer chega?
Foi perceber que enquanto jovem estou sujeita a um círculo, eu e toda a minha geração e uma geração anterior, de que acabamos os estudos, estamos em condições laborais precárias, não conseguimos adquirir casa – é essa a minha experiência pessoal, isto é um pouco autobiográfico, tentei comprar uma casa e não me foi concedido um empréstimo, sou considerada um risco para a banca porque tenho um contrato de trabalho que acaba daqui a quatro anos – e isto deixa-nos em posições de desconforto, porque, então, tenho de arrendar uma casa e o arrendamento é muito caro tendo em conta o que eu ganho. Estou aqui num círculo vicioso, eu e toda a minha geração. E também a forma como olho para a mulher, sentia a falta de ver defendida a forma como se olha para a mulher na família e também fora da família.
Entretanto, vai para um partido unipessoal, que ainda não tem uma dimensão eleitoral e já tem várias tendências efervescentes consolidadas por uma liderança, isto não a assusta?
Pelo contrário, olhando para outros partidos também reconheço várias tendência, por outro lado, acho que isto traz qualidade ao programa do Chega, porque, efetivamente, se houvesse só uma corrente seria perigoso, porque não representaria a sociedade, e o que eu aprecio no Chega, e que gosto muito de frisar, é que no partido em que estou podem estar sentados à mesma mesa o académico, o empresário bem-sucedido da grande de Lisboa ou grande Porto, muito rico, e o simples agricultor, em dificuldades económicas. E todos se sentam à mesa e todos podem ter uma voz ativa, e aquilo que pode ser assustador pelas diferenças ideológicas, pelas diferenças de visão do que querem que seja o futuro de Portugal, para mim é um garante de qualidade, e sinto que é o Chega é o partido mais popular que existe.
É um partido populista, nós sabemos. Mas vamos falar um pouco mais do novo programa do Chega, que vem com esse compromisso de um Estado subsidiário. O partido, e o programa vai refletir isso, já percebeu que há áreas em que o Estado não pode deixar de intervir. E quais são?
No ponto de vista da Educação e da Saúde, as pessoas pensam que o Chega quer eliminar o Serviço Nacional de Saúde, quer acabar com a Escola Pública, e não é isso que o Chega diz. Queremos enquadrar a questão do Estado subsidiário, que é perceber onde os privados podem corresponder, boa; onde não for possível, é claro que o Estado tem de corresponder porque, acima de tudo, o que não é possível, nem concebível, em pleno seculo XXI, é termos cidadãos sem ter acesso a uma consulta…
E quanto à reforma fiscal à moda do Chega, de um imposto único…
Volta a ser recuperada e clarificada, mas estou a falar fora da minha área.
Vamos então para a sua área, como é que tudo isto é enquadrado ideologicamente?
Identifico mais o Chega com a direita radical do que com a extrema-direita, não encontro extremismo nas nossas propostas. Costumo mesmo perguntar: qual é a nossa proposta extremista? Aliás, há uma frase um bocadinho cliché, que é quando se diz que o Chega é um partido não extremista mas de extrema necessidade. Falemos da castração química, há anos que vejo ser discutida a questão da pedofilia, da violação, do assédio – questão que me incomoda profundamente – mas depois, e do ponto de vista prático, não vemos nada a acontecer, vemos sempre uma condenação, mas não temos agravamento de molduras penais, não temos penas efetivas. Acredito que nem todos concordem com a castração química, mas concordarão que é necessário voltarmos a discutir as penas que temos. E fico satisfeita se, pelo menos, conseguirmos agravá-las.
Mas acha que são molduras penais que vão pôr fim aos comportamentos desviantes, a patologias?
Não, acho que não, mas por isso mesmo é que é necessário falarmos de valores e apelarmos ao respeito da dignidade humana. A questão da pedofilia e da violação são um atentado à dignidade de uma pessoa. Mas, e relativamente às molduras penais, gostaria de acrescentar que uma pessoa que comete um crime em Inglaterra sente muito mais responsabilidade porque sabe que pode ter uma pena efetiva, e em Portugal vemos penas a serem suspensas.
Já fez a comparação entre os índices de criminalidade em Portugal e no Reino Unido?
Sim, Portugal é um país bastante seguro, mas, e independentemente da segurança que temos, temos criminalidade, e não a podemos ignorar, por exemplo, no que toca a violência doméstica, à violência contra as mulheres, em que não vemos medidas efetivas.
Sendo tão jovem, não sente nenhum incómodo em estar num partido que acolhe camadas tão ressentidas da população portuguesa?
Sabe, poderia sentir-me incomodada, mas o que é facto é que me sinto lisonjeada por poder fazer parte de um projeto que vem dar voz a pessoas que nunca tiveram voz, ou a pessoas que até a tiveram e que se sentem profundamente magoados e esquecidas. Para alguém da minha idade estar a fazer parte tão ativa de um projeto como este é uma honra, isso e passar por pessoas na rua que me dizem que não podem dar a cara por este projeto porque depois têm represálias a nível laboral ou a nível familiar, mas que se reveem em mim, profundamente.
É curioso, porque quando nos revemos profundamente num projeto não devemos ter medo de o abraçar, não nos devemos sentir intimidados por participar nele, sabe que foi isso que os militantes do PCP fizeram durante a ditadura salazarista. Mas, e já agora, o que é que a Rita diz a essas pessoas?
Digo que compreendo perfeitamente, porque vivo na pele muitas dessas questões. No dia em que assumi um lugar na direção do Chega, no meu local do trabalho tinha vários recados para mim e os meus colegas saíram do gabinete, e eram pessoas com quem tinha uma boa relação, saíram e eu fiquei sozinha, tive muitas pessoas que me removeram, aliás, depois desta última notícia, recebi mensagens de ódio e a desejarem-me a morte, de coisas absolutamente assustadoras e difíceis de lidar, percebo quando as pessoas dizem que têm receio, a pressão a que estamos sujeitos e o discurso do ódio a que estamos sujeitos, e por mais que digam que nós é que somos os promotores do discurso de ódio…
… temos de concordar que o discurso de ódio se acentuou nos últimos anos e sabemos exatamente de onde é que partiu, partiu dos extremos e o Chega não é alheio a esse fenómeno.
Percebo essa acusação, mas para o Chega este discurso é uma resposta a discursos que já existiam e que não tinham o contrapeso. Mas assusta-me profundamente este discurso e, acima de tudo, esta semana – e isto está muito fresco para mim – recebi mensagens de vários jovens a dizerem-me que é por isto que não dão a cara pela Chega, por este escrutínio e esta perseguição, nas palavras deles, porque eles querem ter casa e querem ter um emprego. Temos pessoas no partido que perderam o emprego. E isto para mim faz-me questionar a liberdade que temos e até a qualidade da democracia que temos.
O que tenciona o Chega fazer para diminuir o discurso de ódio sendo que se alimenta dele?
Falou da luta antirregime que muitas pessoas tiveram, esta frase não é minha – e agora tenho de ter sempre imenso cuidado! – não sei quem a disse, ouvi no MEL, alguém que disse que estes novos antifascistas e ‘anti-Chega’ envergonhariam muito dos que combateram e deram a sua vida pela luta da democracia e da liberdade. A minha geração são estes novos anti-fascistas que mais parecem uma nova real censura.
Não a incomoda estar num partido liderado por um homem, em que André Ventura é quem pensa, decide e fala?
Não me incomoda, na medida em que me revejo bastante no que André Ventura pensa e diz, e acho que ele é, sem dúvida, um dos melhores políticos da III República, mesmo quem não gosta dele tem de lhe reconhecer a capacidade de trabalho, de oratória, de preparação. Não tenho receio em ter uma liderança como a dele.
Também não a incomoda o facto do seu partido, nas redes sociais, estar tão ligado aos chamados trolls?
Incomoda-me que esteja, há uma escalada de um discurso cada vez mais agressivo, mas não consigo responsabilizar o Chega por isso.
Acha que o discurso de André Ventura tenderá a ser mais conciliador ou manterá a sua radicalização e extremismo, o tal que tem dificuldade em reconhecer?
Acho que a tendência, até porque o Chega se vê como um partido de governo, e se inicialmente teve um discurso de rutura, para romper efetivamente com o sistema, terá de caminhar no sentido conciliador, agremiador das várias sensibilidades…
Vamos ter um novo Chega? Como não tem uma matriz ideológica muito marcada, é possível.
Não. As pessoas têm muita expectativa relativamente ao novo programa do partido, mas o novo programa é uma clarificação do programa antigo. Não vamos ter o Chega a virar ao centro ou à esquerda. André Ventura costuma dizer que não se pode moderar naquelas que são as suas bandeiras, não teremos uma moderação, vamos ter uma clarificação.
O discurso do Chega é um discurso pastiche da direita radical europeia?
Acho que é um discurso próprio, mas haverá sempre pontos comuns e visões idênticas, as direitas europeias não são super unidas, mas todas se beneficiam umas há outras, o Vox não está na mesma família do Chega, mas o crescimento do Vox faz com que o Chega tenha um olhar mais atento e vice-versa. Não há réplica propositada, nem o André Ventura é um oportunista. Quando o conheci acreditei no projeto do André Ventura porque só um louco é que estaria disposto a dar a sua própria vida – e André Ventura corre risco de vida, muitas vezes…
… não acha que isso está a ser teatralizado, dramatizado?
Não, faço o acompanhamento das redes sociais do André Ventura e do partido e as ameaças de morte são autênticas. Acompanhei a caravana presidencial, em Setúbal, o André Ventura foi agredido com uma pedra, eu fui agredida com um ovo, não é mera brincadeira. É um risco sério.
Também se sente ameaçada?
Sim. E não me sentia até há uma semana.