Os líderes das democracias mais ricas do planeta – o G7, ou seja, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, Japão e Canadá – reuniram-se na Cornualha, no sudoeste de Inglaterra, com vista para o mar, mas falaram sobretudo da China, da sua ascendência económica e geopolítica. As resoluções da cimeira iam nessa direção, do anúncio de uma iniciativa dos G7 chamada Build Back Better World – suposto contraponto à Nova Rota da Seda chinesa, um dos maiores projetos de infraestrutura da história da humanidade – às iniciativas para diminuir o uso de carvão, o combustível com maior emissão de gases com efeito de estufa, crucial para a economia chinesa, passando pela condenação aos abusos de Pequim contra os uigures.
No entanto, se a China foi um tema constante nas entrelinhas, com o Presidente Joe Biden a tentar convencer os seus aliados a montar uma frente unida contra Pequim, entre os G7 continuaram a haver divergências sobre se têm pela frente um rival ou um potencial parceiro.
O Reino Unido, França – que vê o seu poderio no continente africano desafiado pela crescente presença económica chinesa – e Canadá alinharam rapidamente com Biden, contou uma fonte em Washington à France Press, mas Alemanha e Itália mostraram-se hesitantes, bem como os representantes da UE.
Certamente não ajudou que, pelo meio, o Presidente francês, Emmanuel Macron, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tivessem a sua própria crise diplomática bilateral, com o Brexit como contexto. Macron salientou que a Irlanda do Norte está geograficamente separada da Grã-Bretanha, durante uma discussão sobre a venda de salsichas britânicas, segundo esclareceu o Eliseu à BBC, o que não caiu nada bem. Boris ficou furioso, dizendo que os líderes europeus tinham de “meter na cabeça” que o Reino Unido é “um único país”, segundo o Telegraph – a discussão sobre a questão irlandesa é sempre um tópico sensível entre britânicos.
Ao mesmo tempo, a postura de Biden ajudou a sarar feridas nas relações entre Washington e os seus aliados mais próximos, após quatro anos com Donald Trump na Casa Branca, considerou Macron, dizendo aos jornalistas que “é ótimo ter o Presidente dos EUA como parte do clube”. Se isso chega para enfrentar a ascendência da China – que lembrou que “já lá vai o tempo em que as decisões globais eram ditadas por um pequeno grupo de países”, através da sua embaixada no Reino Unido, citada pela Reuters – é outra questão.
Propaganda? Ainda não é claro exatamente o que será a Build Back Better World, apenas que pretende responder à necessidade de 40 biliões de dólares (mais de 30 biliões de euros) em infraestrutura nos países em desenvolvimento, segundo as contras da Casa Branca.
Os G7 prometem a iniciativa será “motivada por valores, com elevados standards e transparente”, apostando nas energias verdes, em aparente contraponto à Nova Rota da Seda – que tenta ligar Pequim à Europa e África, através da Ásia Central e do Pacífico e que já financiou uns 2600 projetos numa centena de países, avaliados em mais de 3 biliões de euros.
Boa parte dos investimentos chineses no setor energético foram em projetos à base de carvão, levando eletricidade a milhões de pessoas em países em desenvolvimento. Os G7 querem contrabalançar isto com incentivos financeiros a países que optarem por energias verdes. Mas ativistas consideram que verbas são insuficientes, continuando por cumprir a velha promessa de um apoio de 100 mil milhões de dólares anuais dos países desenvolvidos à transição verde de países em desenvolvimento.
O Build Back Better World “parece ter falta de peso para se equiparar à sua retórica ambiciosa. Não há nova infraestrutura abrangente para a empurrar. Nem é claro que Biden e outros líderes do G7 tentem ou consigam obter fundos substanciais dos seus governos”, notou o Economist. Descrevendo o projeto como mero “elemento de propaganda na luta entre China e América pela afeição dos países em desenvolvimento”.