Urge um discurso verdadeiramente democrático e convincente sobre a corrupção


Um discurso democrático eficaz sobre a corrupção tem, sem simplismos demagógicos, de abordar as causas políticas, sociais, culturais e económicas que lhe são subjacentes.


Como era previsível, a questão da corrupção tornou-se incontornável, em função dos processos criminais que correm e ante o novo ciclo eleitoral que se avizinha.

Por via da predominância político-mediática desta questão, discutem-se menos, entretanto, questões sociais tão importantes como as da pobreza, da desigual distribuição da riqueza, da habitação social ou da falta dela e das condições da existente, da saúde pública, do trabalho, das condições de trabalho e, mormente, as do teletrabalho.

Destacada, a seco, do sistema político, económico e social onde realmente se desenvolve, a discussão – sempre pertinente – da corrupção comporta, todavia, riscos políticos ainda pouco percetíveis, mas já adivinháveis.

Há, na verdade, muitos discursos a correr sobre a corrupção.

Uns mais político-institucionais, outros mais jurídico-penais e outros, ainda, que – amalgamando tudo e pouco interessados estando realmente nela – visam, apenas, explorar demagogicamente o assunto e denegrir o sistema democrático.

Os discursos institucionais mais correntes, que não anseiam expor e compreender as raízes da mais importante corrupção existente – aquela que se desenvolve no seio do Estado e por causa das ligações que este estabelece com o sistema económico e o setor privado atuais – centram-se, geralmente, em medidas de natureza financeira e técnico-administrativa de caráter preventivo.

Não analisando, nem procurando encontrar, no entanto, alternativas políticas, económicas e organizativas para o tipo de relações que o Estado atual desenvolve – por opção política nacional e, sobretudo, europeia – com o setor privado, estes discursos, mesmo quando tecnicamente corretos, arriscam-se, sempre, a ser entendidos pelos cidadãos, sobretudo como paliativos e, verdadeiramente, como pouco interessados na resolução do problema.

Em todo o caso, mesmo neste âmbito, medidas há, como as sugeridas pelo ilustre advogado Magalhães e Silva – a introdução de plataformas digitais públicas de consulta aberta para conhecimento generalizado dos contratos firmados entre o Estado e os privados -, que podem conferir uma transparência inovadora.

A existência de tais plataformas digitais, facilmente consultáveis por todos, pode, com efeito, ajudar a reduzir a margem de desconfiança nas instituições democráticas, que outros, a pretexto da corrupção, querem, sobretudo, debilitar e destruir.

Acontece que tal medida não bastará se – como comprovei ao longo da minha carreira no Tribunal de Contas – tais contratos estiverem redigidos de forma aparentemente ininteligível, importando, para entender o seu objeto, que se somem esdrúxulas adendas e léxicos complementares que, só cruzados, como num código secreto, permitem alcançar o seu real significado.

Um contrato, por mais técnico que seja, deve poder ser sempre compreensível, no essencial, por um qualquer cidadão com o ensino obrigatório cumprido.

Existem, depois, os muito técnicos, e especificamente jurídicos, discursos sobre a eficácia dos instrumentos penais e processuais penais dedicados a penalizar mais efetivamente os crimes de corrupção e a conseguir recuperar alguns dos proventos, através dela realizados.

Desligados, em muitos casos, da envolvente constitucional democrática que, imperiosamente, os deveria iluminar, tais discursos, enfatizando quase sempre a eficácia em detrimento das garantias e das liberdades cívicas, conduzem, gradualmente, aos objetivos daqueles que sobre a corrupção só dissertam para desestruturar e desacreditar a Democracia e o Estado de Direito.

Como aconteceu com o discurso sobre o «direito penal do inimigo», a propósito do terrorismo, a revolução que preconizam no direito penal e no direito processual penal democráticos tende a desvirtuá-los como um todo e a abrir portas a regimes jurídico penais, no mínimo, antiliberais.

Existem, por fim, os discursos demagógicos – os mais mediaticamente apetecíveis – que, misturando interesseiramente o que de mais reducionista existe nos dois tipos de discursos antes referidos, alcançam, pela sua simplicidade aparente e eloquência balofa, grandes audiências e surtem, por isso, efeitos perigosíssimos para Democracia e os seus direitos e garantias.

Um discurso democrático autónomo, eficaz e abrangente sobre a corrupção exige-se, portanto.

Este – sem nunca dever deixar de abordar todas as medidas técnicas sobre a transparência dos contratos, a sua inteligibilidade e o seu controlo prévio de legalidade e economicidade e, bem assim, sem nunca deixar de procurar aperfeiçoar as normas penais e processuais penais referentes aos crimes de corrupção – não pode ser puramente técnico e politicamente neutro e tem, por isso, de ir mais longe e procurar ser, necessariamente, mais metodológico.

Sem simplismos demagógicos, um discurso democrático sobre a corrupção tem de abordar com clareza as causas políticas, sociais, culturais e económicas que lhe são subjacentes e aproveitar para mudar a agulha ideológica do discurso prevalecente que, sobre este tipo de criminalidade, só está orientado e, verdadeiramente, só serve hoje quem sustenta soluções securitárias e antiliberais.

São as conquistas da democracia e a participação popular na coisa pública que devem ser realçados em tal discurso.

A corrupção é, com efeito, menor em países onde a literacia é maior, pois o controlo público dos atos que geram despesa, e até receita pública, é mais acessível e generalizado.

A corrupção é, também, menor nos países onde são mais respeitados os direitos cívicos, pois, neles, a sua denúncia pública não é ameaçada e sancionada pelos poderes prevalecentes que dela aproveitam.

A corrupção é, ainda, menor nos países onde há menos pobreza, pois, nestes, os cidadãos, por mais autónomos e livres, são menos ludibriáveis por via das fáceis, mas quase sempre falsas e diminutas vantagens brindadas pelos corruptores e corrompidos aos que lhes facilitam a vida.

A corrupção é, por fim, menor nos países onde a Administração Pública é servida por funcionários com verdadeiras e sólidas carreiras públicas e que, por isso, não estão dependentes de favores políticos ou económicos circunstanciais; funcionários que se assumem como profissionais responsáveis por si próprios e capazes, portanto, de, escrupulosamente, respeitarem e a todos fazerem respeitar a lei; funcionários que estão, ou devem estar, interessados somente na observância do interesse público e do bem comum.

A corrupção é, verdadeiramente, menor, enfim, nos países mais democráticos política, social, cultural e economicamente.   

Urge um discurso verdadeiramente democrático e convincente sobre a corrupção


Um discurso democrático eficaz sobre a corrupção tem, sem simplismos demagógicos, de abordar as causas políticas, sociais, culturais e económicas que lhe são subjacentes.


Como era previsível, a questão da corrupção tornou-se incontornável, em função dos processos criminais que correm e ante o novo ciclo eleitoral que se avizinha.

Por via da predominância político-mediática desta questão, discutem-se menos, entretanto, questões sociais tão importantes como as da pobreza, da desigual distribuição da riqueza, da habitação social ou da falta dela e das condições da existente, da saúde pública, do trabalho, das condições de trabalho e, mormente, as do teletrabalho.

Destacada, a seco, do sistema político, económico e social onde realmente se desenvolve, a discussão – sempre pertinente – da corrupção comporta, todavia, riscos políticos ainda pouco percetíveis, mas já adivinháveis.

Há, na verdade, muitos discursos a correr sobre a corrupção.

Uns mais político-institucionais, outros mais jurídico-penais e outros, ainda, que – amalgamando tudo e pouco interessados estando realmente nela – visam, apenas, explorar demagogicamente o assunto e denegrir o sistema democrático.

Os discursos institucionais mais correntes, que não anseiam expor e compreender as raízes da mais importante corrupção existente – aquela que se desenvolve no seio do Estado e por causa das ligações que este estabelece com o sistema económico e o setor privado atuais – centram-se, geralmente, em medidas de natureza financeira e técnico-administrativa de caráter preventivo.

Não analisando, nem procurando encontrar, no entanto, alternativas políticas, económicas e organizativas para o tipo de relações que o Estado atual desenvolve – por opção política nacional e, sobretudo, europeia – com o setor privado, estes discursos, mesmo quando tecnicamente corretos, arriscam-se, sempre, a ser entendidos pelos cidadãos, sobretudo como paliativos e, verdadeiramente, como pouco interessados na resolução do problema.

Em todo o caso, mesmo neste âmbito, medidas há, como as sugeridas pelo ilustre advogado Magalhães e Silva – a introdução de plataformas digitais públicas de consulta aberta para conhecimento generalizado dos contratos firmados entre o Estado e os privados -, que podem conferir uma transparência inovadora.

A existência de tais plataformas digitais, facilmente consultáveis por todos, pode, com efeito, ajudar a reduzir a margem de desconfiança nas instituições democráticas, que outros, a pretexto da corrupção, querem, sobretudo, debilitar e destruir.

Acontece que tal medida não bastará se – como comprovei ao longo da minha carreira no Tribunal de Contas – tais contratos estiverem redigidos de forma aparentemente ininteligível, importando, para entender o seu objeto, que se somem esdrúxulas adendas e léxicos complementares que, só cruzados, como num código secreto, permitem alcançar o seu real significado.

Um contrato, por mais técnico que seja, deve poder ser sempre compreensível, no essencial, por um qualquer cidadão com o ensino obrigatório cumprido.

Existem, depois, os muito técnicos, e especificamente jurídicos, discursos sobre a eficácia dos instrumentos penais e processuais penais dedicados a penalizar mais efetivamente os crimes de corrupção e a conseguir recuperar alguns dos proventos, através dela realizados.

Desligados, em muitos casos, da envolvente constitucional democrática que, imperiosamente, os deveria iluminar, tais discursos, enfatizando quase sempre a eficácia em detrimento das garantias e das liberdades cívicas, conduzem, gradualmente, aos objetivos daqueles que sobre a corrupção só dissertam para desestruturar e desacreditar a Democracia e o Estado de Direito.

Como aconteceu com o discurso sobre o «direito penal do inimigo», a propósito do terrorismo, a revolução que preconizam no direito penal e no direito processual penal democráticos tende a desvirtuá-los como um todo e a abrir portas a regimes jurídico penais, no mínimo, antiliberais.

Existem, por fim, os discursos demagógicos – os mais mediaticamente apetecíveis – que, misturando interesseiramente o que de mais reducionista existe nos dois tipos de discursos antes referidos, alcançam, pela sua simplicidade aparente e eloquência balofa, grandes audiências e surtem, por isso, efeitos perigosíssimos para Democracia e os seus direitos e garantias.

Um discurso democrático autónomo, eficaz e abrangente sobre a corrupção exige-se, portanto.

Este – sem nunca dever deixar de abordar todas as medidas técnicas sobre a transparência dos contratos, a sua inteligibilidade e o seu controlo prévio de legalidade e economicidade e, bem assim, sem nunca deixar de procurar aperfeiçoar as normas penais e processuais penais referentes aos crimes de corrupção – não pode ser puramente técnico e politicamente neutro e tem, por isso, de ir mais longe e procurar ser, necessariamente, mais metodológico.

Sem simplismos demagógicos, um discurso democrático sobre a corrupção tem de abordar com clareza as causas políticas, sociais, culturais e económicas que lhe são subjacentes e aproveitar para mudar a agulha ideológica do discurso prevalecente que, sobre este tipo de criminalidade, só está orientado e, verdadeiramente, só serve hoje quem sustenta soluções securitárias e antiliberais.

São as conquistas da democracia e a participação popular na coisa pública que devem ser realçados em tal discurso.

A corrupção é, com efeito, menor em países onde a literacia é maior, pois o controlo público dos atos que geram despesa, e até receita pública, é mais acessível e generalizado.

A corrupção é, também, menor nos países onde são mais respeitados os direitos cívicos, pois, neles, a sua denúncia pública não é ameaçada e sancionada pelos poderes prevalecentes que dela aproveitam.

A corrupção é, ainda, menor nos países onde há menos pobreza, pois, nestes, os cidadãos, por mais autónomos e livres, são menos ludibriáveis por via das fáceis, mas quase sempre falsas e diminutas vantagens brindadas pelos corruptores e corrompidos aos que lhes facilitam a vida.

A corrupção é, por fim, menor nos países onde a Administração Pública é servida por funcionários com verdadeiras e sólidas carreiras públicas e que, por isso, não estão dependentes de favores políticos ou económicos circunstanciais; funcionários que se assumem como profissionais responsáveis por si próprios e capazes, portanto, de, escrupulosamente, respeitarem e a todos fazerem respeitar a lei; funcionários que estão, ou devem estar, interessados somente na observância do interesse público e do bem comum.

A corrupção é, verdadeiramente, menor, enfim, nos países mais democráticos política, social, cultural e economicamente.