O PAN remexeu as águas da Assembleia da República ao propor que os deputados e detentores de poderes políticos passem a ter de declarar a pertença às chamadas ‘sociedades secretas’, como a Maçonaria ou o Opus Dei, em conjunto com a declaração de interesses, património e rendimentos dos políticos e altos cargos públicos que os mesmos são já obrigados a preencher no início e no fim de cada mantado. O projeto-lei do PAN, no entanto, coloca esta como uma parte ‘opcional’ da declaração, entrando aqui o PSD em jogo, com uma proposta de alteração a este diploma, tornando o preenchimento desta informação obrigatório, o que causou um turbilhão de opiniões dentro e fora da Assembleia da República.
Aliás, André Coelho Lima, o deputado social-democrata responsável pela proposta de alteração ao projeto-lei, começa por esclarecer que «a proposta de alteração foi feita de acordo com uma reflexão que o PSD fez quanto à transparência» e a grande diferença das duas propostas refere-se ao facto de que «a proposta do PAN se dirige diretamente à Maçonaria e ao Opus Dei, e a do PSD não», explicou Coelho Lima ao Nascer do SOL. «Nós não queremos de forma nenhum fazer qualquer tipo de lei persecutória, seja de que entidades for». Ainda assim, a declaração de pertença a qualquer sociedade – e não só à Maçonaria e Opus Dei, como o deputado social-democrata faz questão de realçar – deverá ser aplicada em prol da «transparência». E, «como quem não teme não deve», argumenta ainda Coelho Lima, «também não vemos sequer qual o problema que possa existir com esta questão».
A proposta de projeto-lei está na mesa há algumas semanas, mas levantou poeira recentemente, quando Adelino Maltez, ex-candidato a grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), avançou no Parlamento que os maçons não irão respeitar tal obrigação e que a lei é «ineficaz». A notícia causou polémica, e levou mesmo Rui Rio, defensor da proposta, a insurgir-se através da rede social Twitter, onde fez questão de questionar Maltez. «Defendem a opacidade com unhas e dentes. Que precisam de esconder?», começou por questionar o líder do PSD, que afirmou ainda que «cada vez é mais evidente que temos razão quando dizemos que esta falta de transparência é inaceitável». «Cada vez é mais evidente que a democracia está doente», concluiu o social-democrata.
As propostas do PAN e do PSD pretendem que os deputados e políticos assumam as posições dentro das consideradas ‘sociedades secretas’, como a Maçonaria ou Opus Dei, uma ideia que desagradou a Fernando Lima, grão-mestre do GOL, que se mostrou contra o diploma. Em declarações ao Nascer do SOL, Lima defendeu que «independentemente de alguém ter cargo público ou não, as convicções de cada um são invioláveis, de acordo com o artigo 41 da Constituição, que diz que a liberdade de consciência e religiosa são invioláveis, e portanto a lei vai contra a Constituição, porque entra no foro privado de cada um».
Maçons pelo mundo
Esta proposta, no entanto, parece não ter grande popularidade nos restantes países europeus, já que apenas a Roménia e San Marino exigem obrigatoriamente que os seus políticos declarem as ligações às ditas ‘sociedades secretas’.
A conclusão nasce de um documento intitulado Declaração de Filiação em Organizações ‘Discretas’: Enquadramento Internacional, feito pela Assembleia da República, através da Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar – DILP, a pedido da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, para orientar o debate iniciado pela proposta de lei do PAN, e para enquadrar o estado da arte desta proposta nos restantes países europeus. No documento, a que o Nascer do SOLteve acesso, uma conclusão salta logo à vista nas primeiras páginas: «Do levantamento feito é possível concluir que a maioria dos ordenamentos jurídicos analisados não prevê a obrigatoriedade ou a possibilidade de indicação da pertença a associações «discretas», nomeadamente a Maçonaria e a Opus Dei». Apenas a Roménia e São Marino, aliás, exigem esta declaração aos seus políticos e detentores de cargos no setor, sem condicionantes nem casos especiais. Seguem-se a Áustria e Letónia, onde os políticos são obrigados a declarar as ligações a estas entidades, só «se detiverem cargos nessas associações», da mesma forma que, no caso da Áustria, são obrigados a declarar a pertença «qualquer outro cargo executivo não remunerado», ou a Bulgária, onde são os magistrados judiciais que «devem declarar essa pertença ou filiação», mas não os políticos, que ficam obrigados a declarar possíveis «conflitos de interesses».
Confrontado com esta realidade, André Coelho Lima desvaloriza, defendendo que «uma coisa que é popular é uma coisa que tem aceitação das pessoas, e o que está aqui em causa é uma coisa diferente, que é se isto é algo transversal, algo que é aplicado em vários países», aproveitando ainda para referir o exemplo de Itália, onde, apesar de ainda não ser aplicada, esta medida estará também a ser estudada. Mais, o deputado social-democrata aproveita ainda a questão para relembrar um exemplo histórico, referindo o facto de Portugal ter sido o primeiro país a abolir a pena de morte, «e nessa altura essa medida era muito impopular», ironiza. «Hoje temos muito orgulho em ter sido pioneiros, mas fomos pioneiros precisamente porque pensamos pela nossa própria cabeça, e não somos propriamente ‘Maria vai com as outras’». O facto de o número de países que aplica esta medida ser reduzido, diz, não passa de «um fator de apreciação, que não negligenciámos».
Também o grão-mestre do GOL reduziu a expressão do estudo, relembrando ainda, no panorama internacional, o caso em que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, em março deste ano, considerou que a exigência de declaração de pertença a uma ‘sociedade secreta’ iria contra o artigo 11 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Fernando Lima não se estendeu sobre o contexto internacional da aplicação desta medida, lamentando só que «a maçonaria tem sempre um labéu de presunção de culpabilidade nestas situações», argumentando que, de forma contrária, «o GOL sempre contribuiu para os progressos nacionais, seja na pena de morte, direitos humanos, das mulheres, no SNS, e outros temas da atualidade».
De resto, e além de San Marino e da Roménia, surgem alguns países, como a Estónia, a Finlândia e a Turquia, que passam menos pela exigência e mais pela recomendação, de uma forma um pouco mais ‘liberal’, do envolvimento nestas associações, se «o declarante considerar que a pertença a essa organização pode influenciar o exercício das funções e que revelá-la não viola os seus direitos», no caso da Estónia, ou onde «os Deputados podem, querendo, declarar de modo mais pormenorizado os seus interesses privados», nos casos da Finlândia e da Turquia.
Húngaros não exigem… mas investigam
O documento faz ainda questão de realçar o caso da Hungria, em que a declaração de pertença a ‘sociedades secretas’ não é exigida, mas segundo uma lei sobre os Serviços de Segurança Nacionais do país, «o Serviço de Informações tem funções de controlo da segurança nacional no que diz respeito às pessoas incluídas no seu âmbito de competência», ou seja, há um controlo, através de um «questionário de segurança», que inclui perguntas sobre a associação a qualquer organização, não especificando as organizações secretas. O objetivo? Segundo a compilação feita pela DILP, «verificar se as pessoas que desempenham ou são nomeadas para cargos importantes e confidenciais cumprem os requisitos de segurança necessários ao funcionamento da vida pública nos termos da lei».