Por Paulo Ferreira, Professor Catedrático, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa; Diretor do Departamento de Microscopia Avançada, Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), Braga; Professor Catedrático, The University of Texas at Austin, EUA.
Os últimos 200 anos contam uma história realmente incrível sobre o consumo de energia a nível mundial. Em 1820, cada habitante consumia cerca de 5500 quilowatts-hora/ano, quase na totalidade biocombustíveis, enquanto em 2020 o consumo de energia por pessoa atingia os 22 160 quilowatts-hora/ano, dos quais cerca de 80% provenientes de combustíveis fósseis (http://theoildrum.com/node/9023).
Se considerarmos a rapidez com que este processo de consumo de energia aconteceu, em particular a aceleração durante a revolução industrial até à era moderna, assim como o impacto que teve no nosso quotidiano, em termos de transportes, saúde, produção industrial, desenvolvimento das cidades e melhoria geral da qualidade de vida, é essencial refletir profundamente sobre qual será o nosso futuro. É que este boom de consumo de energia foi alimentado, de forma esmagadora, por combustíveis fósseis.
Concretizando, em 1820, a emissão de dióxido de carbono (CO2) situava-se na casa das 50,69 milhões de toneladas, enquanto, em 2019, o mundo emitia já 36,44 mil milhões de toneladas de CO2 (Carbon Dioxide Information Analysis Center). Destas, cerca de 24,2% foram emitidas pela indústria, 17,5% pela eletricidade e aquecimento de edifícios e 16,2% pelo uso dos transportes (Fonte: World Resources Institute). Ou seja, de acordo com a National Oceanic and Atmospheric Administration, o dióxido de carbono atmosférico global médio, em 2019, foi de 409,8 partes por milhão (ppm), com uma faixa de incerteza de mais ou menos 0,1 ppm, o que se traduz nos níveis mais altos dos últimos 800 mil anos.
Para mais, não nos podemos esquecer de que durante este período (1820-2020), a população cresceu de mil milhões para 7 mil milhões, com tendência para continuar esta trajetória no futuro. Adicionalmente, os países que outrora consumiam pouca energia, como, por exemplo, a China e a Índia, com uma população conjunta de 2,8 mil milhões de habitantes, vão ser aqueles que irão consumir mais energia, à medida que modernizam rapidamente as suas economias.
Como resolver então este problema energético? Como parte do Acordo de Paris, os Estados-membros da UE comprometeram-se a reduzir as emissões de gases em pelo menos 40% (dos níveis de 1990) até 2030. Como resultado, o modelo energético do futuro está centrado na produção diversificada de energias renováveis, através da energia solar, eólica, hidroelétrica, geotérmica e das marés, embora, atualmente, as energias renováveis não ultrapassem cerca de 14% (International Energy Agency). Ainda assim, o excedente dessas energias renováveis, em particular a solar e eólica, pode ser usado para produzir hidrogénio e armazenar energia. Além disso, para mitigar a descarbonização, é vital implementar a eletrificação de automóveis e de dispositivos elétricos e eletrónicos.
Neste contexto, há uma necessidade imediata de armazenamento de energia, tanto para uso estacionário quanto móvel, no qual o papel das baterias é fundamental. No fundo, as baterias podem ser consideradas um componente vital para a transição e sustentabilidade do ecossistema energético, que tem como objetivo a descarbonização da sociedade.
No que diz respeito às baterias para uso estacionário, as instalações de armazenamento de energia à base de baterias podem levar à substituição das centrais de energias baseadas em combustíveis fósseis durante os períodos onde se verificam picos de carga. Por outro lado, as baterias estacionárias podem aumentar a nossa independência energética se quisermos aumentar a produção de energias renováveis, dado que podemos associar instalações de armazenamento de energia à base de baterias, as quais podem compensar parcialmente as flutuações de energia renováveis, por excesso ou por defeito.
Este processo promove a descentralização da rede, porque o sistema pode fornecer eletricidade para toda uma comunidade remota a um custo baixo, enquanto, simultaneamente, reduz as emissões de CO2 e torna desnecessária a expansão da rede. Quando tivermos já uma quantidade significativa de veículos elétricos a circular (no ano passado representaram cerca de 12% dos automóveis ligeiros), as instalações de baterias estacionárias permitem também o abastecimento desses mesmos veículos nos postos de carregamento, em períodos de pico, sem aumentar o custo para o proprietário do posto ou do veículo.
Relativamente às baterias para uso móvel, estas permitem reduzir significativamente a importação de combustíveis fósseis utilizados nos transportes e consequentemente a emissão de CO2. Adicionalmente, dado que os veículos elétricos e híbridos estão frequentemente em stand-by durante os horários de pico de carga (início da manhã e princípio da noite), a capacidade das baterias instaladas nos automóveis pode ser utilizada para superar os picos de procura nas áreas urbanas. Por outro lado, a produção de filmes finos de baterias vai permitir a integração de baterias em circuitos eletrónicos, o que vai originar um impacto muito significativo na transformação digital da economia.
De acordo com o World Economic Forum, as baterias vão em 2030: 1) permitir uma redução de 30% das emissões necessárias no setor de transporte e energia, 2) criar um mercado global de 150 mil milhões de euros, e 3) desenvolver uma cadeia de valor capaz de sustentar 10 milhões de postos de trabalho, dos quais mais de 50% em economias emergentes. Entre 2010 e 2018, a procura de baterias cresceu 30% ao ano, atingindo um volume de 180 gigawatts-hora em 2018. A expectativa é de que o mercado continue a crescer, com uma taxa anual estimada de 25%, para atingir um volume de 2600 gigawatts-hora em 2030. Contudo, existem ainda vários desafios a ultrapassar para que as baterias possam ter um papel central na sociedade atual.
Em primeiro lugar, são necessários novos materiais com maior densidade de energia por volume e por massa, maior durabilidade e estabilidade química e menor custo. As baterias de lítio custam atualmente cerca de 140 dólares por quilowatt-hora. Porém, convém salientar que os preços das baterias em 2010 eram de 1100 dólares por quilowatt-hora, o que representa uma queda de 90% em 10 anos. De acordo com a Bloomberg New Energy Finance, o preço de cerca de 100 dólares por quilowatt-hora parece ser o ponto de transição a partir do qual os automóveis elétricos terão preços competitivos, quando comparados com os motores de combustão interna.
Em segundo lugar, vai ser importante substituir os eletrólitos líquidos e possíveis de inflamar, por eletrólitos sólidos não inflamáveis e mais seguros. Estes eletrólitos sólidos permitem produzir baterias 100% sólidas que possuem maior densidade de energia, permitindo um carregamento mais rápido, maior alcance e maior vida útil.
Adicionalmente, existe, hoje em dia, um desafio importante, particularmente para a Europa e para os EUA que está relacionado com a produção de baterias. Neste momento, as empresas chinesas, incluindo CATL, BYD e Hefei Guoxuan High-Tech, produzem 79% das baterias a nível mundial. Nos EUA, existe a Tesla, enquanto na Europa apenas a Northvolt (Suécia) tem capacidade de produção, embora existam planos para a instalação de outras empresas.
Por último, não nos podemos esquecer de que a introdução de novas tecnologias exige sempre um esforço significativo no que diz respeito à formação, preparação e requalificação de recursos humanos. Dada a concentração das fábricas de baterias na China, a Europa precisa de enfrentar os desafios de atrair e recrutar pessoal qualificado. A empresa Northvolt, por exemplo, planeia formar, treinar e requalificar cerca de 1000 pessoas por ano, para conseguir ser competitiva no mercado.
Para vencer estes desafios é fundamental juntar as comunidades científica e industrial, em concertação com os governos europeus e a UE para promover uma abordagem integrada em toda a cadeia de valor do ecossistema de baterias, desde a mineração verde e refinação, à produção de células e módulos de baterias, bem como fomentar novas tecnologias capazes de promover a reciclagem de baterias, dando assim origem à economia circular neste setor.
Neste contexto, Portugal tem também uma oportunidade e capacidade para se tornar efetivamente um ator no desenvolvimento de tecnologias de baterias que podem ser integradas ao longo da cadeia de valor, a qual terá um impacto tremendo na economia e no desenvolvimento futuro da humanidade. Afinal de contas, como disse Franklin Roosevelt: «existem muitas maneiras de seguir em frente, mas apenas uma forma de nada fazer».