Aos 25 anos, Bob de Moor (1925-1992) entra directamente nos Studios Hergé como assistente principal de Hergé, ocupando o lugar de Jacobs, cujos Blake e Mortimer não se compadeciam com meios tempos. O jovem parece assimilar à vez o estilo dos mestres belgas que lhe precederam: João e Estêvão (entre nós, no Cavaleiro Andante) evoca Willy Wandersteen (criador de Bob e Bobette), Barelli (na revista Tintin), Hergé; e em Cori o Grumete vemos muito de Jacobs. Balthasar, uma colecção magnífica de gags protagonizada por um velho bonacheirão, criação fresquíssima chumbada pelos leitores da revista Tintin belga, é um caso à parte: aí Bob de Moor segue apenas o seu espírito jovial – talvez demasiado, em paragens cinzentas.
Cori o Grumete, criado em 1951, é um adolescente (como o eram Tintin e Alix, de Jacques Martin, outro homem da casa). Em A Invencível Armada, Cori e Harn de Vroom são espiões holandeses em Cádis, a soldo de Isabel I, disfarçados de fabricantes de velas. Os Países Baixos eram, como vimos, uma possessão espanhola em rebelião, contando com a Inglaterra como principal aliada. Cori apodera-se dos planos secretos para a invasão espanhola do reino inglês; mas serão de seguida desmascarados. A monte, na companhia de marginais, uma emboscada surpreende-os, separando os amigos. Cori, chega a França, devastada pelas Guerras de Religião (1562-1598), salva François, criança huguenote das garras dos “papistas”, levando-a consigo para Inglaterra. Quanto a Harn, ferido e socorrido por um nobre espanhol, que será o número dois da Armada, seguirá para Lisboa.
Como Hergé, Jacobs e Martin, maníacos da documentação, Bob de Moor, estudou a fundo este complexo episódio naval, militar e político: falta de vento no início, apodrecimento de víveres, tempestade inesperada na embocadura da Corunha, cheia de escolhos. À aproximação a Inglaterra o moral já não era o mesmo. Dá-nos também as características dos dois comandantes: Medina-Sidónia, um indeciso cumprindo burocraticamente todas as indicações dos despachos de Felipe II em vez de aproveitar as oportunidades que pudessem surgir – até porque a “Felicíssima Armada” era superior em poder de fogo; do outro lado, o sanguíneo Drake, “El Draque”, chamavam-lhe os espanhóis, o oposto em génio táctico. O desastre é rematado quando uma embarcação carregada de explosivos deflagra de encontro aos barcos espanhóis.
Este tomo 2, intitulado O Dragão dos Mares (alusão a Francis Drake) é esplendoroso. De Moor compraz-se no desenho de todo o tipo de embarcações; o olhar demora-se em cada vinheta, cada prancha aproveitada ao pormenor, não raro com frisos de margem a margem, ou splashes de página inteira quando não se espera. Um estilo muito próprio de uma época, em “linha clara”, Escola de Bruxelas.
Cori o Grumete – A Armada Invencível, II.
O Dragão dos Mares
Texto e Desenhos Bob de Moor
Editora Meribérica, Lisboa, s.d.
BDTECA
Undertaker. Poucas coisas nos dão tanto prazer como um belo western. O mercado anda generoso, embora retardado. A covid-19 mata mais que qualquer pistoleiro. Já aqui falámos desta maravilha que é Undertaker, um cangalheiro alegado, uma máquina de matar a contragosto. A Ala dos Livros lançou recentemente o segundo tomo desta série obrigatória, ao nível do melhor Blueberry ou Comanche: A Dança dos Abutres. texto de Xavier Dorison, desenhos de Ralph Meyer, coloridos por Catherine Delabie.
Duke. E como uma coisa boa nunca vem só, aqui temos o tomo 5 de Duke: Pistoleiro É o que Serás, desenhos de Hermann e texto de Yves H., publicado pela Arte de Autor, mas aqui a par com a edição belga original. A propósito do herói, usámos a seguinte formulação: Duke representa a luta individual da ética contra o instinto. Quando assim é, e um dos autores se chama Hermann Huppen (Bernard Prince, Comanche, Jeremiah, As Torres de Bois-Maury, etc….), não há alternativa senão ir atrás.
Barelli. Acabamos como começámos, Bob de Moor e outra das suas personagens principais: Barelli, actor e detective amador. À história inicial, L’Énigmatique Mr. Barelli (1950), o autor acrescentou 14 pranchas em 1981, publicadas em álbum no final de 2020, comemorando os 70 anos da série. E ainda uma história concebida por Régric: Le Retour de Barelli e Le Retour en Scène, edição BD Must, Bruxelas.