Gabriela Sobral. “Sou apologista da inovação, principalmente em televisão”

Gabriela Sobral. “Sou apologista da inovação, principalmente em televisão”


Regressa a uma casa que tão bem conhece e o primeiro projeto não a podia deixar mais satisfeita. Festa é Festa chega hoje à casa dos portugueses com muita animação e boas gargalhadas à mistura.


Festa é Festa, a nova aposta da TVI, arranca esta segunda-feira e promete revolucionar o panorama das novelas. É na sala de Corcovada Brito – personagem interpretada por Maria do Céu Guerra – a pessoa mais idosa da aldeia da Galega da Merceana, que Gabriela Sobral, diretora de conteúdos e produção da Plural, nos recebe. Fala-nos deste novo projeto, de como é fazer uma novela em tempos de pandemia e sobre o futuro. Para já, uma coisa é garantida: Festa é Festa promete fazer as delícias dos portugueses, arrancar muitas gargalhadas e as personagens, essas, de certeza que nos farão lembrar alguém que conhecemos. Afinal, quem é que não gosta de uma boa festa da aldeia?

Festa é Festa chega hoje à televisão dos portugueses. O que podemos esperar deste projeto?

Já andamos há muitos anos a fazer novelas. E o que esta novela tem, para nós, de diferente – e digo para nós porque há um conjunto de pessoas que está por trás deste projeto – é, de facto, podermos dar ao público um tom de novela completamente diferente daquele a que estamos habituados. Quando digo tom, é um tom de humor, popular. Todas as novelas têm núcleos populares? É verdade. A maior parte das novelas tem sempre um núcleo popular, aquela descontração e descompressão da novela.

Mas esta é diferente?

Aqui o tom é sempre esse. É uma novela bem disposta, com núcleos populares, em que o grosso dos plots tem sempre qualquer coisa de comicidade. Embora estejamos a tratar temas alguns mais dramáticos, menos cómicos, esses temas serão sempre tratados de uma forma leve. Portanto, posso dizer que é a novela mais bem humorada que fiz nos últimos anos. É uma novela em que os portugueses vão rever-se. Todos nós temos uma lembrança na nossa vida das idas às aldeias. Ou porque tínhamos família, ou amigos, ou porque no verão íamos passear… Todos nós fomos a uma festa qualquer a uma aldeia na nossa juventude ou na nossa infância. É uma bocado a aldeia, a recordação dessa memória viva da infância, da adolescência das aldeias, que vemos retratada aqui. É uma aldeia mas é uma aldeia atual, com todas as dessincronias e com todos os hábitos e a maneira de estar das nossas gentes. É uma novela muito portuguesa e acho que é isso que tem graça. Os personagens são muito portugueses. Vamos todos rever-nos nessa portugalidade. Temos um presidente da Junta de Freguesia, como todas as aldeias deste país…

Um padre…

Temos um padre, um café cujos donos são um casal que está sempre em conflito com o presidente da Junta, há ali um despique de poder. É o Tomé e o Bino. Temos uma velhota que é uma emigrante brasileira que viveu muitos anos – os loucos anos 20 – no Brasil e que vem para Portugal e é a matriarca da aldeia. É uma senhora já muito velhinha mas que vive como se tivesse 50 anos, é maravilhosa. São uma série de personagens que ali gravitam. Depois há o médico da aldeia, que também era uma coisa muito antiga mas que continua a existir. É um transpor o passado para uma certa atualidade mas que, na prática, o que vemos ali são as aldeias de Portugal, é qualquer aldeia aqui ao lado de Lisboa. Se formos para Alenquer – que é onde se passa a história – é assim que eles vivem, é assim que as pessoas continuam a relacionar-se. Acima de tudo tem um tom de humor muito engraçado porque o Roberto Pereira e a equipa conseguiram dar à novela uma graça e uma forma… Acho que é muito aquilo que os brasileiros fazem na Globo.

De que forma?

A novela das 19h na Globo tem sempre aquele tom de comédia, em que as personagens são tratadas de uma forma às vezes até um pouco estereotipada. Acho que é isso que estamos a fazer. Estamos a fazer uma novela com um tom completamente diferente daquele a que tenho assistido ao longo destes anos. Acho que isso vai muito de encontro àquilo que estamos a viver hoje em dia.

Como assim?

Estamos a viver uma tragédia há um ano e meio. Um tragédia humana, social, económica. Acima de tudo uma tragédia de vidas. Nunca, em tempo algum, vimos tanta gente morrer, tanta gente estar doente, tanta gente estar longe dos seus entes queridos sem poder sequer estar com eles no final. Estamos a viver uma tragédia muito grande, há muito tempo, com esta história da pandemia. Ninguém estava à espera disto. Andamos aqui há tantos anos, vivemos uma vida sem grandes guerras, e agora de repente temos isto? Mas estamos a sair. Devagarinho, devagarinho mas estamos a sair. E o que é que precisamos? Exatamente disto. Precisamos de conteúdos que nos façam relaxar, que nos façam sentir bem, que nos façam rir. Não é estarmos ausentes, porque não estamos. Continuamos todos os dias a ver informação e a ser bombardeados com os problemas todos. Mas por que não termos uma novela que nos faça rir, que nos faça descontrair, levar para um universo mais cómico? Foi também nesta perspetiva que a novela foi construída e foi pensada. 

No ano passado já muitas festas da aldeia foram canceladas. Este ano serão também. Esta novela pode ser um aconchego para quem não pôde viver as suas próprias festas?

Acho que poderá ser um aconchego. Estamos todos muito expectantes que, em setembro – a data foi vinculada pela Cristina [Ferreira] na apresentação – já esteja melhor. Hoje ouvia na rádio um grande responsável da vacinação a dizer que está convencido que, se tudo correr bem, no final de junho atingimos a imunidade de grupo. Estou convencida de que, se atingirmos a imunidade de grupo em junho, em setembro vamos, com certeza, poder estar ao ar livre, a ouvir uma música e beber uns copos. Se calhar não numa festa muito grande mas numa festa mais pequena da aldeia. Se não, vamos nós, TVI, levar a festa aos portugueses e ao público. É nessa perspetiva também que estamos a construir esta festa. Mais lá para o fundo, para podermos passar um verão de vacinação e depois, quem sabe, podermos dançar todos na festa da aldeia. 

Visitaram várias aldeias. Porquê Alenquer? Mais concretamente Galega da Merceana…

Visitámos várias aldeias, sim. A nossa área geoestratégica era mais ou menos a uma hora de Lisboa. Não queríamos ir para muito longe. De todas as aldeias que vimos, esta foi a de que gostámos mais. A que reunia, digamos assim, o consenso entre produção técnica e artística. Porque tinha que ser uma aldeia bonita, com uma série de componentes. E a Galega da Merceana tinha essa cenografia que precisávamos. Foi uma escolha de todos mas foi muito em cima do que precisávamos.

A ideia original é de Cristina Ferreira. Quando a ouviu disse-lhe que era ‘maluca’?

É verdade, é verdade. 

Mas mudou de ideias.

Ela disse que íamos fazer uma novela cómica. Eu tinha acabado de chegar [à Plural], e a Cristina coloca-me aquilo em cima da mesa e, de facto, as novelas cómicas, na TVI, não tinham tido muito sucesso até então. Fiquei receosa porque já não estava na TVI desde 2010 mas lembro-me muito bem do que fiz lá para trás. Entre 1999 e 2010 estive envolvida em dezenas de novelas. E houve umas cómicas que não surtiram muito efeito e pensei que isto pudesse não dar. Mas depois, com a entrada no projeto, a começar a ler os guiões, a ver elencos, a tomar conta do projeto, comecei a perceber que era um projeto muito diferente e muito arrojado. Acima de tudo era uma coisa nova. Sou apologista da inovação. Principalmente em televisão, temos que inovar. Fazer mais do mesmo é seguro, às vezes, mas acho que estava na altura de criar um novo desafio.

Há muitos nomes que voltam ao pequeno ecrã, como Maria do Céu Guerra, Catarina Bacelar, Carlos M. Cunha… É importante voltar a trazer estes atores tão conhecidos do público?

É muito importante. Uma das coisas que queremos fazer aqui, na Plural, e a TVI também, é abarcar o maior número de atores e atrizes que queiram trabalhar connosco. Ou seja, pessoas como a Maria do Céu Guerra, que já há algum tempo que não fazia televisão: foi-lhe lançado este desafio e ela disse logo que sim, que estava com vontade de voltar. É muito importante colocar pessoas desta franja etária, que são os mais velhos, que normalmente são mais esquecidos, porque as novelas não têm assim tantas personagens nestas idades. São sempre os mais novos, os mais apelativos, digamos assim. Acho que é importante trazer esta franja etária. O Carlos M. Cunha também há algum tempo que não fazia televisão. Gosto de ter novidades nos elencos e gosto de ter pessoas até fora da caixa. Alguns deles até nem fazem muita televisão mas querem fazer. Acho que é importante a diversidade e trazer novos players ao mercado.

Esta é uma telenovela revolucionária?

Acho mesmo que é uma telenovela revolucionária. Acho que as pessoas vão apaixonar-se não só pela aldeia mas por aquelas gentes. Há ali um núcleo jovem muito engraçado também, que é importante, que tem outras ideias. Temos o médico da aldeia, que tem as mulheres todas atrás dele, temos a Ana Carolina que é uma miúda que vem da Foz, de um outro universo mais urbano e que vem ter com a avó e há um confronto de quem vem da cidade e chega à aldeia porque acha aquilo tudo uma pasmaceira… Uma jovem cheia de tecnologia que chega a uma aldeia que não tem rede… Isto vai criar um conflito muito engraçado. Temos um casal de emigrantes. Vamos falar de emigração, da malta que vem às festas da aldeia, que vem de França e de outros países. Aqui há um casal que vem com os filhos. Os filhos vão ter aquele choque cultural de chegar a uma aldeia. É a vida. Uma pessoa estranha mas depois percebe que na aldeia há várias coisas que se podem explorar, ver e sentir.

Há, então, muitos temas com que os portugueses se identificam…

Exatamente. 

Os portugueses estão habituados a outro tipo de conteúdo nas novelas. O crime, alguma violência, amores proibidos… A comédia pode colar mais pessoas ao ecrã?

Esta telenovela também tem os seus amores proibidos. Não há vida sem amor.

Que reação espera do público?

Estou muito confiante que as pessoas vão gostar de seguir a história destas famílias que povoam a aldeia. Isto é uma história em que as pessoas se vão rever. Vão identificar as personagens com pessoas que conhecem, são personagens comuns, são personagens que todos nós já conhecemos na vida. E a história dos amores é igual. Os miúdos, aquelas pessoas têm vontades, têm amores, têm atrações, discórdias, dramas… Alguns não se podem ver e andam sempre às turras. Essa parte do amor também lá está. Vai haver muito amor, principalmente entre os mais novos.

Como é gravar uma novela em tempos de pandemia?

É muito difícil. Imagine o que é. Neste momento são três telenovelas a gravar e vamos começar uma outra em julho. É todos os dias testar, testar, testar. Toda esta malta é testada, há cuidados de higiene extremos, cuidados sanitários extremos, tudo é desinfetado. É viver numa guerra ao vírus. Estamos constantemente em alerta e mobilizados para esta situação. O nosso core business é essencialmente representação e os atores e atrizes estão o tempo todo sentados, alguns agarram-se, outros beijam-se… Eles têm que estar continuamente a ser testados. E tivemos esses cuidados todos, ao longo deste tempo todo. Na primeira vaga tivemos mesmo que parar, foi ali aquele momento em que ninguém percebia como fazer guerra ao vírus. Andávamos todos a aprender. Na segunda vaga já aprendemos todos como é que se faz e, na nossa indústria, tivemos todo o cuidado que é possível ter. E demo-nos bem, ficou pouquíssima gente em casa.

Basta um ser infetado…

Basta um para infetar os outros e ficar uma equipa em casa. Os cuidados têm que ser de uma forma quase extrema.

Volta a uma casa que tão bem conhece.

Sim, a uma casa que tão bem conheço. Embora quando saí, em 2010, a Plural estava a formar-se. Sempre trabalhei com a NBP [Nicolau Breyner Produções]. A NBP era uma empresa que prestava serviços de produção à TVI e que, nessa altura, em 2010/2011, dividiu-se em dois. Uma parte ficou SP, a outra ficou Plural. Sempre trabalhei com as duas empresas. Saio para trabalhar com a SP, agora volto para trabalhar com a Plural. Na prática foi sempre uma família.

Este primeiro projeto que marca o seu regresso está a correr bem?

Está a correr lindamente.

Quando foi anunciado o seu regresso falava em “inovação” e em “olhos postos no futuro”. Alguma coisa que ainda falta fazer em televisão?

Então não falta… Na minha área, que é a ficção, ainda falta fazer muita coisa. E estamos a trabalhar para isso. Estamos com os olhos postos no futuro e já não estamos só a olhar, estamos já a trabalhar para o futuro. A Plural é uma unidade de negócio muito grande. Trabalhamos com um cliente preferencial que é a TVI para as novelas, fazemos parte do mesmo grupo e, por isso, temos esta relação quase de irmãos. Mas é uma unidade de negócio que trabalha também para outros clientes. Neste momento também temos um acordo com a RTP para fazer uma série, estamos a falar com outros parceiros internacionais para criar co-produções com alguns países, estamos com os olhos postos também no streaming, temos várias conversas com algumas plataformas. Tudo isto requer tempo e trabalho mas está a acontecer. Estamos já na tal rampa de lançamento.

Pode desvendar um pouco o véu?

Estamos a trabalhar numa outra telenovela, ainda é segredo. Vai começar a ser gravada em julho e a única coisa que posso dizer agora é que o texto vai ser da Helena Amaral, que já fez uma novela connosco chamada Quer o Destino, que foi um grande sucesso. Vai ser ela a escrever o texto. Não revelo para já nada mais. Mas estamos a trabalhar, isto é uma fábrica que não para.

Tem existido alguma guerra de audiências entre os principais canais generalistas. Espera que o Festa é Festa seja líder?

Espero muito que seja líder mas não estamos a trabalhar para a liderança. Aqui na Plural trabalhamos para o cliente, que é a TVI, e aquilo que ele nos pedir nós faremos e ajudaremos sempre. Essa matéria compete à TVI e a quem a dirige. Agora, se me pergunta se o Festa é Festa pode ser líder? Acho que sim, pode. A estratégia da TVI é a estratégia da TVI, não sei bem de que forma a TVI vai criar essa estratégia. Nós produzimos a novela, entregamos ao cliente e depois a forma como ele a emite, assiduidades, etc, cabe à TVI. Mas estou convencida de que o produto tem tudo para ser vencedor. Mesmo que não vença e que tenha um bom score e uma boa audiência já é muito bom. Esta coisa da liderança tem muito que se lhe diga. Às vezes ser líder não é tão bom assim como se pensa. Durante muito tempo – e já aconteceu – o segundo lugar, com uma diferença mínima, é tão bom como o primeiro. Em termos de publicidade, em termos comerciais e económicos não é uma grande diferença. Mas é óbvio que todos queremos ganhar. Faz parte da natureza humana, de todos nós, querermos ganhar e querermos ser primeiros.

Tem havido algumas críticas de que este novo projeto é uma cópia de Amor Amor da SIC. Como reage?

Depois das pessoas verem vão perceber que não tem nada de cópia. As pessoas associam se calhar pela aldeia. Mas há outras aldeias, temos outras novelas em aldeias. Não estou a ver o que é que pode ser parecido com a concorrência. Não tenho essa angústia. As pessoas depois de verem não vão fazer comparações. São coisas completamente diferentes.

Hoje é então o grande dia. Como é que estão a preparar a chegada deste primeiro episódio?

Vamos fazer uma apresentação com toda a gente. A TVI convidou-nos para o programa Cristina ComVida e nós lá estaremos. É um começo em grande. O que é engraçado nesta novela e que eu senti desde que cá cheguei é que há uma grande unidade na novela. Ou seja, as pessoas que a estão a fazer estão todas juntas. Percebe-se que é uma equipa vencedora.

E uma forte equipa é o primeiro passo para o sucesso.

Sem qualquer dúvida.