Por um combate imediato contra a corrupção


Portugal não pode andar a passo de caracol no combate à corrupção, tendo que se estabelecer rapidamente legislação adequada para combater esse flagelo, a qual passa naturalmente pela criminalização do enriquecimento ilícito.


A corrupção é um crime que mina o Estado de Direito, na medida em que o coloca ao serviço de interesses particulares, desviando-o da prossecução do interesse público. Por isso, tem que ser eficazmente combatida, sem quaisquer hesitações. Infelizmente, no entanto, o que temos visto na nossa classe política ou passa pela adopção de medidas inconsequentes, ou pelo simples adiamento desse combate.

Foi assim que o Governo resolveu apresentar uma Estratégia Nacional de Combate à Corrupção absolutamente inconsequente, apostando em acordos sobre a pena aplicável ou na delação premiada, de muito duvidosa constitucionalidade, mas deixando de fora um controlo efectivo sobre o financiamento dos partidos políticos, essencial para travar esses fenómenos. Não querendo ficar atrás, o líder da oposição veio dizer que “não vamos legislar a quente”, sem reparar que o país já está a arder no fogo da corrupção, e veio recuperar antigas propostas sobre a Justiça, obviamente nenhuma delas sobre a corrupção. Segundo explica é preciso olhar para a Justiça “como um todo” porque “há muita coisa que está mal”, substituindo o combate à corrupção por um enésimo “Compromisso com a Justiça”, mais um a juntar a todos os pactos e compromissos vazios, que levaram o país à situação em que se encontra hoje.

Antes de tudo é preciso reconhecer que o combate à corrupção passa necessariamente pela criminalização do enriquecimento ilícito. Essa criminalização é já imposta há quase vinte anos por um instrumento internacional, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada em Nova Iorque em 31 de Outubro de 2003, tendo entrado em vigor em 14 de Dezembro de 2005. Essa Convenção prevê expressamente no seu art. 20.º que “sem prejuízo da sua Constituição e dos princípios fundamentais do seu sistema jurídico, cada Estado Parte deverá considerar a adopção de medidas legislativas e de outras que se revelem necessárias para classificar como infracção penal, quando praticado intencionalmente, o enriquecimento ilícito, isto é o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo”.

Portugal assinou esta Convenção em 11 de Dezembro de 2003, tendo a mesma sido ratificada pela Resolução da Assembleia da República 41/2007 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República 97/2007, entrando em vigor no nosso país a 28 de Outubro de 2007. É por isso obrigação de Portugal consagrar na sua legislação o enriquecimento ilícito dos agentes públicos, sendo perfeitamente possível encontrar formulações legais que não violem a regra constitucional da presunção de inocência dos arguidos. Na verdade, basta estabelecer em relação aos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos a obrigação de justificar de forma razoável os incrementos patrimoniais que obtenham em desconformidade com os seus rendimentos legítimos, sancionando criminalmente o seu incumprimento. Desta forma são cumpridas as obrigações internacionais do país no que se refere à criminalização do enriquecimento ilícito, sem se colocar em causa a aplicação da Constituição.

O relatório do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) que funciona junto do Conselho da Europa referiu em Março passado que “apenas três das quinze recomendações que fez a Portugal foram satisfatoriamente implementadas ou desenvolvidas”, tendo Portugal feito “apenas pequenos progressos no cumprimento das recomendações consideradas como não implementadas ou parcialmente implementadas”. Entre as críticas feitas por esse relatório, salienta-se o facto de não terem sido previstas por lei “controlos regulares e substantivos das declarações dos deputados dentro de um período de tempo razoável” nem terem sido “estabelecidas sanções adequadas para infracções menores à obrigação de declaração de património”. É assim mais que tempo de essas sanções serem estabelecidas, podendo aproveitar-se para criminalizar o enriquecimento ilícito dos titulares de cargos públicos.

Portugal não pode andar a passo de caracol no combate à corrupção, tendo que se estabelecer rapidamente legislação adequada para combater esse flagelo, a qual passa naturalmente pela criminalização do enriquecimento ilícito. Levamos um atraso de quinze anos neste domínio, pelo que agora há que legislar rapidamente e sem demora. Ontem já era tarde.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990