Autópsia de uma economia pandémica


Começámos esta semana no processo gradual de desconfinamento, há muito ansiado pelo tecido empresarial, principalmente, em virtude de 2020 ter sido um ano muito duro para a saúde dos portugueses, mas também para toda a nossa economia.


O ano passado, a nossa economia teve uma das maiores quebras da sua história com uma contração de 7,6%. Naturalmente, nem todos os setores de atividade sentiram este efeito de diminuição de força económica da mesma maneira. Então, mas que setores ou atividades sofreram mais com esta crise?

O investimento caiu, a agricultura afundou, indústria, energias, turismo, transportes, banca, … tudo afundou e alguns colapsaram. O último ano foi um pesadelo para quase toda a economia portuguesa, com a pandemia causada pela COVID-19 e as medidas de combate à pandemia a fazerem diminuir a oferta e aos mesmo tempo a procura de bens e serviços, podemos afirmar que para analisar a nossa Economia é necessária uma autópsia.

Comecemos pela Economia. No segundo trimestre de 2020, o PIB caiu 16,3% face ao período homólogo de 2019. É verdade que as quebras nos trimestres seguintes foram menos expressivas, mas igualmente acentuadas, pelo que ficámos muito distantes do sinal “positivo”. No total do ano, a Economia recuou 7,6% fazendo de 2020 um ano de choque económico histórico e sem precedentes. Os dados disponibilizados pelo FMI demonstram que foi a segunda maior recessão dos últimos 150 anos!

Para analisar cada setor de atividade temos de olhar ao Valor Acrescentado Bruto (VAB), ou seja, aquilo que cada um contribuiu para o PIB nacional. Ao olharmos a esta a Agricultura e Pesca teve uma variação de -10,8% face ao período homólogo sendo que nos últimos 5 anos teve 2 negativos, embora em 2019 andasse na ordem dos +4,7%. Um dos ramos mais relevantes da economia portuguesa, a Indústria, com uma quebra entre abril e junho de -23%, teve uma progressão no resto do ano, mas mesmo assim também terminou no “vermelho” com -1,7% de VAB. A Energia e Água que vinham de um 2018 aos níveis do melhor de sempre, terminaram 2020 com valores de -4,6% mas atingiram os -12,4% no primeiro trimestre do ano passado…

A exceção: A construção subiu. +4,6% de VAB e o único de perto de uma dezena de casos de setores com números conhecidos em que teve um 2020 positivo.

Portugal é um país que vive muito to Turismo, é claramente impossível analisar setores sem olhar para um dos mais importantes para a nossa economia. Tirando o setor designado por “Outros Serviços”, o Turismo é o maior setor da economia nacional representando quase 19% do VAB total. Como engloba uma vastíssima área (de supermercados e oficinas até hotéis), torna-se difícil de analisar. Porém, com maior ou menor dificuldade de análise, não é surpreendente que tenha sido o ramo de atividade com pior contração de 2020: -12,7% de VAB face ao período homólogo. Recuperou no terceiro trimestre, é um facto, embora estes últimos três meses do ano tenham trazido nova recaída. Com este novo confinamento, que esta segunda-feira passada marca um ligeiro atenuar, garantidamente que houve novamente más notícias para muitas empresas desta área mesmo com a adaptação das empresas e dos consumidores.

Os transportes terminaram com uma VAB de -1,3%, a Banca com -0,3% e os Outros Serviços, quase 1/3 da nossa economia, acabou 2020 com -4%.

Há outros dados interessantes, e já conhecidos, de analisar. Houve menos compras. O consumo das famílias portuguesas desceu 6% em 2020 e foi a maior quebra de sempre, que é como quem diz “desde que o INE tem dados”, chegando a ser pior do que qualquer um dos anos da Troika.

O que fica na memória também? Quando a pandemia atingiu Portugal, o nosso desemprego estava em quebra e ainda registávamos o primeiro excedente orçamental da democracia nacional. Isto, agora à distância, demonstrou-se insuficiente devido às conhecidas fragilidades nacionais como a elevada dívida pública ou a excessiva dependência do turismo. Assim, fomos claramente um dos países mais afetados pela crise pandémica em comparação com a Europa.

O que fica não é muito positivo de 2020. A dívida pública, em % do PIB, cifrou-se no final do último ano em 130,8%. Para termos noção, em 2007 a dívida pública europeia era de 64,9% e a de Portugal de 71,7%. Números próximos! Em finais de 2020, a europa tem uma dívida pública de 89,8% ao passo que nós, como dito anteriormente, estamos nos 130,8%.

O ano de 2020 poderia, e deveria, na teoria, ter sido um virar de página para a nossa economia. O excedente orçamental, a dívida pública a baixar, o desemprego perto dos 6% apenas e uma economia a crescer faziam sonhar com algo diferente. No entanto, a COVID-19 expôs todas as nossas fragilidades a nú. Já em 2021, mas com os números de 2020, podemos concluir que a economia portuguesa é claramente afetada por algo que impeça o contacto entre pessoas, não apenas pela dependência de turismo, mas também pelo peso excessivo dos setores de atividade como a restauração que vive com níveis de precariedade elevados.

Fica na retina a elevada percentagem de contratos a prazo, dos recibos verdades entre a população empregada, o que, em plena crise, demonstra que esses postos de trabalho podem facilmente ser destruídos. Veremos ainda o que acontecerá ao desemprego quando o Governo retirar os apoios em vigor, é uma incógnita.

A autópsia da nossa Economia seria evidente: Uma estrutura económica muito dependente e frágil e ainda com contas públicas muito fracas, só poderíamos ter um país devastado.

Porém, que sirva de lição e que a teoria que ouvimos durante décadas sejam a prática já dos próximos meses.

 

 

 

 


Autópsia de uma economia pandémica


Começámos esta semana no processo gradual de desconfinamento, há muito ansiado pelo tecido empresarial, principalmente, em virtude de 2020 ter sido um ano muito duro para a saúde dos portugueses, mas também para toda a nossa economia.


O ano passado, a nossa economia teve uma das maiores quebras da sua história com uma contração de 7,6%. Naturalmente, nem todos os setores de atividade sentiram este efeito de diminuição de força económica da mesma maneira. Então, mas que setores ou atividades sofreram mais com esta crise?

O investimento caiu, a agricultura afundou, indústria, energias, turismo, transportes, banca, … tudo afundou e alguns colapsaram. O último ano foi um pesadelo para quase toda a economia portuguesa, com a pandemia causada pela COVID-19 e as medidas de combate à pandemia a fazerem diminuir a oferta e aos mesmo tempo a procura de bens e serviços, podemos afirmar que para analisar a nossa Economia é necessária uma autópsia.

Comecemos pela Economia. No segundo trimestre de 2020, o PIB caiu 16,3% face ao período homólogo de 2019. É verdade que as quebras nos trimestres seguintes foram menos expressivas, mas igualmente acentuadas, pelo que ficámos muito distantes do sinal “positivo”. No total do ano, a Economia recuou 7,6% fazendo de 2020 um ano de choque económico histórico e sem precedentes. Os dados disponibilizados pelo FMI demonstram que foi a segunda maior recessão dos últimos 150 anos!

Para analisar cada setor de atividade temos de olhar ao Valor Acrescentado Bruto (VAB), ou seja, aquilo que cada um contribuiu para o PIB nacional. Ao olharmos a esta a Agricultura e Pesca teve uma variação de -10,8% face ao período homólogo sendo que nos últimos 5 anos teve 2 negativos, embora em 2019 andasse na ordem dos +4,7%. Um dos ramos mais relevantes da economia portuguesa, a Indústria, com uma quebra entre abril e junho de -23%, teve uma progressão no resto do ano, mas mesmo assim também terminou no “vermelho” com -1,7% de VAB. A Energia e Água que vinham de um 2018 aos níveis do melhor de sempre, terminaram 2020 com valores de -4,6% mas atingiram os -12,4% no primeiro trimestre do ano passado…

A exceção: A construção subiu. +4,6% de VAB e o único de perto de uma dezena de casos de setores com números conhecidos em que teve um 2020 positivo.

Portugal é um país que vive muito to Turismo, é claramente impossível analisar setores sem olhar para um dos mais importantes para a nossa economia. Tirando o setor designado por “Outros Serviços”, o Turismo é o maior setor da economia nacional representando quase 19% do VAB total. Como engloba uma vastíssima área (de supermercados e oficinas até hotéis), torna-se difícil de analisar. Porém, com maior ou menor dificuldade de análise, não é surpreendente que tenha sido o ramo de atividade com pior contração de 2020: -12,7% de VAB face ao período homólogo. Recuperou no terceiro trimestre, é um facto, embora estes últimos três meses do ano tenham trazido nova recaída. Com este novo confinamento, que esta segunda-feira passada marca um ligeiro atenuar, garantidamente que houve novamente más notícias para muitas empresas desta área mesmo com a adaptação das empresas e dos consumidores.

Os transportes terminaram com uma VAB de -1,3%, a Banca com -0,3% e os Outros Serviços, quase 1/3 da nossa economia, acabou 2020 com -4%.

Há outros dados interessantes, e já conhecidos, de analisar. Houve menos compras. O consumo das famílias portuguesas desceu 6% em 2020 e foi a maior quebra de sempre, que é como quem diz “desde que o INE tem dados”, chegando a ser pior do que qualquer um dos anos da Troika.

O que fica na memória também? Quando a pandemia atingiu Portugal, o nosso desemprego estava em quebra e ainda registávamos o primeiro excedente orçamental da democracia nacional. Isto, agora à distância, demonstrou-se insuficiente devido às conhecidas fragilidades nacionais como a elevada dívida pública ou a excessiva dependência do turismo. Assim, fomos claramente um dos países mais afetados pela crise pandémica em comparação com a Europa.

O que fica não é muito positivo de 2020. A dívida pública, em % do PIB, cifrou-se no final do último ano em 130,8%. Para termos noção, em 2007 a dívida pública europeia era de 64,9% e a de Portugal de 71,7%. Números próximos! Em finais de 2020, a europa tem uma dívida pública de 89,8% ao passo que nós, como dito anteriormente, estamos nos 130,8%.

O ano de 2020 poderia, e deveria, na teoria, ter sido um virar de página para a nossa economia. O excedente orçamental, a dívida pública a baixar, o desemprego perto dos 6% apenas e uma economia a crescer faziam sonhar com algo diferente. No entanto, a COVID-19 expôs todas as nossas fragilidades a nú. Já em 2021, mas com os números de 2020, podemos concluir que a economia portuguesa é claramente afetada por algo que impeça o contacto entre pessoas, não apenas pela dependência de turismo, mas também pelo peso excessivo dos setores de atividade como a restauração que vive com níveis de precariedade elevados.

Fica na retina a elevada percentagem de contratos a prazo, dos recibos verdades entre a população empregada, o que, em plena crise, demonstra que esses postos de trabalho podem facilmente ser destruídos. Veremos ainda o que acontecerá ao desemprego quando o Governo retirar os apoios em vigor, é uma incógnita.

A autópsia da nossa Economia seria evidente: Uma estrutura económica muito dependente e frágil e ainda com contas públicas muito fracas, só poderíamos ter um país devastado.

Porém, que sirva de lição e que a teoria que ouvimos durante décadas sejam a prática já dos próximos meses.