Sim, mas… a terra treme


A breve experiência da Comuna de Paris acabaria por ser brutalmente reprimida pelo exército francês nos violentos dias da Semana Sangrenta.


A 18 de março de 1871 eclodiu em Paris um insurreição proletária que arrebataria ódios e paixões por todo o mundo. No Crime do Padre Amaro, Eça descreve um "Chiado [que] lamentava com indignação aquela ruína de Paris". Os burgueses pensavam que " o mundo acabava. Onde se comeria melhor que em Paris? Onde se encontrariam mulheres mais experientes? Onde se tornaria a ver aquele desfilar prodigioso em volta do Bois?" Mas do outro lado alguns moços "aplaudiam a heroicidade da Comuna"[1].

Vinte e três anos depois da publicação do Manifesto do Partido Comunista, o movimento operário parisiense acompanhava a expansão do capitalismo na Europa a partir da secção francesa da I Internacional. Em Paris, o povo  reagia à notícia da capitulação de Napoleão III na guerra contra a Prússia e ajudava a declarar a II República com o seu Governo provisório liderado por Thiers, que acabaria por sucumbir ao cerco de Paris, retirar para Versalhes e capitular perante Bismarck.

Composto pela burguesia republicana e pelos monárquicos orleanistas, o novo governo republicano possuía o mesmo pavor da classe operária que o Império deposto e, em Paris, acabaria por cair às suas mãos:

“Considerando que não queremos mais ser escravos.

Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e com canhões

Nós decidimos: de agora em diante

Temeremos mais a miséria do que a morte”.[2]

Começava a Comuna de Paris. Eleita por sufrágio universal, a Comuna elevou os direitos democráticos, sociais e económicos do povo a um patamar sem precedentes: Com ampla participação operária, os seus dirigentes, funcionários e juízes eram diretamente eleitos para mandatos imperativos e revogáveis, assim como a Guarda Nacional elegia os seus próprios oficiais e sargentos; a pena de morte foi abolida; o Estado e a Igreja foram separados; foi declarada a liberdade de reunião, associação e a liberdade de imprensa.

A educação tornou-se gratuita, secular e obrigatória e as escolas passaram a ser mistas.  A jornada de trabalho foi reduzida; as multas patronais e o trabalho noturno foram abolidos; os alojamentos vagos foram requisitados; as fábricas e oficinas que estavam encerradas ou abandonadas foram entregues a cooperativas de operários; declarou-se a prorrogação do pagamento das dívidas e a suspensão dos juros.

A Comuna aspirava à expropriação dos expropriadores. Queria fazer da propriedade individual uma realidade transformando os meio de produção, terra e capital, agora principalmente meios de escravizar e explorar o trabalho, em meros instrumentos de trabalho livre e associado”[3], e a partir dela Marx e Engels atualizaram as suas próprias reflexões sobre o poder político e o papel do Estado na tomada de poder do proletariado.

A breve experiência da Comuna de Paris acabaria por ser brutalmente reprimida pelo exército francês nos violentos dias da Semana Sangrenta. Bismarck, com medo de uma possível vitória da Comuna, libertou por ordem de Thiers cerca de 60 mil soldados franceses presos pela Prússia e aumentou as suas próprias tropas para 130 mil soldados. Estava consumada a traição. Depois de entrarem em Paris a 21 de maio, as tropas de Versalhes avançaram bairro por bairro, enquanto a Comuna erigia centenas de barricadas para defender o sonho do primeiro governo popular da História. Os historiadores calculam que na repressão da Comuna de Paris tenham sido executadas entre 20 e 25 mil pessoas.

Com a queda da última barricada, a Comuna caiu no dia 28 de maio de 1871. “O cadáver está na terra, mas ideia está de pé”, escreveria Vitor Hugo. O heroísmo dos operários parisienses que se lançaram sem temores no “assalto do céu”, e as suas proclamações imediatas de democracia e de igualdade social, trouxeram um sopro de modernidade às ideias socialistas e anarquistas.

150 anos depois, reafirmamos que a Comuna de Paris não foi um episódio, foi uma vaga de fundo da história da luta de classes. Foi derrotada? Sim, mas… a terra treme[4].


[1] Álvaro Arranja, 140 anos da comuna de Paris

[2] Bertold Brecht, Os dias da Comuna

[3] Karl Marx, A Guerra Civil em França

[4] “Sim, mas… a terra treme, Os dias maus vão acabar, O contra-ataque não se teme, Se toda a gente se juntar”; Versão portuguesa de La semaine sanglante, de Jean-Baptiste Clément e Pierre Dupont (1871)

Sim, mas… a terra treme


A breve experiência da Comuna de Paris acabaria por ser brutalmente reprimida pelo exército francês nos violentos dias da Semana Sangrenta.


A 18 de março de 1871 eclodiu em Paris um insurreição proletária que arrebataria ódios e paixões por todo o mundo. No Crime do Padre Amaro, Eça descreve um "Chiado [que] lamentava com indignação aquela ruína de Paris". Os burgueses pensavam que " o mundo acabava. Onde se comeria melhor que em Paris? Onde se encontrariam mulheres mais experientes? Onde se tornaria a ver aquele desfilar prodigioso em volta do Bois?" Mas do outro lado alguns moços "aplaudiam a heroicidade da Comuna"[1].

Vinte e três anos depois da publicação do Manifesto do Partido Comunista, o movimento operário parisiense acompanhava a expansão do capitalismo na Europa a partir da secção francesa da I Internacional. Em Paris, o povo  reagia à notícia da capitulação de Napoleão III na guerra contra a Prússia e ajudava a declarar a II República com o seu Governo provisório liderado por Thiers, que acabaria por sucumbir ao cerco de Paris, retirar para Versalhes e capitular perante Bismarck.

Composto pela burguesia republicana e pelos monárquicos orleanistas, o novo governo republicano possuía o mesmo pavor da classe operária que o Império deposto e, em Paris, acabaria por cair às suas mãos:

“Considerando que não queremos mais ser escravos.

Considerando que os senhores nos ameaçam

Com fuzis e com canhões

Nós decidimos: de agora em diante

Temeremos mais a miséria do que a morte”.[2]

Começava a Comuna de Paris. Eleita por sufrágio universal, a Comuna elevou os direitos democráticos, sociais e económicos do povo a um patamar sem precedentes: Com ampla participação operária, os seus dirigentes, funcionários e juízes eram diretamente eleitos para mandatos imperativos e revogáveis, assim como a Guarda Nacional elegia os seus próprios oficiais e sargentos; a pena de morte foi abolida; o Estado e a Igreja foram separados; foi declarada a liberdade de reunião, associação e a liberdade de imprensa.

A educação tornou-se gratuita, secular e obrigatória e as escolas passaram a ser mistas.  A jornada de trabalho foi reduzida; as multas patronais e o trabalho noturno foram abolidos; os alojamentos vagos foram requisitados; as fábricas e oficinas que estavam encerradas ou abandonadas foram entregues a cooperativas de operários; declarou-se a prorrogação do pagamento das dívidas e a suspensão dos juros.

A Comuna aspirava à expropriação dos expropriadores. Queria fazer da propriedade individual uma realidade transformando os meio de produção, terra e capital, agora principalmente meios de escravizar e explorar o trabalho, em meros instrumentos de trabalho livre e associado”[3], e a partir dela Marx e Engels atualizaram as suas próprias reflexões sobre o poder político e o papel do Estado na tomada de poder do proletariado.

A breve experiência da Comuna de Paris acabaria por ser brutalmente reprimida pelo exército francês nos violentos dias da Semana Sangrenta. Bismarck, com medo de uma possível vitória da Comuna, libertou por ordem de Thiers cerca de 60 mil soldados franceses presos pela Prússia e aumentou as suas próprias tropas para 130 mil soldados. Estava consumada a traição. Depois de entrarem em Paris a 21 de maio, as tropas de Versalhes avançaram bairro por bairro, enquanto a Comuna erigia centenas de barricadas para defender o sonho do primeiro governo popular da História. Os historiadores calculam que na repressão da Comuna de Paris tenham sido executadas entre 20 e 25 mil pessoas.

Com a queda da última barricada, a Comuna caiu no dia 28 de maio de 1871. “O cadáver está na terra, mas ideia está de pé”, escreveria Vitor Hugo. O heroísmo dos operários parisienses que se lançaram sem temores no “assalto do céu”, e as suas proclamações imediatas de democracia e de igualdade social, trouxeram um sopro de modernidade às ideias socialistas e anarquistas.

150 anos depois, reafirmamos que a Comuna de Paris não foi um episódio, foi uma vaga de fundo da história da luta de classes. Foi derrotada? Sim, mas… a terra treme[4].


[1] Álvaro Arranja, 140 anos da comuna de Paris

[2] Bertold Brecht, Os dias da Comuna

[3] Karl Marx, A Guerra Civil em França

[4] “Sim, mas… a terra treme, Os dias maus vão acabar, O contra-ataque não se teme, Se toda a gente se juntar”; Versão portuguesa de La semaine sanglante, de Jean-Baptiste Clément e Pierre Dupont (1871)