Quem o vê na mão de Marcelo Rebelo de Sousa pode considerar que se trata de um iogurte líquido, no entanto, Fortimel é um suplemento alimentar. Quem não conhecia poderá ter ficado a conhecer nos últimos dias. O Presidente da República afirmou que o toma como substituto de uma refeição e que o deixa saciado durante horas e o humorista Ricardo Araújo Pereira fez o resto: na rubrica semanal de humor na SIC, criou um spot publicitário a partir de uma entrevista dada pelo Presidente para assinalar o início do segundo mandato. Já durante a campanha presidencial, Rebelo de Sousa tinha feito questão de informar os jornalistas: “É um produto que se compra nas farmácias. Usei isto quando fui operado à hérnia, alimentava-me com isto”, disse na altura.
Da campanha ao almoço presidencial
“Isto é o seu almoço?”, perguntou agora o jornalista da SIC a Marcelo Rebelo de Sousa numa reportagem que acompanhou um dia do Presidente. Tinha acabado a reunião do Infarmed, que Marcelo seguiu à distância, e estavam numa pausa nos jardins do Palácio de Belém. “Exatamente, este é o meu almoço. E este é o sítio onde eu almoço. No início do mandato, comia aqui uma sandes de queijo, uma tosta de queijo e um sumo de ananás. Durante anos, foi isso. E depois jantava bem”, respondeu o Presidente da República, dando conta da mudança de hábitos.
De seguida, o entrevistador perguntou se o antigo professor de Direito não sente fraqueza ingerindo somente a bebida de 125 mililitros. “Não, não é um iogurte. Com um iogurte, sinto. Ao fim de uma hora, hora e meia, duas horas, temos essa sensação de não ter comido nada. Não é o caso. Isto é muito simples, é um suplemento vitamínico e proteico e que dá para substituir uma refeição”. Os minutos inesperados em torno do iogurte, que Marcelo ia bebendo, foram o mote para a sátira de Ricardo Araújo Pereira, que na última edição do programa “Isto é Gozar com Quem Trabalha”, transmitido no passado domingo, juntou às imagens um número de telefone num rodapé como os que são usados nos programas televisivos para promover suplementos.
Uma marca com mais de 30 anos
Até nem é o caso do produto em causa: à venda nas farmácias e parafarmácias, não costuma ter televendas. O Fortimel “pode ser adquirido sem prescrição médica, mas deverá ser utilizado segundo as recomendações dos profissionais de saúde, uma vez que é utilizado para quadros associadas à perda de peso e/ou apetite, pós-operatório, doentes com necessidades nutricionais aumentadas devido a complicações em casos de doença aguda, como é o de doentes internados com SARS-COV2 ou de outras doenças como as oncológicas”, diz Paulo Maçãs Santos, head of health care da Nutricia, marca da Danone responsável pelo desenvolvimento do produto.
Maçãs Santos sublinha que “deve ser utilizado seguindo as indicações de utilização do produto mencionadas na sua embalagem e sempre que possível com a recomendação do profissional de saúde”. Comercializado há mais de 30 anos, o responsável considera que “continua a apoiar o estado nutricional das populações mais sensíveis, procurando dar soluções a pessoas com necessidade nutricionais específicas nos contextos mais desafiantes das suas vidas”, asseverando que “é por isso conhecido do consumidor final e credibilizada pelos profissionais de saúde que reconhecem as suas valências”. Questionado sobre o impacto nas vendas da visibilidade dada pelo Presidente ao produto, o responsável não fez nenhum balanço.
“O presidente não conseguiu comunicar da forma mais correta”
Apesar da atitude de Rebelo de Sousa ter sido repreendida por variados órgãos de informação e profissionais de saúde, o nutricionista Alexandre Fernandes compreende a forma como o fundador do PPD-PSD reagiu.
“Acho que aquilo que o Presidente quis, mas não conseguiu comunicar da forma mais correta, é que basta comer pouco e fracionadamente para que seja possível ter uma vida equilibrada e saudável”, começa por dizer o licenciado em Nutrição e Engenharia Alimentar e em Ciências da Nutrição.
“Penso que pretendeu transmitir que uma refeição pequena e nutricionalmente correta é o suficiente ao invés de comermos gorduras, sal e açúcares que podem desequilibrar ou prejudicar a saúde”, avança, adiantando que “um suplemento serve para complementar ou suplementar a alimentação diária e, se a pessoa já a tem, não necessita de qualquer tipo de suplementação”.
Na ótica do profissional que orienta formações nas áreas da nutrição, do autoconhecimento e da meditação, os suplementos adequam-se “a pessoas com necessidades especiais que devido a doenças ou objetivos desportivos, por exemplo, necessitam de nutrientes específicos”.
“Talvez a comunicação do Presidente tenha sido incompleta e conduzido a interpretação diferente por parte da sociedade”, admite o autor de vários livros sobre saúde e nutrição, salientando que “é claro que não devemos tomar suplementos a não ser que sejamos acompanhados por nutricionistas e médicos”. E acrescenta: “uma vez que nem todos os nutricionistas estão a trabalhar para o Estado, muitas das vezes, são os médicos assistentes que fazem este acompanhamento nutricional”.
“Não se aconselha a estar tantas horas sem comer”
Além de usar suplementos para substituir refeições não ser um bom hábito, a nutricionista Rita Santos adianta que o tempo que o Presidente afirmou passar sem comer também não deve ser tomado como exemplo: “Independentemente da refeição das 14:00 da tarde ter sido o Fortimel ou uma refeição tradicional, não se aconselha estar tantas horas sem comer”, afirma a especialista. O ideal seria que cada pessoa fizesse “várias refeições repartidas ao longo do dia, aproximadamente a cada três horas”, ao contrário daquilo que foi referido por Marcelo Rebelo de Sousa como sendo sua prática: “São agora duas da tarde, [o Fortimel] dá para aguentar perfeitamente até às 18:30 ou 19:00”.
Quando o Presidente referiu que o suplemento era usado por “taxistas em Nova Iorque” ou “médicos que estão de banco”, é possível que não estivesse a falar das situações mais comuns para o qual o Fortimel é recomendado. De acordo com Rita Santo, o produto “é utilizado como um suplemento alimentar com intuito de colmatar alguns défices nutricionais que não se conseguem corrigir com uma alimentação tradicional, em indivíduos com necessidades ou condições específicas”.