A reabertura dos tribunais


A suspensão dos prazos processuais tem enorme impacto no funcionamento da justiça, uma vez que impede o livre acesso aos tribunais por parte dos cidadãos, bloqueando a efectiva realização dos seus direitos.


Perante o agravamento da situação epidemiológica em Portugal no início deste ano, o primeiro-ministro anunciou em 21 de Janeiro a suspensão dos prazos processuais de todos os processos não urgentes, que ocorreria a partir do dia seguinte, ou seja 22 de Janeiro. O anúncio foi precipitado, uma vez que a matéria é da competência do Parlamento, pelo que esse anúncio pressuporia que já tivesse sido apresentada uma proposta de lei nesse sentido. Isso, porém, só ocorreu posteriormente pelo que apenas a 1 de Fevereiro seria publicada a Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro. Essa lei aditou o art. 6º-B, à Lei 1-A/2020, de 19 de Março, voltando a estabelecer um regime de suspensão de actos e de prazos processuais, à semelhança do que tinha ocorrido entre Março e Junho de 2020. Em ordem a não lesar as expectativas que tinham sido criadas pelo anúncio do primeiro-ministro, o art. 4º da Lei 4-B/2021 determinou que a lei produziria efeitos a 22 de Janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados.

Os nº 5 e 6 desse art. 6º-B, introduziram, no entanto, uma série de excepções à suspensão dos prazos processuais, as quais infelizmente foram entendidas de forma diferente pelos diversos tribunais, dando origem a decisões contraditórias que muito surpreenderam os diversos agentes processuais. Lamentavelmente, numa matéria tão importante como a suspensão de prazos, não se consegue legislar de forma clara, o que causa enorme perturbação nos operadores judiciários, que se deparam com extraordinárias dificuldades para determinar qual foi efectivamente o objectivo do legislador.

Em qualquer caso, a suspensão dos prazos processuais tem enorme impacto no funcionamento da justiça, uma vez que impede o livre acesso aos tribunais por parte dos cidadãos, bloqueando a efectiva realização dos seus direitos. Por esse motivo, deve ser uma medida de último recurso, a apenas tomar numa situação de extrema gravidade, como a que se verificou em Janeiro passado. Por isso, a partir do momento em que a mesma é decretada, há que tomar todas as medidas para o rápido regresso dos tribunais à normalidade. O país não pode viver com um dos seus órgãos de soberania paralisado, como inevitalmente sucede quando ocorre uma suspensão dos prazos processuais.

Por isso, o anúncio do início do desconfinamento por parte do Governo deveria ter implicado o imediato levantamento da suspensão dos prazos processuais. Mais uma vez, no entanto, no seu comunicado de 11 de Março, o Governo anunciou que só nessa data tinha aprovado a proposta de lei a submeter ao Parlamento a determinar a cessação da suspensão dos prazos processuais e procedimentais. O desconfinamento já se iniciou assim, mas os prazos processuais continuam suspensos e ainda não se sabe quando essa suspensão irá ser levantada.

O Governo referiu ainda, no seu comunicado, que iria manter “as precauções destinadas a garantir a realização em segurança de diligências e outros atos processuais e procedimentais, que reclamem a presença física dos intervenientes”. Ora, tal não é suficiente. Na verdade, o regresso dos tribunais à normalidade pressupõe um reforço das condições de segurança nos mesmos. Para esse efeito exige-se que todas as pessoas que trabalham nos tribunais possam ser vacinadas. Neste momento, está a decorrer apenas um plano de vacinação dos magistrados, o que é manifestamente insuficiente, não se percebendo as razões porque não está a abranger desde já os advogados. Na verdade, não havendo quaisquer garantias de que as pessoas vacinadas não transmitam o vírus, a vacinação apenas dos magistrados pode contribuir para que sejam aligeiradas as condições de segurança nos tribunais, aumentando o risco que sempre os caracterizou.

É assim necessário reforçar as condições de segurança nos tribunais, com um plano de vacinação mais abrangente, em ordem a permitir que os mesmos possam retomar a sua actividade normal. O combate à enorme crise económica e social gerada pela pandemia não se compadece com uma justiça adiada e insegura, e por isso ineficaz.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

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