Faz hoje, dia 2 de Março, precisamente um ano em que se verificaram os primeiros casos de Covid-19 em Portugal. Até então as autoridades de saúde encaravam o assunto com pouca preocupação. Numa célebre declaração de 15 de Janeiro de 2020, a Directora-Geral de Saúde referia que não havia grande probabilidade de o vírus chegar em Portugal, já que na China o vírus tinha sido contido, desvalorizando o alerta mundial que tinha sido então lançado pela Organização Mundial de Saúde. No seu entender esse alerta era excessivo, uma vez que não haveria evidência de que o vírus seria transmissível de pessoa para pessoa, pelo que não se poderia facilmente disseminar na população humana.
Com a chegada dos primeiros casos a Portugal, a população começou a perceber que essa posição oficial não fazia sentido e que algo de muito sério se estava a passar. Mas o Governo hesitava em tomar medidas, como o fecho das escolas, universidades, tribunais e restantes equipamentos públicos. Em 10 de Março de 2020, o Primeiro-Ministro declarou que não poderia fechar as escolas sem uma recomendação nesse sentido do Conselho Nacional de Saúde Pública. Também o Conselho de Reitores nesse dia se pronunciou no sentido de não haver razões de saúde pública que justificassem o encerramento das Universidades, apesar de as Universidades de Lisboa, Coimbra e Minho já terem suspendido as aulas presenciais por sua própria iniciativa. No dia seguinte, 11 de Março, surgiu uma deliberação do
Conselho Superior de Magistratura adoptando medidas excepcionais de gestão dos tribunais, determinando que se deveriam suspender todos os actos e diligências presenciais nos mesmos, salvo se estivessem em causa direitos fundamentais. Apesar disso, o Conselho Nacional de Saúde Pública rejeitou propor o encerramento geral das escolas. Nesse mesmo dia a OMS declarou a existência de uma pandemia mundial de Covid-19, falando em “níveis alarmantes de propagação e inacção”. O Governo acabaria por encerrar as escolas, não seguindo o parecer que tinha solicitado.
No dia 13 de Março é publicado o Decreto-Lei 10-A/2020, que estabelece medidas excepcionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo coronavírus. Cinco dias depois, através do Decreto 14-A/2020, o Presidente da República decreta o estado de emergência, suspendendo pela primeira vez os direitos fundamentais na vigência da Constituição. Desde então o estado de emergência foi renovado doze vezes, passando os cidadãos a ver os seus direitos e liberdades fundamentais suspensos em virtude da pandemia, em ordem a que o país passasse a ter um Estado forte que lhes impusesse medidas de confinamento. Esse Estado forte por vezes tomou medidas violentas, como sucedeu nos Açores, em que os cidadãos chegados ao arquipélago eram obrigatoriamente encerrados num quarto de hotel, só tendo a situação cessado em virtude de um habeas corpus entretanto decretado.
Apesar das medidas adoptadas, o Estado foi incapaz de proteger os seus cidadãos, sendo que o número de vítimas da pandemia ultrapassa já os 16.000 mortos, mais do que o verificado nos onze anos da guerra colonial. E grande parte dessas vítimas estava em situação de extrema vulnerabilidade, como sucedeu com os idosos residentes em lares, onde se verificavam sucessivos surtos, com inúmeras vítimas mortais, causando enorme alarme social na população, numa clara violação dos direitos humanos das pessoas idosas.
O surgimento das primeiras vacinas permitiu ver uma luz ao fundo do túnel cada vez mais escuro da pandemia, mas a situação ainda se agravou mais com as regras estabelecidas para o período de Natal. E quanto às vacinas, não só grande parte das mesmas não chegou na data prevista, como algumas das que chegaram foram desviadas em processo de vacinação indevida, mais uma vez causando grande alarme social na população que mais delas carecia.
O balanço de um ano de Covid-19 em Portugal é assim absolutamente desastroso, tendo o país sofrido uma enorme tragédia, só equiparável à pneumónica de há um século. Esperemos que os próximos meses permitam alterar esta situação.