Recebi com incredulidade a notícia de que o presidente do meu partido quer adiar as eleições autárquicas por 60 dias. Quer isto dizer que em vez de os portugueses irem às urnas na janela aberta na lei para o efeito – entre 22 de setembro e 14 de outubro – Rui Rio quer chutar as autárquicas para dezembro. Para que fique já claro ao que vem este texto, o autor destas linhas – social-democrata e autarca – é absolutamente contra essa conversa de adiamento.
Testemos a bondade das propostas de Rui Rio com três perguntas simples.
Primeira pergunta: mandar as eleições de setembro para dezembro ajuda a fazer campanha e a mobilizar os portugueses? Rui Rio acredita que sim, que a campanha será mais eletrizante e a mobilização popular mais retumbante por entre as frias chuvas de dezembro do que na amena entrada no outono. A sabedoria popular diz-nos o contrário.
Segunda pergunta: adiar as eleições em 60 dias mitiga a dificuldade dos candidatos em constituir listas? Rui Rio acredita que sim, perfilando uma visão sensivelmente mercantilista da política, em que a constituição das listas é como uma ida ao supermercado onde os melhores candidatos estão disponíveis em prateleiras, prontos para serem açambarcados pelos partidos. Talvez não tenha ocorrido a Rui Rio que em democracias maduras são os partidos que servem o propósito de, entre muitas outras coisas, captar, formar e pré-selecionar cidadãos que podem representar um certo conjunto coerente de propostas, de ideias e de políticas. E, nesse sentido, a constituição das listas tem na sua base o talento, a competência e, não há que ter vergonha em assumi-lo, a confiança política. A ideia de Rui Rio desqualifica os partidos, faz dos estatutos e regulamentos internos tábua rasa, e é hostil aos milhares de militantes e estruturas que, ao longo de décadas, trabalham para a seleção de quadros políticos.
Terceira pergunta: estaremos melhor em dezembro do que em setembro em matéria de saúde pública? Rui Rio acredita que sim. A resposta séria é: ninguém sabe, mas a experiência já vivida diz-nos que não. Os cientistas têm insistido na tese de que podemos levar décadas a erradicar a covid-19, o que nos leva a ter de preparar um novo tempo já resumido na expressão: “coronormal”. Todavia, é consensual de que estaremos melhor em setembro do que em janeiro, altura em que as presidenciais tiveram lugar. Estaremos melhor no fim do verão do que no início do inverno.
Eis as fragilidades dos principais argumentos de Rui Rio a favor do adiamento das eleições às quais se acrescenta uma outra, de natureza não partidária. Quando o líder da oposição em Portugal usa o argumento da saúde pública, está a dizer ao mundo que o país desconfia das suas próprias metas para a vacinação e para a obtenção da imunidade de grupo. Isto tem consequências socioeconómicas negativas para o país – desde logo no turismo, como se tem visto pelos cancelamentos em cadeia em muitos mercados. A posição de Rio é nefasta (para o país) e derrotista (para o Partido). Em vez de se propor adiar eleições, Rui Rio deveria centrar-se na apresentação de propostas que aumentem a participação eleitoral, por exemplo alargando os dias de votação, criando mais locais de voto, reforçando o voto antecipado e possibilitando o voto por correspondência – em especial para os que tiverem de cumprir confinamento. Corrigir e melhorar os procedimentos com a experiência obtida nas últimas eleições presidenciais é prioritário. Procurar consensos no sentido de unir e não de dividir.
Enfrentemos, pois, os factos como eles são. Tenhamos coragem de falar verdade. Rui Rio quer adiar as eleições porque o processo autárquico no PSD é uma inexistência. Esta é uma jogada tática: adiar permite ganhar tempo; não adiar dá ao presidente do partido a oportunidade de construir uma narrativa de vitimização que justificará, com sete meses de antecedência, um possível mau resultado nas autárquicas.
O PSD não é isto. O PSD não tem de ser isto. Onde é que mora a ambição do partido mais popular de Portugal? Desde quando é que nos acobardámos ao ponto de não ter ânimo, sequer, de ir à luta pelas nossas ideias, pela nossa visão de sociedade, pelos milhões de portugueses de norte a sul que são esmagados pelo projeto hegemónico do Partido Socialista? Desde quando é que deixámos de lutar a luta com sentido? Como é que os portugueses – e as muitas centenas de candidatos que dão a cara pelo PSD – olham para estes sinais de derrotismo endémico do líder do Partido?
Fui coordenador autárquico nacional no passado e conheço as dificuldades de gestão destes processos. Andei por todo os país a falar com as estruturas e comecei com mais de dois anos de antecedência. Não deixei tudo para o fim. As dificuldades foram muitas e algumas criadas dentro do próprio partido – por alguns dos que hoje têm responsabilidades no PSD. Trabalhei, trabalhei muito com as estruturas do partido respeitando os estatutos e cumprindo a identidade que formou uma grande organização como é o PSD. Com proximidade e respeito pelos sociais democratas.
Apresentámos milhares de candidatos que carregaram o nosso símbolo e que, mesmo num contexto de tremenda dificuldade (todo o peso do programa de ajustamento da troika pesava sobre os candidatos do PSD) nunca ensaiaram um discurso de desculpabilização e miserabilismo. Muito menos a sete meses das eleições.
Rui Rio chegou a este ponto porque foi incapaz de unir o partido. Falhou na primeira tarefa do líder: pacificar. Está agora a pagar o preço dessa segregação a que votou uma parte importante do PSD.
O líder quer tempo. Mais tempo. Mas mais tempo para quê? Esta é a questão que importa verdadeiramente. Rui Rio tem dois caminhos. Pode manter o rumo que limitará as escolhas autárquicas ao circuito fechado da atual direção nacional e das distritais mais alinhadas; em alternativa pode resgatar os melhores quadros do partido, ignorar divergências do passado, fomentar uma liderança inclusiva.
A opção pela primeira via é a do afunilamento. A opção por este caminho implica que o próprio presidente do Partido vá a votos, no Porto ou na capital, dando o exemplo e confiança aos seus vice-presidentes e a muitos deputados, seus apoiantes indefetíveis, para também eles avançarem como candidatos. Todos eles têm o dever de ser os primeiros a dar a cara pelo partido nas autárquicas se acreditam mesmo no sucesso do afunilamento.
A segunda via é a do alargamento. É a via de um partido grande, que dá a Rui Rio uma hipótese concreta de derrotar este socialismo maligno nas autárquicas e nas legislativas.
Rui Rio não pode mostrar que está farto e sem paciência para o partido. Muito especialmente quando há cada vez mais militantes com uma margem cada vez mais curta para seguirem a tática errática e ziguezagueante da liderança.
Sá Carneiro, numa das suas mais populares máximas, ensinou-nos a colocar primeiro o País, depois o Partido e, só no fim, o interesse individual. O adiamento das eleições inverte a ordem dos fatores: primeiro o interesse individual, depois o Partido e só no fim Portugal.
O PSD pode aspirar a ganhar as eleições autárquicas de 2021 se fizer o que tem de ser feito: unir. A bola está do lado de Rui Rio. Quanto a mim, e a qualquer outro dos autarcas sociais-democratas, qualquer que seja o caminho da direção, cá estarei em setembro ou dezembro para defender a aplicação da solução social democrata ao desenvolvimento do meu concelho e a bandeira do meu partido.
Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira