“Devia ter sentido medo do contacto físico. Nem falámos sobre isso”

“Devia ter sentido medo do contacto físico. Nem falámos sobre isso”


Mais de metade dos portugueses tem medo de contrair o novo coronavírus no decorrer de encontros. Ainda que esse facto não impeça o nascimento de novos relacionamentos, a indústria dos brinquedos sexuais é aquela que sai a ganhar com o distanciamento social imperativo.


O país está confinado pela segunda vez no espaço de um ano e a vida sexual dos portugueses sofre as consequências do isolamento social. Ainda que haja quem respeite as normas de segurança impostas e não se aventure, outros encontraram o amor e/ou o prazer em plena pandemia.

“Conheci o Pedro no Grindr no fim de maio do ano passado. Tinha estado com outros rapazes, mas envolvíamo-nos sexualmente e a nossa conexão ficava-se por aí”, começou por revelar Tomás (nome fictício), de 25 anos e residente na região da Grande Lisboa.

De acordo com um estudo da consultora PSE, publicado na passada segunda-feira, os portugueses estão a respeitar menos o confinamento atual do que aquele que ocorreu em março e em abril de 2020.

Sabe-se que um total de 37% das pessoas ficou em casa no primeiro confinamento, número que desce para 24% em 2021. O jovem integra esta percentagem, pois o primeiro encontro que teve com o companheiro deu-se dentro do seu carro na Estrada do Guincho, em Cascais.

“No dia seguinte, queria estar com ele, foi um relacionamento que surgiu gradualmente”, confessou o rapaz que assume que “devia ter sentido medo do contacto físico”, contudo, tal não aconteceu. “Honestamente, nem falámos sobre isso. Até porque parecia que estava tudo mais ou menos controlado, não estávamos em confinamento geral”, adiantou.

O lisboeta costumava recorrer à aplicação Tinder “quando achava que era heterossexual”, mas ao ter conhecido Pedro percebeu que não se sente minimamente atraído por raparigas e encara este namoro “como o fator-chave para ter saído do armário”.

Segundo o estudo anteriormente mencionado, neste confinamento, 48% dos portugueses ainda estão “em circulação”. Ou seja, 24% passaram a estar em casa, uma descida face aos 37% reportados em março/abril de 2020.

Apesar de se preocupar com estes dados e com o risco de contágio associado às interações sociais, Tomás decidiu ir viver com o namorado em novembro e admite que está “completamente apaixonado”.

“Acho que devemos continuar a usar as chamadas aplicações de encontros porque estamos muito isolados”, disse, avançando que “somos seres sociais, por isso, mesmo que não haja um encontro, falar com outros é sempre benéfico”.

Para contornar as eventuais desconfianças que possam surgir no âmbito das conversas em ambiente virtual, o jovem tem uma solução. “Pedir uma foto com algum gesto específico, tirada no momento, para verificar a identidade de quem está do outro lado”, aconselhou.

 

Prazer sem tabus

Lena (diminutivo), de 23 anos, trabalhava numa loja e encontra-se em regime de layoff, está solteira e não se preocupa com o estado civil por nunca se ter visto como “uma pessoa de relações”.

“Tudo aquilo que eu tenho nunca tem o nome de relação, é sempre uma espécie de relação aberta, mas nunca há um rótulo”, contou a jovem que se envolveu com um rapaz da mesma idade há poucos meses.

“Assumimos o risco os dois, mas durou pouco tempo. Foi uma amiga minha que nos apresentou porque ela achou que nos íamos dar bem”, narrou, acrescentando que existiu “bastante atividade sexual” entre ambos.

Segundo um inquérito levado a cabo pelo site Second Love, em dezembro de 2020, que contou com 600 participantes, entre homens e mulheres, face à hipótese de um novo confinamento, a decorrer atualmente, 56% dos inquiridos admitiram que o desejo de uma aventura sexual aumentaria. Por outro lado, sobre o confinamento de março e abril de 2020, 65% dos participantes do estudo assumiram não ter tido videochamadas, sexting, sexo virtual ou encontros românticos virtuais.

A rapariga, apesar de se integrar na primeira percentagem mencionada, não se enquadra na segunda por investir nas conversas de cariz sexual virtuais. “Eu sempre usei o Tinder, acho que é a aplicação que eu mais uso”, disse, adicionando que a utilização da mesma “é muito à base de aumentar o ego”.

“Neste momento, tenho falado com um rapaz ou outro, pelo Instagram. Falar com raparigas é mais difícil e proporciona-se mais na noite apesar de já ter recorido à aplicação Her, só para o género feminino”, confessou.

Mas Lena não está sozinha na preferência pelas interações cara a cara. Pelo menos oito em cada dez dos participantes do estudo anteriormente referido dizem estar com coragem para ter um encontro físico com alguém fora da sua relação, mesmo com a pandemia a não dar tréguas.

A título de curiosidade, os dados deste site mostram que houve um decréscimo de acessos no início da pandemia, tendo estes voltado a aumentar poucas semanas depois. Este é um fenómeno que aconteceu tanto em Portugal como no resto da Europa e nos países da América Latina onde o serviço está disponível.

No que concerne ao horário em que os portugueses acedem ao site, antes da pandemia o maior tráfego era durante o horário de trabalho, enquanto agora passou a ser a partir das 18 horas. É também de realçar que com cerca de dois mil novos registos por mês, os dados mais recentes indicavam que o Second Love terá 375 mil utilizadores em território nacional.

“Eu ajo de forma diferente online do que na realidade. Há uma grande diferença. A minha conversa com alguém é sempre muito gradual, a começar por nos conhecermos e irmos passo a passo até termos alguma coisa sexual”, disse a rapariga que investiu nas conversas “puramente sexuais” com alguém que nunca conheceu em março do ano passado.

Exemplificando, segundo o jornal Expresso, em 2020, a Diretoria do Norte da PJ registou 396 casos relacionados com pornografia de vingança, enquanto no ano anterior tinha assinalado 161 casos. Mas Lena não se deixa influenciar totalmente por números como este.

“Tenho medo de mandar conteúdos, mas, pessoalmente, tento que esse medo não me impeça de fazer aquilo que eu quero”, começou por elucidar.

“Se quero mandar fotos ou mensagens mais sensuais, não me retraio. Penso sempre se me sentiria totalmente envergonhada se a pessoa divulgasse o conteúdo, avalio um bocado por esse cenário hipotético”, contou Lena que, desde março do ano passado comprou variados artigos sexuais e, algumas vezes, fê-lo juntamente com os três colegas de casa.

“Encontrei um site muito bom, espanhol, com preços bastante acessíveis, entrega super rápida e discreta, e investi um bocado do meu salário nesses artigos”, elucidou. “Eu e os meus amigos encomendámos sex toys juntos e estivemos a vê-los e a analisá-los”, afirmou.

“Não devia ser tabu, todos fazemos coisas, sentimos prazer e gostamos de o sentir, mas cada um é como é, não forço ninguém a falar disto”, finalizou.

 

O poder d’A Maleta Vermelha

Uma reunião presencial entre 8 e 15 mulheres é o modelo habitual de funcionamento da iniciativa d’A Maleta Vermelha. Em época pré-pandemia, a assessora levava a maleta com artigos de saúde sexual, cosmética erótica, lingerie e brinquedos eróticos. Assim, fazia uma apresentação dos mesmos, acompanhando a mesma com dicas de utilização e conselhos de saúde sexual.

Contudo, o surgimento e respetiva propagação do novo coronavírus quebrou esta rotina e Xana Figueiredo, profissional da marca há oito anos, tem sentido os efeitos da situação epidemiológica. “Não temos feito reuniões. Somos profissionais liberais e, durante os confinamentos, suspendemos completamente as sessões”, esclareceu a mulher.

“Fazemos sessões maioritariamente para mulheres, mas também mistas onde podem estar homens desde que sejam convidados pelas mulheres”, informou Xana, desabafando que não decorrem reuniões apenas com elementos do género masculino “porque uma coisa é ir ter com um grupo de mulheres a um sítio desconhecido e outra é ir falar com um grupo de homens”.

Além do medo associado a este cenário hipotético, a vendedora confessou que tem a noção de que os homens “não têm o perfil de se juntarem para falar sobre sexualidade” e a falta de adesão à marca Maleta Negra – iniciativa homónima baseada na “evolução dos tempos, em que o homem começa a ocupar lugares, que anteriormente eram reservados apenas para a mulher” como é possível no site oficial da mesma – comprova-o.

“Lançámos a marca para suprir aquilo que achávamos que estava a falhar, mas não tem grande procura”, revelou com algum desapontamento. “Os homens juntam-se para falar de futebol e outras coisas, mas fazem-no no sentido de se gabarem, de competirem, e essa é uma característica de todas as espécies animais, baseada na performance sexual do macho”, argumentou.

“São capazes de dizer ‘Estive com 10 mulheres’, mas não dizem que algo não funcionou. Por outro lado, as mulheres dizem a verdade e partilham as experiências umas com as outras”, aclarou.

“A competição passa sempre pela questão ‘O meu pénis é maior do que o dele’, é sempre a performance sexual e a procriação que andam de mãos dadas”, disse sem papas na língua. “Tem que ver com a parte social, o contexto em que nascemos, mas também com o método de sobrevivência que nos é natural, faz parte da nossa essência porque axiste sempre a luta entre os mais fortes e os mais fracos”, expôs.

“Da experiência que tenho, os homens participam porque as mulheres os convidam e entusiasmam, mas o que eles gostariam mesmo seria assistirem sem participarem, perceberem apenas aquilo que as mulheres desejam e aquilo de que falam, por mera curiosidade”, disse.

“Neste ano, com o aval da sede, estou a desenvolver as sessões online. Vou fazer as duas primeiras na sexta e no sábado. Vendemos pelo site, mas o maior volume de vendas é através das assessoras por causa do aconselhamento personalizado”, revelou Xana, que tem vindo a notar, desde março de 2020, que “uma série de mulheres que vivem sozinhas, sejam solteiras ou divorciadas, que ainda não tinham parado para se descobrirem, decidiram que era uma boa altura para tal”.

Apesar das clientes adquirirem artigos online, Xana está ciente de que uma compra com aconselhamento é distinta. “Quando alguém fala em produtos eróticos, o vibrador realista é a primeira imagem que nos vem à cabeça Os produtos eróticos vão muito além disso. Os vibradores são somente uma pequena parte dos brinquedos”, rematou.

Quando lida diretamente com uma cliente, a profissional considera que lhe apresenta “produtos muito mais atrativos” tendo em conta os problemas e os desejos explicitados. “Quando vamos ao site d’A Maleta Vermelha, não vamos fazer uma pesquisa exaustiva por dezenas de páginas. Acabamos por procurar produtos específicos”, reconheceu, afirmando que pergunta sempre os motivos pelos quais as mulheres têm a tendência de criar mais ou menos expectativas em relação a um produto porque “muitas das vezes precisam de outras coisas para além do vibrador para chegarem às experiencias que querem ter”.

“Antes da pandemia, havia os sites e as aplicações que promovem os encontros, e isso já existia antes, mas agora o conhecimento presencial ficou limitado”, lembrou Xana, que narrou um episódio curioso que viveu com uma cliente.

“No outro dia, uma senhora perguntou-me como é que se pode encontrar com alguém e eu sugeri uma paragem de autocarro ou no metro. Correm menos riscos porque não estão num ambiente fechado”, comentou com sentido de humor.

“Existe a dificuldade do encontro pessoal. No caso feminino, o isolamento social leva a que exploremos a nossa sexualidade porque, de outra forma, costumamos projetar no outro a estimulação sexual como se precisássemos de um companheiro para pensar em sexo”, constatou a assessora que pode ser contactada via Facebook através da página “A Maleta Vermelha by Xana”.

Segundo a vendedora, as mulheres têm investido mais nos vibradores clitorianos e não nos de penetração como se pode imaginar. “Quando conversam connosco e as informamos acerca das vantagens, acabam por comprar os primeiros”, acrescentou, divulgando que o volume de vendas se mantém porque as sessões “são sempre mais rentáveis porque, no final, existem as compras”.

“Temos acesso a segredos que as clientes não contam nem às melhores amigas. Sabem que não fazemos julgamentos – nem sempre sentimos que falamos com alguém que responda com sabedoria – e nunca podemos trair a confiança dessas pessoas”, mencionou.

 

Aumento nas vendas de brinquedos sexuais

Se A Maleta Vermelha manteve o mesmo volume de vendas, a Vibrolândia – loja situada em Rio de Mouro, no concelho de Sintra, mas com presença online – registou um aumento neste confinamento.

“Desde março de 2020 que as vendas têm vindo a crescer. Nota-se uma necessidade de introduzir novas práticas e artigos sexuais na vida dos casais que estão em confinamento”, elucidou Pedro Correia, CEO_da empresa, não deixando de explicar que “é muito importante que estes saiam da sua rotina, que se voltem a apaixonar e a descobrir formas novas de estarem juntos e potenciar a sua relação”.

Naquilo que diz respeito aos “artigos que conheceram uma explosão de vendas são aqueles que se utilizam também no amor próprio”. Deste modo, no caso das mulheres, o Satisfyer é o mais procurado, no seu modelo Pro 2. A seu lado, os homens, procuram os denominados masturbadores “que têm sido alvo de uma busca maior, em especial os mais realísticos ou com extras como vibração”.

No ano corrente, “já no novo estado de emergência, a descoberta de sex toys controlados por aplicação, em que um parceiro pode estar num local e o outro em qualquer parte do mundo, veio permitir uma nova intimidade”, confessou Pedro Correia, elucidando que “estes são emparelhados com o smartphone do utilizador via bluetooth, o que dá acesso a outro smartphone que pode enviar os comandos, surpreendendo o parceiro e controlando o sex toy”.

Na ótica do empresário, esta opção torna-se “muito útil para quem está confinado, em isolamento, mantendo a conexão com o seu prazer e a sua cara metade”.

“A entrega dos artigos é feita de uma forma completamente discreta, via transportadora, tal como qualquer artigo que seja adquirido nas principais lojas online”, assegurou. “Uma vez que as lojas físicas estão fechadas, a Vibrolândia implementou uma opção de entrega por estafeta, para aqueles casos em que não se pode esperar pela entrega no dia seguinte. Porque o amor também tem pressa”, finalizou.

Importa referir que outra empresa confirma esta tendência. A MiFarma, farmácia online, com sede em Lisboa, em comunicado, esclareceu que “embora o catálogo de produtos sexuais seja bastante extenso, houve três que foram particularmente procurados em 2020”.

“Este ano o clítoris ganhou protagonismo, e portanto os produtos mais procurados têm estado relacionados com esta parte do corpo feminino”, é possível ler, sendo que a companhia percecionou que os sugadores de clítoris têm sido o produto mais procurado na sua plataforma, seguido pelo anel vibratório da Durex.

No entanto, existem clássicos incontornáveis como os lubrificantes intensificadores ou os preservativos que ainda são adquiridos com elevada frequência pelos clientes.

 

Covid-19 como terapia para a líbido

“Tive relatos de pacientes que me disseram que, depois de estarem na mesma casa com o marido mas sem se poderem tocar, encontraram a cura para a falta de líbido”, começa por contar a sexóloga Maria do Céu Santo, depois de admitir que houve muitas vezes em que se viu confrontada com mulheres que tinham falta de líbido por terem o marido “logo ali”. Foram vários os especialistas que relataram uma perda do apetite sexual de alguns pacientes, desde que começou o confinamento. O facto de se estar 24 horas por dia com o companheiro fez com que muitos casais sentissem menos desejo pelo parceiro. “Faz de conta que já têm o contrato assinado e esquecem-se da camisola”, afirmou em tom de brincadeira Maria do Céu Santo explicando que não é por se amar que se têm obrigatoriamente desejo e vice-versa.

A sexóloga acredita que são diversas as vezes em que o sexo é usado como uma moeda de troca para receber amor, “especialmente as mulheres”. A especialista continua: “Muitas vezes, nas relações, as pessoas quando deixam de ter desejo, começam a fazer sexo para agradar ao outro. Neste tempo, em casa em que as pessoas estão mais em casa e têm mais disponibilidade é importante que percam tempo e comecem a pensar na sua própria sexualidade. O desejo está na cabeça, se eu pensar nisso e imaginar situações, o desejo aumenta. Dessa forma pode-se combater esta tendência que se tem de pensar só no prazer do outro”.

 

“Faturo o dobro”

Em março de 2020, a plataforma Onlyfans ganhou mais 3,5 milhões de inscrições, sendo que contabilizava 700 mil criadores de conteúdo inscritos pelo mundo inteiro. E há quem tenha lucrado com o sex work online, também denominado de venda de conteúdos eróticos online.

É o caso de Alexandra (nome fictício), de 25 anos, que descobriu este mundo quando pesquisava sobre “fetiches como o das dominatrixes” para tornar o relacionamento que tinha, à época, com o então namorado “mais picante” e hoje ganha aproximadamente 200 euros por dia – antes fazia cerca de 100 – através da venda de nudes e vídeos explícitos e vídeos a solo de masturbação.

Na indústria há dois anos, a rapariga fotografa e mostra todas as partes do corpo desde que se sinta confortável com os conteúdos veiculados. ”É claro que os meus clientes sugerem que capte imagens minhas no âmbito de fetiches pelos quais não nutro o mínimo interesse, mas estou sempre aberta a novidades e gosto de explorar a minha sexualidade ao máximo”, afirmou a jovem que reside no Porto.

“Eu sei que há meninas que têm vindo a faturar menos porque realmente existiu um boom de clientes no primeiro confinamento que não regressaram na totalidade a todas as vendedoras”, explicou a rapariga. “Mas não me posso queixar porque estou a ganhar 6000 euros por mês. Faturo o dobro. Tenho a minha vida organizada, pago as minhas contas e ajudo a minha família sem qualquer problema”, revelou.

 

Todos querem algo no dia dos namorados

Com o dia dos namorados a aproximar-se, quem está numa relação começa a criar expectativa, “ainda que muitos digam que não”, sobre aquilo que irá receber. A sexóloga lembra da importância que é dar um “miminho” ao parceiro nem que seja só um “postal ou um vale para passar uma noite na praia, por exemplo”.

Com a maioria das superfícies comerciais fechadas, será difícil oferecer algo que não seja “caseiro ou feito à mão”, mas o ato de demonstrar carinho é aquele que mais importa quando se dá um presente. “A maioria das pessoas diz aquelas coisas sobre o dia dos namorados ser todos os dias, mas isso é mentira, toda a gente quer receber algo”, relatou Maria do Céu Santo baseada na sua experiência.