A arte da fuga


Não devemos subestimar o espetáculo de escapologia a que se tem assistido no Portugal dos últimos anos. Começou em outubro de 2015, quando o Partido Socialista ficou em segundo lugar nas eleições. 


Embora pensemos nele como um ilusionista, a especialidade de Harry Houdini era aquilo que os puristas designam por escapologia. Podiam prendê-lo, acorrentá-lo, fechá-lo até numa célula de alta segurança (como as que usava a polícia russa) – ele escapava sempre com facilidade. Parecia feito de borracha: graças a uma particularidade anatómica (conseguia deslocar o ombro e passar com o braço por trás do pescoço) libertava-se das camisas-de-forças mais poderosas. E não havia algemas que o segurassem. Para promover os seus espetáculos, pedia para o atirarem de uma ponte, de cabeça para baixo, acorrentado e com algemas certificadas pela polícia nos pulsos, para a água gelada. Obviamente, nunca se afogou. Se achamos isto espantoso, não devemos subestimar o espetáculo de escapologia a que se tem assistido no Portugal dos últimos anos. Começou em outubro de 2015, quando o Partido Socialista ficou em segundo lugar nas eleições. O seu secretário-geral, recentemente eleito, parecia num beco sem saída, atado de pés e mãos. Porém, com uma manobra notável, não apenas ficou rei e senhor da situação, como deixou os restantes líderes políticos, eles sim, tolhidos de movimentos. Seguiram-se os trágicos fogos de 2017, dos quais, espantosamente, escapou incólume com um simples pedido de desculpas exigido pelo Presidente. E, quando muitos pensavam que seria o escândalo do roubo do paiol de Tancos e posterior achamento das armas a abalá-lo, mostrou que, além de não ter importância nenhuma, o problema não era com ele. Não são apenas as piruetas – o que um dia é “impensável” no dia seguinte é “indispensável” – espantosas que merecem aplauso. É a capacidade verdadeiramente houdiniana de escapar às situações mais desesperadas. Mesmo quando parece irrevogavelmente encurralado, o primeiro-ministro consegue libertar-se. No momento atual, com o drama da pandemia, a balbúrdia das vacinas, a economia pelas ruas da amargura e os adversários internos a assumirem-se, o cerco a António Costa aperta-se. Mas nunca se sabe. Em 1908, no auge da carreira, Houdini também foi metido algemado dentro de uma vasilha de leite com 22 baldes de água. Ao fim de três minutos a tensão tinha-se tornado quase insuportável. Quando o seu assistente se preparava para o libertar da prisão com um enorme machado, a cortina abriu-se e Houdini saiu sorridente a escorrer água. E, cúmulo dos cúmulos, a vasilha continuava trancada por cadeados!