Com as obras que prevêem a remoção dos brasões florais da Praça do Império a tornarem-se uma realidade cada vez mais próxima, aumenta as vozes contra a iniciativa da Câmara de Lisboa e os apelos públicos para evitar as polémicas alterações. Incluindo dos ex-Presidentes da República António Ramalho Eanes e Aníbal Cavaco Silva. Apesar de não subscreverem petições públicas – e por isso ambos declinaram o convite para assinarem o abaixo-assinado promovido pela Nova Portugalidade “Contra o apagamento dos Brasões da Praça do Império” –, tanto Ramalho Eanes como Cavaco Silva manifestaram o seu apoio ao movimento contra o projeto aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa (CML).
Numa nota enviada à Nova Portugalidade, o antigo líder do PSD afirmou que, mesmo sem que a sua assinatura conste da lista dos signatários da petição, é contra a remoção dos brasões da ex-colonias e das autarquias: “A Praça do Império é, toda ela, uma homenagem à gesta dos Descobrimentos, feito de que os Portugueses se devem orgulhar. Portugal soube manter uma amizade sólida com os países de expressão portuguesa, baseada no respeito mútuo e numa cooperação continuamente aprofundada. Espero que se tenha o bom-senso de recuperar e preservar os brasões florais que evocam a memória da nossa presença Além Mar e devem ser hoje celebração dessa proximidade entre países irmãos”.
Por sua vez, e ao i, Ramalho Eanes referiu também que apesar “de não assinar petições”_estava solidário para com a causa, discordando do projeto destinado à reabilitação dos jardins situados em frente ao Mosteiro dos Jerónimos.
No passado sábado, o Nascer do SOL noticiou a restruturação prevista para os Jardins da Praça do Império e a existência de uma petição contra a remoção dos brasões já com mais de cinco mil assinaturas. Nesta terça-feira a petição já tem mais de 10 mil signatários.
Entre os signatários constam nomes como o antigo ministro Bagão Félix, o presidente da Junta de Belém Fernando Ribeiro Rosa, o antigo presidente da Câmara de Lisboa Carmona Rodrigues ou personalidades como Luís Gagliardini Graça e Rafael Pinto Borges, da Nova Portugalidade.
O sociólogo António Barreto é também uma das personalidades que se junta a este movimento e em recente entrevista ao DN afirmou considerar uma demagogia querer-se refazer o jardim mas não “demolir o Mosteiro dos Jerónimos”. O sociólogo acredita que existe um “universo de abdicação da História, da sua negação, quando devia haver era um enorme esforço de fazer cada vez mais História e mais rigorosa”. António Barreto relembra ainda como “durante 100 anos se falava da escravatura como uma vantagem, com orgulho, e é verdade que a escravatura não merece o menor orgulho” mas “aconteceu”. Assim sendo, pede que “não se destrua as coisas da História que fazem parte da nossa identidade” porque “fazê-lo é procurar sociedades feitas de homens e mulheres iguais, de autómatos sem história nem reconhecimento, identidade ou direitos individuais”.
Falta de fundos ou brasões “ultrapassados”?
De acordo com a Câmara Municipal de Lisboa, a remoção dos brasões obedece a dois fatores fundamentias: por um lado, os elevados custos de manutenção (24 mil euros anuais), visto que são canteiros e exigem cuidados frequentes, e, por outro, o facto de os brasões floridos serem “ultrapassados” e não fazer “sentido mantê-los”. Numa nota emitida pela autarquia aquando da apresentação do projeto, em 2014, podia ler-se que não se iriam “despender recursos financeiros a recuperar os brasões criados pelo Estado Novo das antigas colónias portuguesas e que há muito não existem, nem sequer como arranjos florais no local”.
Para a primeira questão, a Junta de Freguesia de Belém (JFB) rapidamente arranjou uma solução: disponibilizou-se a cobrir todos os custos que derivassem de reabilitação dos canteiros. Relativamente à segunda questão, o presidente da JFB, Fernando Ribeiro Rosa, afirmou ao Nascer do SOL que sente que “há quem queira, à maneira talibã, cortar toda a nossa história» – referindo-se ao presidente da CML, Fernando Medina, e ao vereador José Sá Fernandes, por serem “os principais executantes deste atentado ao património”.
Rafael Pinto Borges, um dos promotores da petição e presidente da Nova Portugalidade, esclareceu por seu turno que a necessidade de a criar surgiu a partir de uma “indignação patriótica perante o que sabemos ser a destruição de património material e simbolicamente insubstituível por mero fanatismo ideológico do vereador e ex-candidato do Bloco de Esquerda à CML [Câmara Municipal de Lisboa] José Sá Fernandes”.
Recuperar o projeto original
A proposta, em discussão desde 2014, não teve como objetivo principal a remoção dos brasões mas sim a reabilitação do jardim, do qual o apagamento dos canteiros floridos fazia parte. A presidente do júri que avaliou as várias propostas, Simonetta Luz Afonso, afirmou inclusivamente que a remoção dos brasões tinha sido “a última” das preocupações do júri. A mesma acredita ainda que a maioria das críticas ao desaparecimento dos brasões se devem a “desconhecimento do projecto original”. Esse mesmo projeto foi concebido pelo arquiteto Cottinelli Telmo em 1940 no âmbito da “Exposição do Mundo Português” e do qual os brasões não faziam parte. Estes foram adicionados em 1961, mais de 20 anos depois, para assinalar os 500 anos da morte do Infante Dom Sebastião e também devido à Exposição Nacional da Floricultura. A proposta vencedora, apresentada pelo atelier ACB Arquitectura Paisagista, tinha como objetivo retomar o traçado de Cottinelli, “recuperando o conceito original de 1940”.
Quando apresentado, o projeto previa que os valores da remodelação rondassem os 499 mil euros e esperava-se que as obras durassem cerca de um mês e meio. No entanto, os trabalhos que estão agora a cargo da Decoverdi – Plantas e Jardins, vão durar quatro meses e terão um custo a rondar os 778 mil euros, sendo que este valor já incluí a manutenção do espaço durante um ano.
O principal promotor da petição “Contra o Apagamento dos Brasões da Praça do Império” afirma acreditar que obras têm por base uma escolha extremista e acredita que, sendo este ano de eleições autárquicas, é tempo de “o Dr. Fernando Medina escolher o que quer representar: uma esquerda moderada, tolerante, urbana e culta, que protege o património e aceita a História, ou o testa-de-ferro de uma ultra-esquerda ressentida, totalitária, sectária e radical”.
Apesar de contactos pelo i, nem Fernando Medina nem José Sá Fernandes prestaram quaisquer declarações.