O anúncio da suspensão dos prazos judiciais


Perante a ausência de diploma legal a suspender os prazos, o anúncio do primeiro-ministro provocou a maior confusão no funcionamento dos tribunais.


Na passada quinta-feira, o primeiro-ministro, ao mesmo tempo que finalmente determinava o encerramento das escolas, depois de vários dias a garantir que as mesmas se manteriam abertas, anunciou ainda a suspensão dos prazos judiciais nos processos não urgentes. A suspensão dos prazos e diligências judiciais já tinha sido decretada no primeiro estado de emergência, com consequências dramáticas para o funcionamento da justiça, uma vez que levou ao adiamento de mais de 64 mil diligências, agravando ainda mais os já constantes atrasos na nossa justiça. Por esse motivo, é uma medida extrema que se deve sempre procurar evitar, privilegiando a criação de condições de segurança nos nossos tribunais.

Não obstante, perante o presente descontrolo que se verifica na situação da pandemia no nosso país, que neste momento já atinge o estado de catástrofe absoluta, a medida justifica-se. Na verdade, todos os dias se verificam surtos de covid-19 nos nossos tribunais, com magistrados e funcionários infectados, o que constitui um risco acrescido para os advogados e os demais cidadãos que lá se deslocam. Infelizmente, em virtude da reforma do mapa judiciário de 2014, os tribunais deixaram de funcionar nos antigos edifícios espaçosos espalhados por todo o país e estão agora a funcionar em espaços reduzidos nas grandes cidades, muitas vezes com salas interiores sem janelas, em que é impossível garantir a segurança dos intervenientes processuais numa audiência de julgamento que pode durar horas. Por isso, lamentavelmente, temos de reconhecer que o estado actual da pandemia já não permite o funcionamento dos nossos tribunais em condições de segurança.

É por isso compreensível que o primeiro-ministro tenha anunciado na quinta-feira que os prazos judiciais nos processos não urgentes seriam suspensos logo no dia seguinte, sexta-feira, dia 22 de Janeiro. O que já não é compreensível é que não tenham tomado de imediato as medidas necessárias para que essa suspensão efectivamente ocorresse. Sabendo-se que a organização dos tribunais é da competência do Parlamento, salvo autorização ao Governo (art.o 165.o, n.o 1, p) da Constituição), o Governo deveria ter imediatamente apresentado ao Parlamento uma proposta de lei ou solicitado uma autorização legislativa com carácter de urgência. Não seria seguramente difícil ter esse diploma pronto, atendendo a que já no ano anterior fora adoptada uma lei semelhante, cujo texto poderia ser simplesmente reapresentado.

Perante esta ausência de diploma legal a suspender os prazos, o anúncio do primeiro-ministro provocou a maior confusão no funcionamento dos tribunais: alguns juízes adiaram imediatamente as diligências que tinham marcadas, enquanto outros se recusaram a fazê-lo, invocando a ausência de lei que permitisse o adiamento. Não estão assim, presentemente, os prazos suspensos, ao contrário do que diz a comunicação social, e os advogados e as testemunhas convocadas ignoram se os julgamentos marcados vão ou não realizar-se.

No momento em que escrevo, não há qualquer indicação de que tenha dado entrada no Parlamento qualquer proposta de diploma a suspender os prazos e diligências processuais. E o próximo plenário do Parlamento está apenas marcado para a próxima quinta-feira, o que leva a crer que possa decorrer mais uma semana em que os tribunais continuam a funcionar em pleno, mesmo depois de o primeiro-ministro ter declarado que deveriam suspender imediatamente os processos não urgentes. É lamentável que esta indefinição continue, com a manutenção por tantos dias de uma situação de risco que continuamente se agrava. O Parlamento deveria ter já um plenário convocado de urgência para que se adopte imediatamente a suspensão dos prazos e diligências, conforme foi anunciado pelo primeiro-ministro. Não podemos combater uma pandemia que está descontrolada continuando a adiar por muitos dias a adopção das medidas que se impõem.

 

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990