Por muito desconforto ou regozijo que os debates presidenciais estejam a gerar, eles são um fino retrato do país a que chegámos a apenas três anos de 50 anos de Democracia. Nele estão sobretudo as nossas falhas coletivas como partes de um todo que permitiu a compactação e a formação deste patamar de noção da realidade, de truques, de populismo e de falta de coerência. Aliás, se há informação relevante que resulta dos debates, logo pela boca de quem é um criativo das realidades, com vasto currículo de traquinice e engodo (Marcelo Rebelo de Sousa), é a de que alguns protagonistas têm um comportamento e uma expressão em reuniões diferentes daqueles que exercitam em público. É mais uma vergastada no valor da coerência, algo que prolifera na realidade política atual, em que as realidades são modeladas em função dos interesses particulares e de circunstância.
Portugal é aquilo dos debates presidenciais. Palavroso, superficial, inconsistente e desenrasca, com espaço (demasiado!) para os fins que justificam todos os meios e para a projeção mediática de conversa de redes sociais (outrora da taberna, do café ou do vão de escada).
Candidatam-se à Presidência da República com agendas e verbalização de ideias sem qualquer tipo de enquadramento constitucional ou possibilidade de serem viabilizados por uma qualquer revisão da lei fundamental que exige 2/3 dos deputados.
O nível de ilusão de alguns candidatos com as funções presidenciais ou revela desconhecimento dos limites, porque há separação de poderes, ou pretende enganar os mais incautos com possibilidades de ação, de influência ou de bitais que vão muito além do que é permitido. Aliás, coisa que o atual Presidente em algumas situações materializou, compensando posteriormente o Governo em aconchego político noutras ações. Ultrapassou na palavra, compensou na ação.
Ora face à ilusão em torno das funções presidenciais, assume particular relevância o esclarecimento dos hipotéticos compromissos existentes para a realização de revisões constitucionais que possam corresponder à materialização das palavras ditas pelos candidatos presidenciais. É aqui que entra Rui Rio e o seu achegamento para o poder nas Ilhas de Bruma. O atual governo regional do Açores está assente num compromisso político com o Chega que integrará cobertura do PSD a um processo de revisão constitucional e a propostas populistas. Dos debates sabemos que Marcelo Rebelo de Sousa, que deu cobertura ao queimar de etapas nos Açores na formação do governo regional (não convidou o partido mais votado a formar governo), está de acordo com a redução do número de deputados, importa esclarecer tudo o resto até 24 de janeiro.
Embora o impulso de revisão da Constituição não esteja na órbita das funções do Presidente, importa que seja divulgado o conteúdo integral do acordo entre o PSD e o Chega nessa matéria. O que querem alterar, como e quando?
A questão é simples. Sabe-se que Marcelo está de acordo com Ventura na redução do número de deputados e esteve com a formação do governo regional dos Açores, logo com a normalização partidária materializada, precisamos de saber até 24 de janeiro quais são as outras matérias de convergência? Não é que os 2/3 necessários para rever a Constituição estejam assegurados, é só para que não existam matérias estabelecidas no plano privado que são diferentes ou desconhecidas das abordadas na esfera pública.
Portanto, o PSD ou o Chega devem divulgar o acordo açoriano para a revisão constitucional. Marcelo Rebelo de Sousa deve dizer o que pensa sobre as propostas. Até 24 de janeiro! Aliás, nem se percebe como pretensos democratas podem viver deixando persistir essas dúvidas sobre as convergências existentes?
Tem-se falado muito do passado, este é um tema de futuro que importa debater no tempo de falta. Por exemplo, perante o quadro de crise económica e social decorrente da pandemia como pensam os candidatos que deveriam ser as respostas de mitigação e de recuperação do país? Ou ainda a aplicação dos dinheiros da Bazuca, os custos imediatos das transições digitais e energéticas ou os posicionamentos europeus, transatlânticos ou globais de Portugal pós-pandemia. Mas isso era pedir de mais para quem se colocou numa espécie de ecossistema que apenas debate o passado e a agenda quotidiana.
As Presidenciais estão confinadas às circunstâncias e ao país que somos. Cogitam nas impreparações, na falta de planeamento geral e na incapacidade para pensar e agir antes da necessidade. Descobriram agora, a pouco mais de 15 dias das eleições, limitações logísticas para o exercício do direito de voto que se somam às questões estruturais não resolvidas no país do Simplex. Estamos nas eleições presidenciais, imagine-se, a nove meses de distância, e com previsíveis limitações pandémicas ainda em vigor, o imbróglio nas eleições para as autarquias locais, estando em causa poderes territoriais (quintinhas) e boletins de voto para a assembleia de freguesia, a assembleia municipal e a câmara municipal.
É certo que os dados do surto e o confinamento já colocaram num segundo plano a vacinação, mas se pode acontecer borrasca dentro de nove meses, nada como começar a impedi-la. Já!
NOTAS FINAIS
DESCONFINAMENTO AMERICANO. Os desmandos no Capitólio podem ter sido a exposição global aos riscos das distorções das democracias que têm de ser combatidos com ações inteligentes e não com verborreia inconsequente. Marcelo Rebelo de Sousa tem razão, mas era preciso que as suas conivências com o governo não tivessem também dado pasto aos populismos, por falta de foco na antecipação e na resolução dos problemas.
DESCONFINAMENTO EUROPEU. Com os confinamentos temos sido privados de muitas das rotinas e das dinâmicas que existiam. O pós-pandemia vai ter muitas necessidades essenciais sociais e económicas, que precisam de ser respondidas, mas poderia ser interessante haver um programa europeu para os mais jovens que possibilitasse contactos com realidades europeias. Uma espécie de Erasmus de compensação pelas limitações do confinamento, que, em simultâneo, ajudaria a reforçar a ideia de Europa.
Escreve à segunda-feira