Morreu aos 90 anos o poeta, jornalista e livreiro Henrique Segurado

Morreu aos 90 anos o poeta, jornalista e livreiro Henrique Segurado


Um dos fundadores de O Jornal e das livrarias Castil, em Lisboa, e AZ, em Lisboa e Porto, como poeta surgiu ligado à Távola Redonda, e foi um desses cavaleiros andantes dos metros tradicionais, sabendo escandir a sua urgência de falar para o longo silêncio além da vida. 


“Teremos a certeza das roseiras/ Ao sentir o Inverno ultrapassado!” Por agora, a morte de um poeta discretíssimo ensina-nos a esperar. Afinal, numa das poucas entrevistas que deu, aparecida curiosamente nas páginas da revista Caras, aquele de quem as páginas literárias raramente fizeram outra coisa senão esquecê-lo notava que “em 1975, o Homem enviou da Terra uma mensagem, acusando a sua existência neste ponto do Universo, para o enxame de estrelas – Messier L 333. A resposta demorará 40.000 anos a chegar até nós. Quem cá estará nessa altura? Seja como for, deve-se aguardar por ela como quando se espera a resposta a uma carta com aviso de recepção.”

Mais à frente, na mesma entrevista, conduzida por Rita Ferro com recurso a versos do próprio poeta, ali transformados em perguntas, à pergunta “depois de si o seu coração ainda irá bater?”, Henrique Segurado responde: “penso que o meu coração baterá por mim na noite do grande silêncio que se seguirá à minha vida”. Morreu esta quarta-feira, aos 90 anos, Henrique Jorge Segurado Pavão, que foi não só um poeta, ligado ao grupo da revista Távola Redonda, mas, assinando Henrique Pavão, na mesma década de 1950 esteve ligado aos jornais, isto depois de um breve excurso pela Faculdade de Letras de Lisboa, cidade onde nasceu a 6 de abril de 1930. Não quis mais andar com rodeios, perder anos com os estudos que foi fazendo segundo as suas urgências ao longo da vida, e entrou para O Século. Já depois do 25 de Abril, viria a ser um dos fundadores de O Jornal, tendo primeiro naquele e depois neste assumido responsabilidades como administrador. Não satisfeito com essa relação diária, as palavras aos encontrões por entre essa massa anónima “que engrossa o caudal das multidões”, em 1976 abre a primeira livraria Castil em Lisboa, a Castil-Castilho, à seguindo-se as Castil-Alvalade, Castil-Benfica e Castil-América, e mais tarde, em colaboração com a Valentim de Carvalho, as livrarias AZ em Lisboa e no Porto.

Por essa altura, o poeta parecia ter emudecido nessa dedicação firme às realidades que tornam possível a vida dos leitores, mas regressaria já neste novo século, recolhendo em dois belíssimos volumes – com edição de Joana Morais Varela e desenhos de Rui Sanches – os versos que haviam sido dados à estampa e aqueles que haviam abdicado de toda a publicidade, forjados com a dignidade do que não tem qualquer pressa e sabe fazer-se esperar: Almocreve das Palavras reúne a obra lírica produzida entre 1969 e 1989, e Debaixo das Tílias a que escreveu entre 1990 e 2010. Sempre fiel à “lição de rigor de Cesário”, este anjo “de carne e osso…/ Com asas e raízes à mistura”, soube fazer dos versos essa outra sombra que segue os passos que um homem consegue dar para lá da sua vida, e até deste mundo. Nessas divagações exigentíssimas, como quem joga roleta russa no seu íntimo, confrontando-se, medindo-se face ao pavor de um dia simplesmente desaparecer: “Só um tiro murmurado…/ É um espasmo de colchão/ No fim dum quarto alugado (…) Uma bala é um senão/ Dalgum baralho marcado…/ Todo o homem é um leão/ A fugir como um veado.”